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Informativo STJ 675 Comentado

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DIREITO ADMINISTRATIVO

1.      Prescrição do precatório ou RPV após cancelamento

RECURSO ESPECIAL

É prescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou nova RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei n. 13.463/2017.

REsp 1.859.409-RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 16/06/2020, DJe 25/06/2020

1.1. Situação FÁTICA.

Eduardo obteve decisão favorável em sua ação ajuizada contra a União. Ocorre que, no cumprimento de sentença, o advogado deixou de levantar os valores da Requisição de Pequeno Valor correspondente. Após algum tempo sem notícias dos valores, Eduardo ficou sabendo que a Requisição de Pequeno Valor havia sido cancelada conforme prevê a Lei 13.463/2017.

Inconformado (e representado por outro advogado), Eduardo peticionou requerendo nova expedição de RPV. O Juízo de primeiro grau deferiu o pedido por entender cabível, o que foi mantido pelo Tribunal Regional Federal competente.

Conforme o acórdão, o cancelamento previsto na Lei n.13.463/2017 não impediria a devolução dos valores ao autor por meio de nova expedição de RPV, sem qualquer previsão prescricional para o pleito.

A União interpôs recurso especial no qual sustentou que o autor não teria direito a nova expedição de RPV, uma vez que o direito ao levantamento dos valores depositados teria sido fulminado pela prescrição do art.1º do Decreto 20.910/32. Também ressaltou que os valores questionados ficaram disponíveis para levantamento pelo autor por mais de 05 anos.

1.2. Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.  Questão JURÍDICA.

Lei n. 13.463/2017:

Art. 2º Ficam cancelados os precatórios e as RPV federais expedidos e cujos valores não tenham sido levantados pelo credor e estejam depositados há mais de dois anos em instituição financeira oficial.

§ 1º O cancelamento de que trata o caput deste artigo será operacionalizado mensalmente pela instituição financeira oficial depositária, mediante a transferência dos valores depositados para a Conta Única do Tesouro Nacional.

§ 2º Do montante cancelado:

I – pelo menos 20% (vinte por cento) deverá ser aplicado pela União na manutenção e desenvolvimento do ensino;

II – pelo menos 5% (cinco por cento) será aplicado no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM).

§ 3º Será dada ciência do cancelamento de que trata o caput deste artigo ao Presidente do Tribunal respectivo.

§ 4º O Presidente do Tribunal, após a ciência de que trata o § 3º deste artigo, comunicará o fato ao juízo da execução, que notificará o credor.

Art. 3º Cancelado o precatório ou a RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor.

1.2.2.     Cabe a aplicação da prescrição?

R: SIM.

Os arts. 2º e 3º da Lei n. 13.463/2017 estabelece o seguinte:

”Ficam cancelados os precatórios e as RPV federais expedidos e cujos valores não tenham sido levantados pelo credor e estejam depositados há mais de dois anos em instituição financeira oficial”, “cancelado o precatório ou a RPV, PODERÁ ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor”.

A pretensão de expedição de novo precatório ou nova RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei n. 13.463/2017, NÃO é imprescritível. O direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados. No momento em que ocorre a VIOLAÇÃO de um direito, considera-se nascida a ação para postulá-lo judicialmente e, consequentemente, aplicando-se a teoria da actio nata, tem início a fluência do prazo prescricional.

1.2.3.  Resultado final.

É prescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou nova RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei n. 13.463/2017.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

2.      Cumulação do benefício e renda laboral durante o período entre indeferimento e implantação do benefício por incapacidade

RECURSO ESPECIAL

No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.

REsp 1.788.700-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 24/06/2020, DJe 01/07/2020

2.1. Situação FÁTICA.

Ivan teve seu pedido de auxílio-doença indeferido na via administrativa. Para prover seu sustento, trabalhou até mesmo após o indeferimento e posteriormente entrou com ação judicial para a concessão do benefício por incapacidade.

O Juízo de primeiro grau julgou procedente a ação para condenar o INSS a implantar o benefício com data de início fixada na data do indeferimento administrativo, o que acabou por abranger o período em que havia continuado a trabalhar.

O INSS se manifestou contra tal decisão por entender que não caberia o pagamento do benefício nos períodos em que Ivan trabalhou, conforme arts. 42,56 e 59 da Lei 8.213/1991.

Cinge-se a controvérsia em saber se há possibilidade de recebimento de benefício, por incapacidade, do Regime Geral de Previdência Social, de caráter substitutivo da renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez), concedido judicialmente em período de abrangência concomitante àquele em que o segurado estava trabalhando e aguardava o deferimento do benefício.

2.2. Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.  Questão JURÍDICA.

Lei n. 8.213/1991:

Art. 2º A Previdência Social rege-se pelos seguintes princípios e objetivos:

VI – valor da renda mensal dos benefícios substitutos do salário-de-contribuição ou do rendimento do trabalho do segurado não inferior ao do salário mínimo;

Art. 18.  O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:

 § 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.  

Art. 33. A renda mensal do benefício de prestação continuada que substituir o salário-de-contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado não terá valor inferior ao do salário-mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de-contribuição, ressalvado o disposto no art. 45 desta Lei.

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.

Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz. […] § 6o O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade.                

§ 7º  Na hipótese do § 6o, caso o segurado, durante o gozo do auxílio-doença, venha a exercer atividade diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser verificada a incapacidade para cada uma das atividades exercidas

2.2.2.     Legítima a cumulação de rendas?

R: SIM.

Alguns benefícios previdenciários possuem a função substitutiva da renda auferida pelo segurado em decorrência do seu trabalho, como mencionado nos arts. 2º, VI, e 33 da Lei n. 8.213/1991.

Em algumas hipóteses, a substitutividade é abrandada, como no caso de ser possível a volta ao trabalho após a aposentadoria por tempo de contribuição (art. 18, § 2º, da Lei n. 8.213/1991). Em outras, a substitutividade resulta na INCOMPATIBILIDADE entre as duas situações (benefício e atividade remunerada), como ocorre com os benefícios auxílio-doença por incapacidade e aposentadoria por invalidez.

É decorrência lógica da natureza dos benefícios por incapacidade, substitutivos da renda, que a volta ao trabalho seja, em regra, causa AUTOMÁTICA de cessação desses benefícios, como se infere do requisito da incapacidade total previsto nos arts. 42 e 59 da Lei n. 8.213/1991, com ressalva ao auxílio-doença.

No caso de aposentadoria por invalidez, o art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS) estabelece como requisito a incapacidade “para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência”, e, desse modo, a volta a qualquer atividade resulta no automático cancelamento do benefício (art. 46). Já o auxílio-doença estabelece como requisito (art. 59) que o segurado esteja “incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual”. Desse modo, a função substitutiva do auxílio-doença é RESTRITA às duas hipóteses, fora das quais o segurado poderá trabalhar em atividade não limitada por sua incapacidade.

Alinhada a essa compreensão, já implícita desde a redação original da Lei n. 8.213/1991, a Lei n. 13.135/2015 incluiu os §§ 6º e 7º no art. 60 daquela, com as seguintes redações, respectivamente: “O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade; e, na hipótese do § 6º, caso o segurado, durante o gozo do auxílio-doença, venha a exercer atividade diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser verificada a incapacidade para cada uma das atividades exercidas”.

Apresentado esse panorama legal sobre o tema, importa estabelecer o ponto diferencial entre a hipótese fática dos autos e aquela tratada na lei: aqui o segurado requereu o benefício, que lhe foi indeferido, e acabou trabalhando enquanto não obteve seu direito na via judicial; já a lei trata da situação em que o benefício é concedido, e o segurado volta a trabalhar.

O provimento do sustento do segurado não se materializou, no exato momento da incapacidade, por FALHA ADMINISTRATIVA do INSS, que indeferiu incorretamente o benefício, sendo inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo trabalho, o suprimento da sua subsistência.

No caso, por culpa do INSS, resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurado teve de trabalhar, incapacitado, para o provimento de suas necessidades básicas, o que doutrinária e jurisprudencialmente convencionou-se chamar de sobre-esforço. Dessarte, a remuneração por esse trabalho tem resultado inafastável da justa contraprestação pecuniária.

Constata-se que, ao trabalhar enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está o segurado atuando de boa-fé, cláusula geral hodiernamente fortalecida na regência das relações de direito. Assim, enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo efetivo pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o segurado exerça atividade remunerada para sua subsistência, independentemente do exame da compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral.

2.2.3.  Resultado final.

No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente.

3.      Prazo prescricional da restituição dos valores descontados indevidamente em plano de previdência complementar

RECURSO ESPECIAL

O prazo prescricional aplicável à pretensão de restituição de contribuições descontadas indevidamente dos beneficiários de contrato de previdência complementar é de dez anos.

REsp 1.803.627-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por maioria, julgado em 23/06/2020, DJe 01/07/2020

3.1. Situação FÁTICA.

Grupo de empregados públicos da empresa CTEP ajuizou ação em face da Fundação CTEP pleiteando a cessação dos descontos e repetição dos valores vertidos a título de contribuição nos últimos vinte anos. Conforme a inicial, os autores tinham assegurados os mesmos benefícios previdenciários dos servidores públicos estaduais, independentemente de contribuição, por força da Lei Estadual 4.819/1958.

Apesar dessa garantia, a entidade de previdência complementar recorrida (FUNDAÇÃO CTEP) passou a cobrar contribuições dos empregados que manifestaram interesse em manter benefícios adicionais do então denominado “Plano A”, ao qual aderiram os autores da demanda.

Ocorre que, tal plano foi posteriormente convertido (em 1981) no “Plano 4819”, plano este que não assegura nenhum benefício adicional além daqueles já contemplados pela mencionada Lei Estadual 4.819/1958. Apesar dessa conversão do plano originalmente contratado pelos ora recorrentes, a entidade de previdência complementar não cessou o desconto de contribuições, tampouco restituiu as contribuições anteriormente vertidas.

O Juízo de primeiro grau julgou procedente a ação e determinou a devolução dos valores descontados nos últimos vinte anos, por entender cabível a prescrição vintenária do Código Civil de 1916. O Tribunal de Justiça local reformou parte da sentença ao determinar aplicável a prescrição trienal, por entender que a conduta configuraria enriquecimento sem causa.

3.2. Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.  Questão JURÍDICA.

Código Civil de 2002:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Art. 206. Prescreve:

§ 3 o Em três anos:

IV – a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

3.2.2.     Qual o prazo prescricional cabível?

R: 10 ANOS.

Cumpre salientar que, até recentemente, era possível afirmar que a jurisprudência de ambas as Turmas da Seção de Direito Privado do STJ havia se pacificado no sentido de que a pretensão de repetição de contribuições vertidas para plano de previdência complementar teria por fundamento o enriquecimento sem causa da entidade de previdência, sujeitando-se, portanto, ao prazo de prescricional específico do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil de 2002.

No entanto, apesar da jurisprudência pacífica da Segunda Seção no sentido da prescrição trienal, a Corte Especial deste Tribunal Superior firmou entendimento pela prescrição vintenária, na forma estabelecida no art. 177 do Código Civil de 1916, na hipótese de restituição de cobrança indevida de serviço de telefonia (EREsp 1.523.744/RS).

No referido julgado, o fundamento para se afastar a prescrição trienal é a subsidiariedade da ação de ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, que somente seria cabível quando o indébito não tivesse “causa jurídica”. Na hipótese de cobrança indevida por serviço de telefonia, o enriquecimento tem uma causa jurídica, que é a prévia relação contratual entre as partes.

ENRIQUECIMENTO SEM CAUSACOBRANÇA INDEVIDA
Prazo subsidiárioPrazo específico (ex: valores telefonia e previdência complementar)
3 ANOS10 ANOS

O caso em análise, embora diga respeito à previdência complementar, guarda estreita semelhança com o referido precedente, pois, no curso de um plano de benefícios houve a cobrança indevida de contribuições, cuja restituição se pleiteia.

Desse modo, a conclusão que se impõe é também no sentido da incidência da prescrição DECENAL, de acordo com o previsto no art. 205 do Código Civil de 2002, pois o enriquecimento da entidade de previdência tinha uma causa jurídica, que era a prévia relação contratual com os participantes do plano de benefícios NÃO sendo hipótese, portanto, de enriquecimento sem causa, que conduziria à prescrição trienal.                                      

3.2.3.  Resultado final.

O prazo prescricional aplicável à pretensão de restituição de contribuições descontadas indevidamente dos beneficiários de contrato de previdência complementar é de dez anos.

DIREITO CIVIL

4.      Prazo prescricional da nulidade de partilha amigável com pessoa incapaz

Embargos de divergência em Agravo em RECURSO ESPECIAL

Sob a égide do Código de Civil de 1916, o prazo prescricional para propor ação de nulidade de partilha amigável em que se incluiu no inventário pessoa incapaz de suceder é de vinte anos.

EAREsp 226.991-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 10/06/2020, DJe 01/07/2020

4.1. Situação FÁTICA.

Suzana ajuizou ação declaratória de nulidade de partilha, com a consequente declaração de nulidade de registro e de escritura de permuta em face de Rogério. Conforme expôs na inicial, o processo de inventário da tramitou regularmente perante a Vara Judicial da Comarca. Em 8.11.1990, o formal de partilha foi homologado em juízo e em 14.11.1990 levado a registro, sem, contudo, que se percebesse que o oficial do Cartório havia cometido um equívoco no que diz respeito à ordem de vocação hereditária.

 O genro da falecida (Rogério) não poderia ter sido beneficiado como herdeiro necessário na hipótese, nos termos do art. 1.603 do Código Civil de 1916, cuja ordem se inicia expressamente pelos descendentes. Já no ano de 2006, Suzana ajuizou ação na qual requereu o cancelamento e a retificação dos atos subsequentes ao Registro e Permuta então realizados, com a exclusão de Rogério da partilha e, consequentemente, do status de proprietário de quaisquer bens partilháveis da autora da herança.

O Juízo de primeiro grau julgou procedente a demanda por entender que ao caso deve ser aplicada a prescrição vintenária. O Tribunal de Justiça local manteve a sentença em seus termos.

A questão controvertida, ainda sob a égide do Código Civil de 1916, consiste em definir o prazo prescricional para se propor ação de nulidade de partilha amigável homologada em juízo, na qual se incluiu como herdeiro terceiro incapaz de suceder por lhe faltar atributos para tanto, na forma da ordem de vocação hereditária

4.2. Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.  Questão JURÍDICA.

Código Civil de 1916:

Art. 145. É nulo o ato jurídico:[…]I. Quando praticado por pessoa absolutamente incapaz (art. 5).

Art. 177. As ações pessoais prescrevem ordinariamente em trinta anos, a reais em dez entre presentes e, entre ausentes, em vinte, contados da data em que poderiam ter sido propostas.

4.2.2.     Qual a prescrição aplicável ao caso?

R: VINTENÁRIA.

A partilha, como todo ato jurídico, pode ser absolutamente nula ou meramente anulável (vício relativo e sanável por natureza). Não remanescem dúvidas de que quem não possui status de herdeiro, porém se beneficia da partilha como se o fosse, participa de ato jurídico nulo na forma prescrita no art. 145, inciso I, do Código Civil de 1916.

A inclusão no inventário de pessoa que não é herdeira torna a partilha NULA de pleno direito, porquanto contrária à ordem hereditária prevista na norma jurídica, a cujo respeito as partes não podem transigir ou renunciar.

É irrefutável que tal situação viola a ordem de vocação hereditária, que configura verdadeiro chamado dos legitimados para suceder os direitos do autor da herança, seja por ordem legal (sucessão legítima, cuja ordem preferencial tem caráter excludente, em que parentes mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação), ou ainda por meio testamentário (em que disposições de última vontade do falecido são estabelecidas da parte disponível da massa).

Assim,a preterição ou a inclusão equivocadade herdeiro em formal de partilha merecem tratamento equânime por configurarem situações análogas que igualmente afrontam à ordem da vocação hereditária, submetendo-se à mesma regra prescricional prevista no art. 177 do Código Civil de 1916, qual seja, o prazo vintenário, desde que seja esse o vigente à época da abertura da sucessão.

4.2.3.  Resultado final.

Sob a égide do Código de Civil de 1916, o prazo prescricional para propor ação de nulidade de partilha amigável em que se incluiu no inventário pessoa incapaz de suceder é de vinte anos.

DIREITO EMPRESARIAL

5.      Destinação dos depósitos recursais trabalhistas efetuados antes da recuperação judicial e competência

CONFLITO DE COMPETÊNCIAS

Compete ao juízo da recuperação judicial a execução de créditos líquidos apurados em outros órgãos judiciais, inclusive a destinação dos depósitos recursais no âmbito do processo do trabalho.

CC 162.769-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 24/06/2020, DJe 30/06/2020

5.1. Situação FÁTICA.

Farmácia Santana S.A. requereu recuperação judicial em razão da complicada situação financeira pela qual passava. O Juízo deferiu o pedido por entender presentes todos os requisitos para tanto. Ocorre que, posteriormente ao deferimento da recuperação judicial, Dr. Creisson, juiz de uma Vara do Trabalho em que tramitavam várias ações contra a empresa, autorizou o levantamento dos valores relativos aos depósitos recursais.

Dr. Creisson fundamentou a decisão por entender que tais depósitos não mais integram o patrimônio da recuperanda, e que foram realizados antes do deferimento da recuperação judicial para possibilitar a interposição de recursos.

A empresa em recuperação então suscitou conflito de competências conforme prevê o art. 951 do Novo CPC. Cinge-se a controvérsia em se determinar a competência para decidir acerca da destinação dos depósitos recursais efetuados por empresas demandadas na Justiça do Trabalho anteriormente ao pedido de recuperação judicial.

5.2. Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.  Questão JURÍDICA.

Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 899 – Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora.[…] § 1º Sendo a condenação de valor até 10 (dez) vêzes o salário-mínimo regional, nos dissídios individuais, só será admitido o recurso inclusive o extraordinário, mediante prévio depósito da respectiva importância. Transitada em julgado a decisão recorrida, ordenar-se-á o levantamento imediato da importância de depósito, em favor da parte vencedora, por simples despacho do juiz […]§ 4o O depósito recursal será feito em conta vinculada ao juízo e corrigido com os mesmos índices da poupança.

Lei n. 11.101/2005:

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.[…] § 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei.

5.2.2.     A quem compete decidir sobre os depósitos recursais?

R: JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

Como cediço, o parágrafo 1º do artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho condiciona a admissão dos recursos interpostos nas demandas trabalhistas a depósito prévio da quantia da condenação, até um valor máximo. No âmbito da Justiça do Trabalho, o depósito é pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos contra as sentenças em que houver condenação em pecúnia, tendo duas finalidades: garantir a execução e evitar recursos protelatórios.

Ressalta-se que, a partir da edição da Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), o § 4º do artigo 899 da CLT passou a determinar que “o depósito recursal será feito em conta vinculada ao juízo e corrigido com os mesmos índices da poupança”, deixando de ser feito em conta vinculada ao FGTS, em nome do trabalhador. Assim, uma vez realizado o depósito, os valores aportados ficam à disposição do Juízo Laboral, sujeitos a levantamento imediato, por mero despacho, logo após o trânsito em julgado, em favor da parte vencedora, segundo a previsão do § 1º do art. 899 da CLT.

Ocorre que, nos casos em que é concedida a recuperação judicial à empresa reclamada no curso da demanda, ocorre a NOVAÇÃO dos créditos anteriores ao pedido, obrigando o devedor e todos os credores a ele sujeitos, por expressa disposição do art. 59 da Lei n. 11.101/2005.

O art. 49 da Lei n. 11.101/2005 complementa que “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”. O crédito buscado na demanda trabalhista em trâmite na data do pedido se submete, portanto, aos efeitos da recuperação, devendo ser pago nos termos do plano aprovado, em ISONOMIA de condições com os demais credores da mesma classe.

Tendo em vista sua natureza de garantia e não de pagamento antecipado, fica claro que não é possível a autorização, pelo Juízo do Trabalho, de levantamento dos valores depositados por empresa em recuperação judicial, na forma do § 1º do art. 899.Isso porque a competência da Justiça do Trabalho se limita à apuração do respectivo crédito, devendo, após sua liquidação, ser habilitado no Quadro-Geral de Credores, nos termos do art. 6º, § 2º, da Lei n. 11.101/2005, sendo vedada a prática de atos que comprometam o patrimônio da empresa em recuperação.

Portanto, é da competência do juízo universal a decisão sobre a satisfação de créditos líquidos apurados em outros órgãos judiciais, sob pena de prejuízo aos demais credores e à viabilidade do plano de recuperação.

5.2.3.  Resultado final.

Compete ao juízo da recuperação judicial a execução de créditos líquidos apurados em outros órgãos judiciais, inclusive a destinação dos depósitos recursais no âmbito do processo do trabalho.

6.      Penhora de quotas de empresa em recuperação judicial

RECURSO ESPECIAL

É possível a penhora de quotas sociais de sócio por dívida particular por ele contraída, ainda que de sociedade empresária em recuperação judicial.

REsp 1.803.250-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgado em 23/06/2020, DJe 01/07/2020

6.1. Situação FÁTICA.

Maltax Manufaturados ajuizou ação de execução contra Passive Brands Ltda e os sócios Eduardo e Mônica. Ocorre que, em determinado momento do processo, o Juízo deferiu o pedido de penhora das quotas da empresa Barilax Ltda, pertencente aos executados Eduardo e Mônica.

Inconformados, os executados interpuseram agravo de instrumento onde sustentaram que as quotas seriam impenhoráveis, ante o prejuízo que seria sofrido pela empresa. Informaram também que acabara de ser deferido o pedido de recuperação judicial da Barilax, o que impediria a penhora das referidas quotas.

O Tribunal de Justiça local negou provimento ao agravo de instrumento por entender que nada impede a constrição de quotas sociais, uma vez que não atingiria os bens da sociedade. Também destacou que a recuperação judicial não impede a constrição judicial de patrimônio que pertence aos sócios.

Inconformados, Eduardo e Mônica interpuseram recurso especial no qual sustentaram que a penhora efetuada impõe a entrada forçada de terceiros na sociedade, o que lhe resultaria prejuízo. Também argumentaram que somente com a concordância geral do dos credores arrolados no plano de recuperação judicial seria possível onerar bem ou direito afeto à empresa recuperanda.

6.2. Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.  Questão JURÍDICA.

CPC/15:

Art. 789. O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Art. 861. Penhoradas as quotas ou as ações de sócio em sociedade simples ou empresária, o juiz assinará prazo razoável, não superior a 3 (três) meses, para que a sociedade:[…]§ 4º O prazo previsto no caput poderá ser ampliado pelo juiz, se o pagamento das quotas ou das ações liquidadas:[…]II-colocar em risco a estabilidade financeira da sociedade simples ou empresária.

6.2.2.     Possível a penhora das quotas?

R: SIM.

Nos termos do artigo 789 do CPC/2015, o devedor responde com todos os seus bens, dentre os quais se incluem as quotas que detiver em sociedade simples ou empresária, por suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei. Nesse contexto, somente é possível obstar a penhora e a alienação das quotas sociais se houver restrição legal.

NÃO há, a princípio, vedação para a penhora de quotas sociais de sociedade empresária em recuperação judicial, quando muito a proibição alcançaria a liquidação da quota, mas essa é apenas uma dentre outras situações possíveis a partir da efetivação da penhora. Conforme se verifica do artigo 861 do CPC/2015, uma vez penhorada a quota, ela deve ser oferecida aos demais sócios que, buscando evitar a liquidação ou o ingresso de terceiros no quadro social, podem adquiri-las.

Inexistindo interesse dos demais sócios, a possibilidade de aquisição passa para a sociedade, o que, no caso da recuperação judicial, não se mostra viável, já que, a princípio, não há saldo de lucros ou reservas disponíveis, nem é possível a alienação de bens do ativo permanente para cumprir a obrigação sem autorização judicial. É de se considerar, porém, que o artigo 861, § 4º, inciso II, do CPC/2015 possibilita o alongamento do prazo para o pagamento do valor relativo à quota nas hipóteses em que houver risco à estabilidade da sociedade.

Dessa forma, a depender da fase em que a recuperação judicial estiver, o juízo pode ampliar o prazo para o pagamento, aguardando o seu encerramento. Assim, eventual interferência da penhora de quota social na recuperação judicial da empresa deve ser analisada com o decorrer da execução, não podendo ser vedada desde logo, podendo os juízes (da execução e da recuperação judicial) se valerem do instituto da COOPERAÇÃO de que trata do artigo 69 do CPC/2015.

6.2.3.  Resultado final.

É possível a penhora de quotas sociais de sócio por dívida particular por ele contraída, ainda que de sociedade empresária em recuperação judicial.

DIREITO TRIBUTÁRIO

7.      Ação cautelar de caução prévia e condenação em honorários advocatícios

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

A ação cautelar de caução prévia à execução fiscal não enseja condenação em honorários advocatícios em desfavor de qualquer das partes.

AREsp 1.521.312-MS, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 09/06/2020, DJe 01/07/2020

7.1. Situação FÁTICA.

Martim Gases Industriais ajuizou ação cautelar de caução cumulada com pedido de expedição de certidão positiva com efeitos de negativa. A referida ação foi promovida antes da propositura da execução fiscal com a finalidade de oferecer bens em garantia.

Ocorre que o Juízo de primeiro grau extinguiu a cautelar com resolução do mérito, acolhendo o seguro-garantia ofertado como garantia à execução fiscal e condenou o autor ao pagamento de honorários em razão do princípio da causalidade.

Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça local reformou a sentença por entender que a imputação da causalidade deve ser direcionada à Fazenda do ente federativo credor. Na mesma decisão, inverteu a condenação para que o Estado do Mato Grosso arcasse com os honorários advocatícios do autor.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.     Cabe a condenação em honorários advocatícios?

R: NÃO.

Inicialmente, a cautelar prévia de caução configura-se como mera antecipação de fase de penhora na execução fiscal e, via de regra, é promovida no exclusivo interesse do devedor.

Atribuir ao ente federado a causalidade pela cautelar de caução prévia à execução fiscal representa imputar ao credor a OBRIGATORIEDADE da propositura imediata da ação executiva, retirando-se dele a discricionariedade da escolha do momento oportuno para a sua proposição e influindo diretamente na liberdade de exercício de seu direito de ação.

Ao devedor é assegurado o direito de inicialmente ofertar bens à penhora na execução fiscal, de modo que também não é possível assentar que ele deu causa indevida à medida cautelar tão somente por provocar a antecipação dessa fase processual.

A questão decidida na ação cautelar prévia de caução tem natureza jurídica de incidente processual inerente à execução fiscal, não guardando autonomia a ensejar condenação em honorários advocatícios em desfavor de qualquer das partes.

7.2.2.  Resultado final.

A ação cautelar de caução prévia à execução fiscal não enseja condenação em honorários advocatícios em desfavor de qualquer das partes.

DIREITO PENAL MILITAR

8.      Critérios de competência da Justiça Militar

HABEAS CORPUS

Na definição da competência da Justiça Militar, considera-se o critério subjetivo do militar em atividade, em serviço ou não, aliado ao critério objetivo, do bem ou serviço militar juridicamente tutelado.

HC 550.998-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 23/06/2020, DJe 26/06/2020

8.1. Situação FÁTICA.

Vanderlei, cabo da polícia militar de Minas Gerais, estava de folga, à paisana e no interior de sua residência no momento dos fatos, que partiram de uma “briga de casal”, ocasião em que a esposa chamou a presença de uma guarnição policial.

Vanderlei, acuado, resolveu fugir pelos fundos da residência, porém a guarnição continuou a perseguição. Durante a perseguição Vanderlei efetuou disparos de arma de fogo contra os policiais, alvejando um deles no braço esquerdo e o para-brisa da viatura policial. Com isso, fugiu sendo perseguido a distância por outra equipe policial. Alguns minutos depois, o policial se deparou com outros policiais que tentaram dissuadi-lo da fuga. Frustrada a nova tentativa de conversa, efetuou outros disparos contra os respectivos militares, conseguindo assim fugir, tomando rumo ignorado.

 Diante do grande número de policiais que o procuravam, sabendo que não conseguiria sair livre, entregou-se a equipe de Policiais Militares de Meio Ambiente. Após a denúncia, o Conselho Permanente Militar rechaçou a alegação de incompetência por entender que o acusado se utilizou de apetrechos e de conhecimento da corporação, efetuando disparos contra policiais militares, o que não poderia ser confundido com a conduta anterior e autônoma da violência doméstica contra a mulher, motivação inicial de toda a situação. Tal decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais.

A combativa defesa de Vanderlei impetrou então Habeas Corpus no qual sustentou a incompetência absoluta da Justiça Especializada Militar para o processamento e julgamento do feito, pois o caso em tela não teria envolvido qualquer questão militar.

8.2. Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.     Competente a Justiça Militar?

R: SIM.

No cumprimento do mister que lhe foi atribuído pela Carta magna, o Decreto-Lei n. 1.001/1969 (Código Penal Militar) define o crime militar e, consequentemente, a competência da Justiça Militar. No seu art. 9º, diz o que é crime militar em tempo de paz.

Observe-se que, a partir do inciso II, tem-se uma definição de crime militar que traz consigo um elemento subjetivo, qual seja a condição de militar. Nessa definição, assim dispõe o CPM: “Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I – os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial; II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; (…)”.

Conforme se observa, o próprio Código Penal Militar traz um norte de quem é o “militar em situação de atividade”. Em interpretação autêntica, ele diz: “Art. 22. É considerada militar, para efeito da aplicação dêste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às fôrças armadas, para nelas servir em pôsto, graduação, ou sujeição à disciplina militar.”

Frise-se que a norma penal militar possui regramento PRÓPRIO, dispondo no art. 22 do CPM, que militar é qualquer pessoa incorporada. Conceito que NÃO se coaduna com a exigência de o militar encontrar-se “em serviço” para fins de tipificação do crime militar.

Ademais, ressalte-se que na própria Lei n. 6.880/80, em seu art. 3º, verifica-se que ao equiparar os termos acima mencionados, “em serviço” e “em atividade”, a norma não teve o condão de afastar a condição de militar do agente que pratica o delito durante as férias, licença ou outro motivo de afastamento temporário de suas atividades habituais: “Art. 3° Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares. § 1° Os militares encontram-se em uma das seguintes situações: a) na ativa: (…) b) na inatividade: (…).”

Uma vez que a expressão “na atividade” se contrapõe a “na inatividade”, reforça-se o que se vem se tentando delinear nesta decisão. Assim, a interpretação SISTEMÁTICA do ordenamento jurídico, inclusive com dispositivos constitucionais, permite concluir no sentido de não haver confusão entre o “militar em atividade”, aquele incorporado às forças armadas, e o “militar em serviço”, aquele que se encontra no exercício de sua atividade militar em determinado momento específico.

Por outro lado, o termo “em serviço” está presente em alguns tipos penais militares. Nestas hipóteses sim éexigido que, no momento da conduta, o agente esteja no exercício efetivo de atividade militar. São exemplos tirados do Código Penal Militar o art. 202 (Embriaguez em serviço) e o art. 203 (Dormir em serviço).

“Na ATIVA”“Em SERVIÇO”
Incorporado às forçasNo exercício da atividade naquele momento
Fundamental para a fixação da competência da Justiça MilitarDispensável para se fixar a competência da Justiça castrense
Descrição: C:\Users\rafael.almeida\Downloads\Corujas_Estratégia_Concursos-2016-01-14\Corujas Estratégia Concursos\novas-corujas-14.png

Na jurisprudência do STF e também na do STJ, é possível encontrar precedentes que seguem o caminho proposto pela doutrina. Neles, é possível perceber o reconhecimento do crime militar, mesmo diante de conduta praticada por militar que não encontra-se, no momento do delito, no exercício de funções castrenses, como folga ou licença.

É possível dizer, portanto, que, nestes julgados, faz-se uma distinção entre a expressão “em atividade” (agente incorporado às forças armadas) e o termo “em serviço” (no exercício efetivo de atividade militar).

Seguindo rota diametralmente oposta, também é possível encontrar precedentes, tanto do STF quanto deste Superior Tribunal de Justiça considerando a expressão “em situação de atividade” do art. 9º, II, “a”, do CPM, e o termo “em serviço” como sinônimos (???).

Em outras palavras, exige-se, para a tipificação do crime militar e, portanto, da competência castrense, além da qualidade de militar da ativa, a prática da conduta durante o exercício efetivo do serviço militar.

Por fim, é possível observar ainda o surgimento de uma terceira corrente jurisprudencial, aparentemente intermediária. Entre o reconhecimento do crime militar e, portanto, da competência da Justiça especializada pela simples presença de dois militares da ativa nos polos ativo e passivo do crime e a exigência de que os militares estejam em serviço, propõe-se a fixação da competência na Justiça castrense, desde que cumulado com o critério subjetivo; a) militares da ativa; b) a vulneração de bem jurídico caro ao serviço e ao meio militar.

 Entendimento
Posição 1“Em atividade” e “Em serviço” são termos DISTINTOS.
Posição 2“Em atividade” e “Em serviço” são termos SINÔNIMOS.
Posição 3Presença de dois militares da ativa nos polos ativo e passivo do crime e a exigência de que os militares estejam em serviço + vulneração de bem jurídico caro ao serviço e ao meio militar.

Com efeito, parece correta a adoção do critério SUBJETIVO, considerando militar em atividade todo aquele agente estatal incorporado às Forças Armadas, em serviço ou não, aliado ao critério objetivo, do bem ou serviço militar juridicamente tutelado.

Deve-se necessariamente averiguar, na situação concreta, a existência ou não de vulneração, a partir da conduta, da regularidade das instituições militares, cujo pilar constitucional se baseia em dois princípios: hierarquia e disciplina. Por essas considerações, entende-se que, nos termos do art. 9º do CPM, sempre que a conduta tiver potencial de vulnerar a regularidade das instituições militares, deve-se reconhecer a competência da Justiça especializada.

8.2.2.  Resultado final.

Na definição da competência da Justiça Militar, considera-se o critério subjetivo do militar em atividade, em serviço ou não, aliado ao critério objetivo, do bem ou serviço militar juridicamente tutelado.

DIREITO PENAL

9.      Requisitos para reconhecimento da imputabilidade do réu

RECURSO ESPECIAL

O reconhecimento da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do réu depende da prévia instauração de incidente de insanidade mental e do respectivo exame médico-legal nele previsto.

REsp 1.802.845-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 23/06/2020, DJe 30/06/2020

9.1. Situação FÁTICA.

Determinado cidadão (que não merece nem ser nomeado) cometeu o crime de estupro contra a esposa. Em depoimento, a vítima afirmou que no momento do ato, o agressor estaria desorientado, transtornado e com comportamento suicida.

Houve a denúncia e o regular processamento da ação penal até que, em apelação, o réu foi beneficiado pela minorante prevista no art. 26, parágrafo único do Código Penal (semi-imputabilidade). Ocorre que tal minorante foi aplicada com base somente nos depoimentos da vítima, sem que houvesse sido processado o incidente de insanidade mental e tampouco exame médico pericial.

O Ministério Público Estadual interpôs recurso especial contra a decisão por entender que tal redução de pena dependeria necessariamente de laudo médico que comprovasse a doença mental.

9.2. Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.  Questão JURÍDICA.

Código Penal:

Art. 26-É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único-A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento

Código de Processo Penal:

Art. 149.Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal.

Art. 151.Se os peritos concluírem que o acusado era, ao tempo da infração, irresponsável nos termos do art. 22 do Código Penal, o processo prosseguirá, com a presença do curador.

Art. 152.Se se verificar que a doença mental sobreveio à infração o processo continuará suspenso até que o acusado se restabeleça, observado o § 2o do art. 149.

Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Art. 182.  O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.

9.2.2.     Com razão o MP?

R: SIM.

Inicialmente, salienta-se que a questão ora suscitada não guarda identidade com aquela veiculada em inúmeros julgados do STJ, que subsidiaram a orientação no sentido de que a mera alegação de que o acusado é inimputável não justifica a instauração de incidente de insanidade mental, providência que deve ser condicionada à efetiva demonstração da sua necessidade, mormente quando há dúvida a respeito do seu poder de autodeterminação (AgRg no HC n. 516.731/GO, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 20/8/2019), pois o que se discute é a possibilidade de reconhecimento da semi-imputabilidade do réu sem exame médico-legal.

No processo penal brasileiro, em consequência do sistema da persuasão racional, o juiz forma sua convicção pela livre apreciação da prova (art. 155 do CPP).

NÃO há falar em prova legal ou tarifada no processo penal brasileiro.

Contudo, com relação à inimputabilidade (art. 26, caput, do CP) e semi-imputabilidade (art. 26, parágrafo único, do CP), não há como ignorar a importância do exame pericial, considerando que o Código Penal adotou expressamente o critério biopsicológico.

Ora, o magistrado não detém os conhecimentos técnicos indispensáveis para aferir a saúde mental do réu, tampouco a sua capacidade de se autodeterminar. Atento a essa questão, o legislador estabeleceu o incidente de insanidade mental (art. 149 do CPP).

A relevância desse incidente não sobressai apenas do conteúdo técnico da prova que se almeja produzir, mas também da vontade do legislador que, especificamente nos arts. 151 e 152 do CPP, estabeleceu algumas consequências diretas extraídas da conclusão do exame pericial, como a continuidade da presença do curador e a suspensão do processo.

Todos esses aspectos, embora INSUFICIENTES para sustentar a tese de que o magistrado ficaria vinculado às conclusões do laudo pericial – o que é expressamente rechaçado pelo art. 182 do CPP (“o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”) – autorizam a conclusão de que o exame médico-legal é indispensável para formar a convicção do órgão julgador para fins de aplicação do art. 26 do CP.

9.2.3.  Resultado final.

O reconhecimento da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do réu depende da prévia instauração de incidente de insanidade mental e do respectivo exame médico-legal nele previsto.

10.  Vulnerabilidade temporária, representação e ação penal pública

RECURSO ESPECIAL

No crime sexual cometido durante vulnerabilidade temporária da vítima, sob a égide do art. 225 do Código Penal com a redação dada pela Lei n. 12.015/2009, a ação penal pública é condicionada à representação.

REsp 1.814.770-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 01/07/2020

10.1.             Situação FÁTICA.

O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia pelo crime de estupro contra certo grupo de indivíduos. Conforme narra a denúncia, o grupo teria se aproveitado da embriaguez da vítima para cometer o crime. Ocorre que o fato teria ocorrido em 2011 e a representação somente foi realizada no ano de 2015.

O Juízo de primeiro grau extinguiu a punibilidade dos réus pela decadência, por entender que a representação teria sido extemporânea. O Tribunal de Justiça local reformou a sentença no tópico por entender que a total inconsciência da vítima a enquadraria no conceito de “vulnerabilidade” e que tal circunstância tornaria a ação penal incondicionada.

Cinge-se a controvérsia acerca da natureza da ação penal pública pelo delito de estupro de vítima em estado de temporária vulnerabilidade, em que a vítima recupera suas capacidades físicas e mentais e o pleno discernimento para decidir acerca da persecução penal do ofensor, no caso, embriaguez, cometido sob a égide da redação dada ao art. 225 do Código Penal pela Lei n. 12.015/2009.

10.2.             Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. A ação penal é condicionada a representação?

R: SIM.

Descrição: C:\Users\rafael.almeida\Downloads\Corujas_Estratégia_Concursos-2016-01-14\Corujas Estratégia Concursos\novas-corujas-14.png

A Quinta Turma alberga a posição segundo a qual a vulnerabilidade, ainda que temporária, transforma a ação penal pelo crime de estupro em pública incondicionada. A Sexta Turma, de outro lado, entendeu no julgado do HC 276.510/RJ que a ação, nos casos de estupro de vítima em vulnerabilidade temporária é pública condicionada à representação.

Como se pode observar, o tema é CONTROVERSO, mas a superação do estado de vulnerabilidade é uma alteração na realidade fática que não pode ser ignorada no plano jurídico. Ainda que a lei não tenha feito, de forma expressa, a distinção, nada impede que o intérprete constate a ocorrência de situações distintas, que não podem ser tratadas de forma igual, sob pena de violação à isonomia, em seu aspecto material.

A vulnerabilidade, como condição excepcional que é, geradora de situação desfavorável aos réus, tem de ser interpretada de forma RESTRITA, em observância aos princípios da intervenção mínima do direito penal, da ofensividade, do contraditório e da presunção de inocência.

Vulnerabilidade TEMPORÁRIAVulnerabilidade PERMANENTE
JurisprudênciaExpressa previsão legal
Ação penal pública CONDICIONADAAção penal pública INCONDICIONADA

Assim, uma vez cessada a vulnerabilidade, a ação penal pelos crimes sexuais deve continuar sendo pública condicionada à representação. Isso porque a ofendida, ao se recuperar do seu estado de embriaguez, tem restabelecidas todas as condições e recupera o discernimento necessário para tomar a decisão acerca da persecução penal ou não do agente causador do delito sexual.

10.2.2.                Resultado final.

No crime sexual cometido durante vulnerabilidade temporária da vítima, sob a égide do art. 225 do Código Penal com a redação dada pela Lei n. 12.015/2009, a ação penal pública é condicionada à representação.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

11.  (I)Legitimidade da OAB para atuar como assistente de defesa

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA

A OAB não tem legitimidade para atuar como assistente de defesa de advogado réu em ação penal.

RMS 63.393-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 23/06/2020, DJe 30/06/2020

11.1.             Situação FÁTICA.

Dr. Tabajara, adevogado, foi acusado do crime de estelionato. A Seção Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil requereu o ingresso na ação penal correspondente como assistente de defesa do Dr. Tabajara, o que foi negado pelo juízo de primeiro grau.

Inconformada, a OAB impetrou mandado de segurança contra a negatória. O Tribunal de Justiça local, porém, manteve a decisão inicial por entender a OAB desprovida de legitimidade para atuar como assistente de defesa, uma vez que inexiste esta figura no processo penal.

A combativa Seção da Ordem interpôs recurso no qual sustentou que seu pedido tem amparo no art. 49, parágrafo único, do Estatuto da OAB, que, a par de constituir norma especial em relação ao CPP (ar. 268), atribui-lhe legitimação extraordinária para intervir como assistente em quaisquer inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos inscritos na OAB.

11.2.             Análise ESTRATÉGICA.

11.2.1.                Questão JURÍDICA.

Lei n. 8.906/1994:

Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer pessoa que infringir as disposições ou os fins desta lei.

Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm, ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos os inscritos na OAB.

11.2.2. Com razão a OAB?

R: NÃO.

Nos termos da jurisprudência do STJ, “A qualidade de advogado ostentada por qualquer das partes, por si só, não legitima a Ordem dos Advogados do Brasil à assistência” (HC 55.631/DF), devendo prevalecer, no pedido de ingresso em ação penal como assistente da defesa, o disposto no Código de Processo Penal.

A previsão contida no art. 49, parágrafo único, do Estatuto da OAB, deve ser interpretada em CONGRUÊNCIA com as normas processuais penais que não contemplam a figura do assistente de defesa, não prevalecendo unicamente em razão de sua especialidade.

Ressalte-se que mesmo na seara civil e administrativa, esta Corte tem exigido a demonstração do interesse jurídico na intervenção de terceiros, que somente se identifica, no caso da OAB, quando a demanda trata das prerrogativas de advogados ou das “disposições ou fins” do Estatuto da Advocacia, conforme se depreende da leitura do caput do art. 49 da Lei n. 8.906/1994.

Desse modo, a legitimidade prevista na norma do Estatuto da OAB apenas se verifica em situações que afetem interesses ou prerrogativas da categoria dos advogados, não autorizando a intervenção dos Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB, como assistentes da defesa, pela mera condição de advogado do acusado.

Portanto, carece de legitimidade a Ordem dos Advogados do Brasil para atuar como assistente de advogado denunciado em ação penal, porquanto, no processo penal, a assistência é apenas da acusação, não existindo a figura do assistente de defesa.

11.2.3.                Resultado final.

A OAB não tem legitimidade para atuar como assistente de defesa de advogado réu em ação penal.

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