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Não chuta, que é macumba: o que o STF decidiu acerca do sacrifício de animais em rituais religiosos?

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O Supremo Tribunal Federal decidiu, no dia 28 de março de 2019, que é constitucional o sacrifício de animais em cultos religiosos (RE 494.601). Vamos entender um pouco melhor o caso.

Em primeiro lugar é preciso trazer à lume o comando normativo descrito no artigo 225, §1º, VII, da Carta Magna, in verbis:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: …

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

A nossa Constituição, portanto, teve o cuidado de proteger os espécimes tanto da flora quanto da fauna, proibindo os maus tratos e a crueldade contra os animais. Não esqueçamos que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que abarca a preservação da fauna, é um direito fundamental, e, portanto, deve ser observado não só na relação administração-administrado como também na relação entre particulares – cidadão-cidadão (eficácia horizontal dos direitos fundamentais, conforme fixado no RE 201.819). Em suma, mesmo não fazendo parte do rol do artigo 5º da Constituição o direito ao meio ambiente equilibrado é sim um direito fundamental, tendo aplicação imediata, inclusive entre particulares.

Pois bem. Algumas religiões, principalmente aquelas de matriz africana, como o candomblé, utilizam, em seus rituais litúrgicos, de sacrifícios de animais, tais como a galinha, o bode, a ovelha, dentre outros.

Foi publicada, no Rio Grande do Sul, uma lei estadual permitindo o sacrifício de animais em rituais religiosos (Lei estadual nº 11.915/2003, artigo 2º, parágrafo único, acrescentado pela Lei estadual nº 12.131/2004). O Decreto estadual nº 43.252/2004 regulamentou o artigo precitado, dispondo que “para o exercício de cultos religiosos, cuja liturgia provém de matriz africana, somente poderão ser utilizados animais destinados à alimentação humana, sem utilização de recursos de crueldade para a sua morte”.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul ajuizou um ADI junto ao Tribunal de Justiça daquele estado (ADI nº 70010129690), alegando que a norma impugnada violaria o artigo 225, §1º, VII da CF (direito ao meio ambiente), haja vista que compactuava com a morte de animais.

A ADI estadual foi julgada improcedente, e o MPRS interpôs, em sequência, o RE nº 494.601. O assunto finalmente chegou à Corte Suprema.

A decisão do TJRS foi assim ementada:

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA. SACRIFÍCIO RITUAL DE ANIMAIS. CONSTITUCIONALIDADE.

1. Não é inconstitucional a Lei 12.131/04-RS, que introduziu parágrafo único ao art. 2.º da Lei 11.915/03-RS, explicitando que não infringe ao “Código Estadual de Proteção aos Animais” o sacrifício ritual em cultos e liturgias das religiões de matriz africana, desde que sem excessos ou crueldade. Na verdade, não há norma que proíba a morte de animais, e, de toda sorte, no caso a liberdade de culto permitiria a prática.

2. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. VOTOS VENCIDOS. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70010129690, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em 18/04/2005)”

O que há, na verdade, é um choque entre dois princípios albergados pela Constituição Federal, quais sejam: a proteção ao meio ambiente (fauna) x a liberdade religiosa.

Como sabemos, o conflito entre princípios jurídicos é resolvido no caso concreto através de um instrumento chamado ponderação de valores, onde será analisado qual princípio deve prevalecer sobre o outro.

E foi exatamente o que o STF fez ao julgar o RE nº 494.601. O Relator do caso no Supremo foi o ministro Marco Aurélio, que dava parcial provimento ao recurso, considerando constitucional o sacrifício de animais em cultos religiosos, mas condicionando esse sacrifício ao consumo da carne pelos participantes.

O ministro Alexandre de Moraes considerou que a questão foi colocada de maneira preconceituosa pelo Ministério Público, que teria confundido rituais religiosos com magia negra: “O ritual não pratica crueldade. Não pratica maus tratos. Várias fotos, argumentos citados por alguns amici curie (amigos da Corte), com fotos de animais mortos e jogados em estradas e viadutos, não têm nenhuma relação com o Candomblé e demais religiões de matriz africana. Houve uma confusão, comparando eventos que se denomina popularmente de magia negra com religiões tradicionais no Brasil de matriz africana”, afirmou o ministro. O ministro afirmou ainda que impedir a prática seria “manifestar claramente a interferência na liberdade religiosa“.

O ministro Alexandre de Morais também votou para estender a permissão a rituais de todas as religiões, mas não condicionou a prática ao consumo da carne do animal. Os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e o presidente Dias Toffoli também votaram para autorizar a prática e reconhecer o direito de todas as religiões em sacrificar animais em cultos.

Arrematou o ministro Barroso: “Não se trata de sacrifício ou de sacralização para fins de entretenimento, mas sim para fins exercício de um direito fundamental que é a liberdade religiosa. Não existe tratamento cruel desses animais. Pelo contrário. A sacralização deve ser conduzida sem o sofrimento inútil do animal”.

Enfim, o STF afastou a crueldade nos casos de animais sacrificados em rituais religiosos. Ao final o Supremo negou, por maioria, provimento ao RE, fixando a seguinte tese: “É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”.

