Informativo STF 1199 Comentado
1. RenovaBio – constitucionalidade das metas compulsórias de descarbonização
Destaque
São constitucionais as metas compulsórias de descarbonização e os mecanismos de incentivo ao consumo de biocombustíveis previstos na Lei 13.576/2017 (RenovaBio), que não violam isonomia, livre iniciativa, livre concorrência nem o princípio do poluidor-pagador.
ADI 7.617/DF e ADI 7.596/DF, Rel. Min. Nunes Marques, Plenário.
Conteúdo-Base
???? CF, art. 225 caput e §§1º, V e 3º (dever estatal de proteção ambiental; responsabilidade por danos ambientais).
???? CF, art. 170, VI (princípio do desenvolvimento sustentável e do poluidor-pagador).
???? CF, arts. 5º caput e 150, II (isonomia tributária e jurídica).
???? Lei 13.576/2017 – RenovaBio, arts. 4º, 5º, 6º, 7º, 9º, 9º-B e 9º-C (metas compulsórias; CBIOs; sanções; vedação a distribuidores inadimplentes).
???? Metas ambientais podem impor ônus regulatórios diferenciados entre agentes econômicos, desde que fundados em critérios objetivos (participação de mercado, intensidade de carbono etc.).
???? Distribuidores de combustíveis fósseis e produtores de biocombustíveis não estão em situações equivalentes, o que autoriza diferenciação normativa.
???? O custo é repassado ao consumidor, conforme lógica do poluidor-pagador.
???? A política de CBIOs estrutura mercado ambiental eficiente, baseado em certificação, transparência e rastreabilidade.
Discussão e Tese
???? O STF analisou se a imposição de metas individuais para distribuidores, com aquisição obrigatória de CBIOs, configuraria violação à isonomia, livre iniciativa ou concorrência. O Tribunal enfatizou que tratamento desigual é legítimo quando fundado em desigualdade material relevante, e que emissores de combustíveis fósseis e produtores de biocombustíveis ocupam posições distintas no ciclo ambiental de emissões — justificando maior ônus regulatório ao primeiro grupo.
⚖️ A Corte também avaliou a compatibilidade da política com a ordem econômica: como o custo ambiental é internalizado e previsível, não há intervenção estatal desproporcional. Ao contrário, o programa estimula inovação e transição energética, alinhando o dever constitucional de proteção ambiental às exigências de segurança jurídica e eficiência econômica.
Como será Cobrado em Prova
???? As metas individuais de descarbonização para distribuidores violam a isonomia, pois impõem ônus desigual a agentes do mesmo setor.
❌ Errado. A diferença decorre da posição ambientalmente mais onerosa dos distribuidores de combustíveis fósseis, justificando distinção regulatória.
???? A lógica do poluidor-pagador permite que custos regulatórios ambientais sejam repassados aos consumidores, sem violar a ordem econômica.
✅ Correto. O STF afirmou que o ônus final recai legitimamente sobre o usuário de combustível fóssil, conforme o princípio constitucional.
Versão Esquematizada
| ???? RenovaBio – constitucionalidade |
| ???? Isonomia material → agentes em situações diferentes ???? Poluidor-pagador → repasse do custo é legítimo ???? Metas proporcionais e objetivas ???? Incentivo à transição energética |
Inteiro Teor
São constitucionais — e não violam os princípios da isonomia (CF/1988, arts. 5º, caput, e 150, II), do poluidor-pagador (CF/1988, arts. 170, VI, e 225, caput, §§ 1º, V, e 3º), nem da livre iniciativa e da livre concorrência (CF/1988, art. 170, caput e IV) — os dispositivos da Lei nº 13.576/2017 (que instituiu a Política Nacional de Biocombustíveis – RenovaBio) que estabelecem metas compulsórias de descarbonização e mecanismos de incentivo à produção e consumo de biocombustíveis.
A referida lei federal estabeleceu metas anuais de redução de emissões de gases de efeito estufa a serem cumpridas pelos distribuidores de combustíveis fósseis mediante aquisição e aposentadoria de Créditos de Descarbonização (CBIOs), emitidos por produtores e importadores de biocombustíveis. Trata-se de política pública direcionada à sustentabilidade ambiental, a qual objetiva estimular a transição energética, fomentar o mercado de biocombustíveis e viabilizar o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, especialmente no âmbito do Acordo de Paris.
Embora distribuidores de combustíveis fósseis e produtores/importadores de biocombustíveis atuem no mesmo setor econômico, inexiste violação ao princípio da isonomia por suposto tratamento discriminatório, pois esses agentes não se encontram em situações jurídicas equivalentes, o que justifica o tratamento diferenciado previsto na legislação. Além disso, o ônus econômico da política de descarbonização recai, em última análise, sobre os usuários de combustíveis fósseis (consumidores), e não exclusivamente sobre os distribuidores, em consonância com o princípio do poluidor-pagador.
O programa estabelece regras uniformes para todos os distribuidores de combustíveis fósseis, que repassam os custos da política ambiental aos consumidores. As metas de descarbonização e os mecanismos de comercialização dos CBIOs fundamentam-se em critérios objetivos, como a participação de mercado e a disponibilidade de biocombustíveis certificados, o que previne distorções e especulações prejudiciais à ordem econômica. O cumprimento das metas harmoniza o dever estatal de proteção ambiental (CF/1988, art. 225) e a promoção do desenvolvimento sustentável.
Também não há violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, pois o Estado possui legitimidade para promover a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado e a transição energética.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, em apreciação conjunta e por unanimidade, julgou improcedentes as ações para assentar a constitucionalidade dos arts. 4º, I; 5º, V, VII, XI e XIII; 6º; 7º; 9º; 9º-B, caput e §§ 1º e 2º; 9º-C, caput e parágrafo único; 10; e 13, caput e § 1º, todos da Lei nº 13.576/2017.
2. Programa de Financiamento da Infraestrutura do DF – constitucionalidade parcial
Destaque
É constitucional a Lei Distrital 7.465/2024, que institui o Programa de Financiamento da Infraestrutura Pública do DF, salvo dispositivos que delegavam incentivos tributários a ato infralegal ou permitiam contrapartidas incompatíveis com impessoalidade, moralidade e regime de licitações.
RE 1.536.640/DF, Rel. Min. André Mendonça, Plenário.
Conteúdo-Base
???? CF, art. 61 §1º II (reserva de iniciativa do Executivo restrita; lei não viola iniciativa privativa).
???? CF, art. 22 XXVII (normas gerais de licitação – competência privativa da União).
???? CF, arts. 37 caput e 150 §6º (princípios da administração; reserva legal tributária).
???? Lei 14.133/2021 (normas gerais de licitação e contratação).
???? Programas de fomento podem estruturar parcerias para financiar infraestrutura, desde que respeitem limite material das competências federativas.
???? Concessão de incentivos fiscais não pode ser delegada a decreto ou regulamento.
???? Contrapartidas como escolha de nome ou identidade visual dependem de respeito ao patrimônio cultural e normas técnicas.
???? Certas categorias de equipamentos (saúde, segurança pública) não admitem publicidade privada, por violar impessoalidade.
Discussão e Tese
???? O STF ponderou se a lei distrital configurava invasão de competência federal em matéria de normas gerais de licitação ou afronta à reserva de iniciativa. A Corte reconheceu que o Distrito Federal pode criar programas de fomento e financiamento, desde que suas regras específicas não contrariem o regime nacional de contratações e não deleguem poderes normativos vedados em matéria tributária.
⚖️ O Tribunal também examinou a compatibilidade das contrapartidas simbólicas e da publicidade com os princípios administrativos. Embora tais contrapartidas possam ser admitidas para bens não essenciais, sua aplicação indiscriminada poderia comprometer impessoalidade e moralidade. Assim, realizou-se filtragem constitucional: preservou-se o núcleo do programa, mas afastaram-se hipóteses que permitiam publicidade em serviços essenciais e delegação ilegítima de benefícios fiscais.
Como será Cobrado em Prova
???? A concessão de incentivos fiscais depende de lei em sentido estrito e não pode ser delegada a regulamento.
✅ Correto. Trata-se de tema secundário central do acórdão, baseado no art. 150 §6º da CF.
???? A lei distrital que cria programa de infraestrutura ofende a reserva de iniciativa do Executivo por tratar de matéria administrativa.
❌ Errado. O STF afirmou que o programa não se insere nas hipóteses de iniciativa privativa, sendo formalmente constitucional.
Versão Esquematizada
| ???? Programa de infraestrutura – DF |
| ???? Constitucionalidade formal preservada ???? Inconstitucional delegar incentivo fiscal ???? Contrapartidas → limites: impessoalidade e patrimônio cultural ???? Compatibilidade com Lei 14.133/2021 obrigatória |
Inteiro Teor
É formalmente constitucional — na medida em que não configura matéria sujeita à reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo — a Lei Distrital nº 7.465/2024, que instituiu o Programa de Financiamento da Infraestrutura Pública do Distrito Federal, destinado a viabilizar a captação de recursos privados para realização de obras e manutenção de equipamentos públicos mediante parcerias entre o poder público e a iniciativa privada.
Sob o aspecto material, aos dispositivos da lei distrital impugnada referentes à concessão de uso de bem público, é possível conferir interpretação conforme à Constituição, a fim de assegurar que sua estrutura observe os princípios da vinculação finalística, da proporcionalidade e da compatibilidade de prazos, mediante a adoção de procedimentos compatíveis com a legislação geral de licitações e contratos administrativos (Lei nº 14.133/2021), em observância à competência legislativa privativa da União para dispor sobre normas gerais de licitação e contratação pública (CF/1988, art. 22, XXVII).
Nesse contexto, eventuais contrapartidas relacionadas à escolha de nome ou de identidade visual dos bens públicos somente podem ser admitidas quando respeitadas as normas técnicas e as avaliações dos órgãos competentes responsáveis pela tutela do patrimônio público, histórico e cultural.
Por outro lado, determinadas categorias de equipamentos públicos, especialmente os voltados à saúde e à segurança pública, são incompatíveis com a lógica de contrapartidas prevista na norma distrital. Nesses casos, a veiculação de publicidade ou a associação de identidade visual de empresas privadas a serviços públicos essenciais violam os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa.
Relativamente aos benefícios fiscais previstos na lei distrital impugnada, embora a concessão de incentivos possa configurar instrumento legítimo de política pública, sua instituição não pode ser delegada a ato infralegal, sob pena de afronta à reserva legal tributária (CF/1988, art. 150, § 6º).
Com base nesse e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, deu parcial provimento ao recurso extraordinário, para, reformando o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, declarar a constitucionalidade da Lei Distrital nº 7.465/2024, com exceção dos seguintes pontos: (i) declarar a inconstitucionalidade (a)do inciso I do § 2º do art. 4º; (b) da expressão “a concessão de incentivos tributários” contida no § 3º do art. 4º; (c) do inciso I do § 1º do art. 8º; (d) da expressão “a concessão de incentivos tributários” contida no § 2º do art. 8º; e (e) das alíneas b, f e h do inciso I do art. 3º (esclarecendo, em virtude do erro material contido na norma, que a alínea h possui a seguinte redação: “outros previstos em regulamento”); e (ii) atribuir interpretação conforme à Constituição (a) aos arts. 4º, I; 8º, I; e ao parágrafo único do art. 10, de modo que as contrapartidas de escolha do nome e da identidade visual, caso concedida, respeite as normas técnicas e avaliações dos órgãos competentes, de proteção ao patrimônio público, histórico e cultural; (b) às demais alíneas constantes do inciso I do art. 3º, desde que respeitadas as normas técnicas e avaliações dos órgãos competentes de proteção ao patrimônio público, histórico e cultural; e (c) ao art. 11, de modo que a aplicação da lei seja compreendida nos limites estabelecidos pela legislação federal de regência das contratações públicas. Por fim, o Tribunal declarou a constitucionalidade (i) da expressão “concessão”, constante do inciso III do art. 4º, do inciso III do art. 8º, e do § 4º do art. 8º; e (ii) da expressão “concessão”, constante do inciso II do art. 10.
3. Recreio e intervalo entre aulas – não são automaticamente tempo à disposição
Destaque
É inconstitucional presunção absoluta de que recreio escolar e intervalo entre aulas integram a jornada do professor; apenas se configuram como tempo à disposição quando o empregador não demonstra que o docente pôde dedicar-se a atividades estritamente pessoais.
ADPF 1.058 MC-Ref/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário.
Conteúdo-Base
???? CLT, art. 4º caput e §2º (tempo à disposição; exclusão de intervalos destinados a descanso).
???? CLT, art. 611-A (negociação coletiva pode definir intervalos e condições de trabalho).
???? CF, arts. 7º XXVI e 8º III (prestígio da negociação coletiva).
???? CF, arts. 1º IV e 170 caput (livre iniciativa e autonomia privada coletiva).
???? A presunção absoluta criada pela jurisprudência do TST não encontra suporte legal e elimina espaço de negociação coletiva.
???? Intervalos só integram jornada quando o empregador exige disponibilidade real ou tarefas durante o recreio.
???? Aferição deve ser caso a caso, evitando intervenção judicial indevida
Discussão e Tese
???? O STF avaliou se interpretações consolidadas do TST poderiam transformar recreios e intervalos em tempo remunerado independentemente de prova. Entendeu que isso viola o art. 4º da CLT, que prevê natureza não laborativa desses períodos, salvo demonstração de indisponibilidade. A presunção absoluta criou regime híbrido sem base legal e incompatível com a lógica do direito do trabalho constitucional.
⚖️ O Tribunal também reforçou que a negociação coletiva dispõe de espaço legítimo para regular intervalos de docentes, principalmente diante da diversidade organizacional entre instituições de ensino. A imposição judicial indiscriminada desestimula pactuação coletiva e compromete autonomia privada coletiva. Assim, o STF preservou a possibilidade de reconhecimento como tempo à disposição, mas apenas quando provado o labor ou a indisponibilidade pessoal do professor.
Como será Cobrado em Prova
???? O recreio escolar integra automaticamente a jornada do professor, independentemente de prova.
❌ Errado. A presunção absoluta foi declarada inconstitucional; exige-se demonstração de que o docente estava efetivamente à disposição.
???? A negociação coletiva não pode disciplinar intervalos e recreios de forma diversa da CLT, porque violaria direitos mínimos.
❌ Errado. O STF reforçou a centralidade da autonomia coletiva no tema.
Versão Esquematizada
| ???? Professores – recreio/intervalo |
| ???? Presunção absoluta → inconstitucional ???? Tempo à disposição = prova de indisponibilidade ???? Negociação coletiva prevalece ???? Avaliação caso a caso |
Inteiro Teor
Na ausência de previsão legal específica ou de norma coletiva em sentido diverso, o recreio escolar (educação básica) e o intervalo entre aulas (educação superior) qualificam-se, em regra, como tempo em que o professor permanece à disposição do empregador, ressalvada a possibilidade de demonstração, a cargo deste, de que, nesses períodos, o docente se dedica a atividades estritamente pessoais, hipótese em que se afasta o respectivo cálculo na jornada diária (CLT/1943, art. 4º, § 2º).
As matérias relativas à jornada de trabalho e ao intervalo intrajornada constituem temas que podem ser validamente objeto de negociação coletiva (CLT/1943, art. 611-A). Assim, por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho, faculta-se às instituições de ensino e aos professores, representados por seus sindicatos, disciplinar o intervalo intrajornada, inclusive em condições distintas daquelas previstas em lei.
É inconstitucional — por violar os princípios da legalidade, da livre iniciativa e da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva (CF/1988, arts. 1º, IV; 5º, II; 7º, XXVI; 8º, III e 170, caput) — a presunção absoluta (que não admite prova em contrário) de que o recreio e os intervalos entre aulas integram, necessariamente, a jornada de trabalho do professor.
Nesse contexto, a interpretação judicial do art. 4º, caput, da CLT, consolidada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no sentido da presunção absoluta de que o recreio e o intervalo entre aulas constituem, invariavelmente, tempo à disposição do empregador, independentemente de prova da efetiva disponibilidade ou do efetivo labor e sem embasamento legal, desvirtua o espaço legítimo de negociação coletiva e configura indevida intervenção na autonomia da vontade coletiva de professores e instituições de ensino, em ofensa aos citados princípios constitucionais.
Eventual tempo à disposição do empregador que descaracterize a natureza do período de recreio escolar enquanto intervalo de descanso pode ser aferida somente pela análise das peculiaridades fáticas de cada caso concreto. A aferição da suposta sobrejornada de trabalho deve observância às demais normas trabalhistas incidentes na hipótese, em especial as que se referem ao intervalo de descanso obrigatório, bem como as normas coletivas aplicáveis.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, converteu o referendo da medida cautelar em julgamento de mérito, confirmou a cautelar anteriormente deferida e julgou parcialmente procedente a arguição, estabelecendo que a decisão não produzirá efeitos retroativos em prejuízo daqueles que receberam valores de boa-fé.
4. Extensão de gratificação e coisa julgada inconstitucional nos Juizados
Destaque
É possível desconstituir, na própria fase de execução dos Juizados Especiais, título judicial inconstitucional que tenha estendido gratificação de ensino especial a professores do DF em afronta à interpretação firmada pelo STF, mediante simples petição de arguição de inexigibilidade.
ADPF 615/DF, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, red. p/ acórdão Min. Alexandre de Moraes, Plenário.
Conteúdo-Base
???? CF, art. 102 caput e §2º (autoridade vinculante das decisões do STF; supremacia da Constituição).
???? CPC/2015, arts. 525 §1º III, §§12, 14 e 15; 535 §§5º e 7º (inexigibilidade do título inconstitucional; prazo; retroação; limites).
???? Lei 9.099/1995, art. 59 (vedação à ação rescisória nos Juizados — não impede controle de constitucionalidade reflexo).
???? Tema 360 RG – RE 611.503/SP (tese antiga, agora modificada) (coisa julgada inconstitucional; alcance e limites).
???? RE 1.287.126-AgR/DF (constitucionalidade da expressão “exclusivamente” — GAEE no DF).
???? Quando o STF fixa interpretação vinculante posterior ao trânsito em julgado, títulos incompatíveis tornam-se inexigíveis, por violarem supremacia constitucional.
???? Nos Juizados, a ausência de ação rescisória é suprida por “simples petição”, com prazo e limites de retroatividade equivalentes aos da ação rescisória.
???? A desconstituição não é automática: exige provocação, observância do prazo e análise de impacto sobre segurança jurídica e interesse social.
Discussão e Tese
???? O STF analisou situação em que decisões repetidas dos Juizados haviam estendido indevidamente a GAEE (Gratificação de Atividade de Ensino Especial) a professores do DF, contrariando interpretação constitucional firmada no RE 1.287.126-AgR/DF. Como a Lei 9.099/1995 não admite ação rescisória, surgiu a questão: como corrigir títulos inconstitucionais no microssistema dos Juizados? O Tribunal concluiu que a inexistência de rescisória não pode servir de escudo para manutenção de decisões incompatíveis com a Constituição, e que a supremacia constitucional deve prevalecer.
⚖️ Para tanto, o STF reconheceu que a via adequada é a arguição de inexigibilidade, manejada por simples petição, observados os prazos equivalentes à rescisória (dois anos do trânsito em julgado da decisão do STF paradigma; e retroação máxima de cinco anos salvo modulação diversa). O Tribunal também declarou inconstitucionais dispositivos do CPC que restringiam essa arguição aos casos em que o precedente STF fosse anterior ao trânsito em julgado — pois isso violaria a força vinculante e a autocontenção constitucional. Assim, a solução harmoniza: segurança jurídica, supremacia da Constituição e celeridade do sistema dos Juizados.
Como será Cobrado em Prova
???? O art. 59 da Lei 9.099/1995 impede a desconstituição da coisa julgada no Juizado Especial.
❌ Errado. A vedação à rescisória não impede o controle de constitucionalidade da coisa julgada; títulos incompatíveis com precedentes do STF podem ser impugnados via arguição de inexigibilidade.
???? A retroatividade da desconstituição, quando o título contrariar entendimento posterior do STF, e não houver modulação expressa do STF, não pode ultrapassar cinco anos anteriores à data da petição de inexigibilidade, que deve ser apresentada dentro do prazo decadencial de dois anos.
✅ Correto. Esse é um dos elementos secundários centrais das teses fixadas pelo Plenário.
Versão Esquematizada
| ???? Coisa julgada inconstitucional – Juizados |
| ???? Vedação à rescisória não bloqueia controle constitucional ???? Arguição de inexigibilidade → simples petição ???? Prazos: 2 anos (decadencial) + retroação máxima de 5 anos ???? Inconstitucionalidade dos CPC 525 §14 e 535 §7 ???? