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Informativo STF 986 Comentado

Galera, bora analisar o Informativo nº 986 do STF COMENTADO. Decisão importante sobre a ABIN!

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DIREITO CONSTITUCIONAL

         Abin: Sistema Brasileiro de Inteligência e fornecimento de dados e de conhecimentos

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) quando comprovado o interesse público da medida, afastada qualquer possibilidade de esses dados atenderem interesses pessoais ou privados. Toda e qualquer decisão que solicitar os dados deverá ser devidamente motivada para eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário.

ADI 6529 MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 13.8.2020.

Situação FÁTICA.

Trata-se de ADI proposta por partido político questionando o Decreto presidencial 10.445/2020. Segundo os autores da ação, com o advento do decreto, busca-se extensão interpretativa a contaminar a forma de aplicação do § 1º do art. 2º e ao caput do art. 9º A, ambos da Lei 9.883/1999 (2), bem assim ao § 3º do art. 1º da Estrutura Regimental da Abin, especialmente no que se refere ao Sistema Brasileiro de Inteligência e ao fornecimento de informações à ABIN.

Em linhas bem gerais, a alegação é de que o Presidente da República está se utilizando da ABIN para obter acesso a informações de interesse pessoal, não público.

Análise ESTRATÉGICA.

             Questão JURÍDICA.

Lei 9.883/1999: “Art. 4º À ABIN, além do que lhe prescreve o artigo anterior, compete: (…) Parágrafo único. Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência fornecerão à ABIN, nos termos e condições a serem aprovados mediante ato presidencial, para fins de integração, dados e conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e dos interesses nacionais.”

Lei 9.883/1999: “Art. 2º Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal que, direta ou indiretamente, possam produzir conhecimentos de interesse das atividades de inteligência, em especial aqueles responsáveis pela defesa externa, segurança interna e relações exteriores, constituirão o Sistema Brasileiro de Inteligência, na forma de ato do Presidente da República. § 1º O Sistema Brasileiro de Inteligência é responsável pelo processo de obtenção, análise e disseminação da informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo, bem como pela salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados. (…) Art. 9º A – Quaisquer informações ou documentos sobre as atividades e assuntos de inteligência produzidos, em curso ou sob a custódia da ABIN somente poderão ser fornecidos, às autoridades que tenham competência legal para solicitá-los, pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, observado o respectivo grau de sigilo conferido com base na legislação em vigor, excluídos aqueles cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”

Decreto 10.445/2020: “Anexo I (…) Art. 1º A Agência Brasileira de Inteligência – Abin, órgão integrante do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, criada pela Lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999, é órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência e tem por competência planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País, obedecidas a política e as diretrizes estabelecidas em legislação específica. (…) § 3º Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência fornecerão à Abin, sempre que solicitados, nos termos do disposto no Decreto 4.376, de 13 de setembro de 2002, e na legislação correlata, para fins de integração, dados e conhecimentos específicos relacionados à defesa das instituições e dos interesses nacionais.”

Lei 9.784/1999: “Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: (…)”

             O que fez o STF?

R: Espancou a Presidência da República (mais uma vez)

Segundo a Ministra Relatora (Cármen Lúcia), ao longo dos quase vinte e um anos de sua vigência e aplicação, decretos presidenciais sucederam-se, em cumprimento ao comando legal, sem maiores questionamentos sobre a interpretação da norma.

Ao versar a respeito da inafastabilidade do interesse público como elemento legitimador do desempenho administrativo, avaliou ser IMPRESCINDÍVEL que os dados e os conhecimentos específicos a serem fornecidos estejam vinculados ao interesse público objetivamente comprovado e com motivação específica.

A inteligência é atividade sensível e grave do Estado. Está posta na legislação como sendo necessária nos termos por ela delineados. “Arapongagem” não é direito, é crime. Praticado pelo Estado, é ilícito gravíssimo. Comete crime o agente que adotar prática de solicitação e obtenção de dados e conhecimentos específicos sobre quem quer que seja fora dos estritos limites da legalidade.

O fornecimento de dados pelos órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência à Abin, nos termos e condições a serem aprovados mediante ato presidencial, tem, conforme norma legal expressa, a finalidade de integrá-los e tornar eficiente “a defesa das instituições e dos interesses nacionais”.

Somente dados e conhecimentos específicos relacionados a estas finalidades são legalmente admitidas e compatibilizam-se com a CF. QUALQUER OUTRA INTERPRETAÇÃO É INVÁLIDA.