Portanto, no caso concreto o STF privilegiou a liberdade religiosa em detrimento da proteção dos animais, e tal decisão deve ser seguida por todos os juízes e tribunais do país, já que a Corte fixou a respectiva tese jurídica sobre o tema.

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Veja os comentários
  • UMA VERGONHA!!!! Será possivel!! Porque será que as pessoas continuam achando que matando criaturas inocentes resolve alguma coisa? Isso não passa de IGNORÂNCIA???????????? a relegião que por si só não precisa sacrificar nada e nem ninguêm p ser credivel e seguida???????? matar seres indefesos que não podem se defender p mim e p muuuuuuuuitas pessoas nesse mundo é um ABSURDO!! Uma mafia por dentro dos bastidores... DEIXEM EM PAZ OS ANIMAIS!!!!!! Procurem seguir a vida sem o peso de ter matado nenhuma creatura que tem o mesmo direito que VOCÊ de viver nesse mundo. Eu era carnivora e não me escapava um barbecue mas começei a ouvir as pessoas que como eu hoje falaram e me explicaram o porque de td, hoje sou vegana e MUITO FELIZ!!???????????? de não fazer parte desse matadouro mundial de seres indefesos. ACORDEM!!! AMEM!!! DEIXEM VIVER em quanto é tempo... É SÓ UMA QUESTÃO DE BOM SENSO E EDUCAÇÃO????
    Sal em 15/11/20 às 04:03
  • Olá, Wilson... o artigo não tem o cunho valorativo/opinativo, apenas descreve o entendimento do STF. Isto pode ser cobrado em prova. Bons estudos!!
    Thiago Leite em 03/04/19 às 11:24
  • STF autoriza sacrifícios de animais Se vc fosse um animal vc gostaria de ter a garganta degolada em rituais de magia ??? Geralmente a matança de animais em rituais de magia e afro é para as entidades ou santos ou guias ou os deuses etc... Nós temos que entender o seguinte os espiritos elevados ou entidades de Luz não pedem coisas materiais como despachos, sacrifícios de animais, comida, sangue, charutos, cachaça, cigarros somente espiritos inferiores e atrasados moralmente é que pedem essas coisas. Esses espiritos ou entidades estão ainda muito apegados a matéria Devemos defender os animais dessas praticas primitivas e atrasadas de baixa espiritualidade. Não existe elevação moral e espiritual em matar animais para as entidades isso é algo completamente negativo e impuro Os espíritos elevados e superiores pregam somente o Bem, as Virtudes, a elevação Moral, a elevação Espiritual, a pureza dos pensamentos, o desapego das coisas terrenas, os espíritos elevados pregam princípios morais e espirituais elevados e nobres. Não existe elevação espiritual em matar animais Perguntamos Se vc fosse um animal vc gostaria de ter a garganta degolada em rituais de magia ??? Isso são coisas negativas e atrasadas Os espiritos elevados pregam o amor e o respeito pelos animais Esses espíritos que falam palavrões, pedem bebidas alcoólicas, despachos, comida, cigarros e charutos e matança de animais são tudo espiritos inferiores e ignorantes que estão ainda fortemente apegados a materialidade. Wilson Moreno
    wilson em 03/04/19 às 09:01
  • Que bom que gostou, Stella. Bons estudos!!! :)
    Thiago Leite em 03/04/19 às 01:47
  • Olá, Rafael... desculpe pela falta de atenção. Corrigido. Bons estudos!!!
    Thiago Leite em 02/04/19 às 16:55
  • Olá, Gill... foi por maioria. Segue o resumo da decisão tirado do site do STF. "O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para o acórdão, vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio (Relator), Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, que também admitiam a constitucionalidade da lei, dando-lhe interpretação conforme. Em seguida, por maioria, fixou-se a seguinte tese: "É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana", vencido o Ministro Marco Aurélio. Não participaram da fixação da tese os Ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 28.03.2019." Abraço e bons estudos.
    Thiago Leite em 02/04/19 às 16:50
  • Foi por unanimidade e não maioria.
    Gill Sampaio Ominiro em 02/04/19 às 16:29
  • Super interessante e enriquecedor esse texto. Obrigada.
    Stella em 02/04/19 às 12:30
  • Vem por meio deste dizer, respeitosamente, que a frase do autor do artigo está equivocada: "Algumas religiões, principalmente aquelas de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, utilizam, em seus rituais litúrgicos, de sacrifícios de animais, tais como a galinha, o bode, a ovelha, dentre outros." Tal qual o Ministro afirmou que não devemos confundir magia negra com rituais religiosos, não se deve atribuir rituais religiosos envolvendo sacrifícios de animais à Umbanda. A Umbanda, ainda que de matriz africana, não envolve qualquer sacrifício animal, pelo contrário, é veemente contra. Se há sacrifício de animais, então não é Umbanda. Peço, por gentileza, que consertem essa passagem para que não espalhemos falsas associações na mente popular.
    Rafael Amaral em 02/04/19 às 10:05
  • Bom, o Estado estará "presente" em todas as sessões de ritual, a fim de verificar se houve ou não a tal "crueldade"!
    Edivaldo em 02/04/19 às 08:37