Além disso, o fornecimento de elementos informativos, denominado compartilhamento de dados, tem como ÚNICO MOTIVO legalmente admissível a defesa das instituições e dos interesses nacionais, reitere-se, nos expressos moldes do sistema jurídico vigente. Compartilhamento de dados e conhecimentos específicos que vise ao interesse privado do órgão ou de agente público NÃO é juridicamente admitido, caracterizando-se desvio de finalidade e abuso de direito.

De igual modo, é ato legítimo o fornecimento de informações entre órgãos públicos para a defesa das instituições e dos interesses nacionais. PROIBIDO é que se torne subterfúgio para atendimento ou benefício de interesses particulares ou pessoais, especialmente daqueles que têm acesso aos dados, desvirtuando-se competências constitucionalmente definidas e que não podem ser objeto de escolha pessoal, menos ainda de atendimento a finalidade particular.

É atitude DITATORIAL, que contrasta com o Estado democrático de direito, o abuso da máquina estatal para atendimento a objetivos pessoais, mais ainda quando sejam criminosos como são aqueles que se voltam a obter dados sobre pessoas para a elas impor restrições inconstitucionais, agressões ilícitas, medos e exposição de imagem.

O direito, em sua efetivação normal e legítima, é uso e, em sua realização anormal e ilegítima, é abuso.

Os mecanismos legais de compartilhamento de dados e informações são postos para abrigar o interesse público, NÃO para sustentar interesses privados no espaço público. Qualquer ato de Estado que vise a atender interesse particular é inválido porque contraria o sistema constitucional. Comprovado o descumprimento dos princípios constitucionais, há de ser declarado ilegítimo pelo Poder Judiciário.

É imprescindível que os atos administrativos, incluídos aqueles relativos às atividades de inteligência, sejam MOTIVADOS, para que haja a possibilidade de serem eventualmente contrastados. A legitimidade dos atos da Administração Pública não pode ser averiguada pelos cidadãos e pelo Poder Judiciário se não houver a comprovação de sua devida motivação.

Ademais, a obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos está expressa no art. 50 da Lei 9.784/1999, e deve ocorrer, entre outras hipóteses, sempre que os atos “neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses”.

A NATUREZA da atividade de inteligência, que eventualmente se desenvolve em regime de sigilo ou de restrição de publicidade, NÃO afasta essa exigência, especialmente se considerado que esses atos podem importar acesso a dados e informações sensíveis dos cidadãos, e podem comprometer ou limitar direitos fundamentais à privacidade e à intimidade.

No contexto de potencial limitação de direitos fundamentais, deve-se exigir que as solicitações pela Abin sejam acompanhadas de motivação demonstrativa da necessidade dos dados pretendidos e a adequação da solicitação às finalidades legais.

Isso é indispensável para que, se provocado, o Poder Judiciário realize o CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE e de LEGALIDADE, examinando sua conformidade aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e precipuamente garantindo os direitos fundamentais.

             Divergência.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que indeferiu a liminar pleiteada. A seu ver, o parágrafo único do art. 4º prevê apenas um diálogo entre os órgãos de inteligência e não surge conflitante com o texto constitucional. Além disso, o ministro não entreviu o risco, inexistente até hoje, de se manter hígido o citado dispositivo. Sequer ambiguidade que pudesse merecer interpretação.

             Resultado final.

O Plenário, por MAIORIA, deferiu, em parte, pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade a fim de conferir interpretação conforme à Constituição Federal ao parágrafo único do art. 4º da Lei 9.883/1999 para estabelecer que:

a) os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) quando comprovado o interesse público da medida, afastada qualquer possibilidade de esses dados atenderem interesses pessoais ou privados;

b) toda e qualquer decisão que solicitar os dados deverá ser devidamente motivada para eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário;

c) mesmo quando presente o interesse público, os dados referentes a comunicações telefônicas ou dados sujeitos à reserva de jurisdição não podem ser compartilhados na forma do dispositivo em razão daquela limitação, decorrente do respeito aos direitos fundamentais; e

d) nas hipóteses cabíveis de fornecimento de informações e dados à Abin, é imprescindível procedimento formalmente instaurado e existência de sistemas eletrônicos de segurança e registro de acesso, inclusive para efeito de responsabilização, em caso de eventuais omissões, desvios ou abusos.

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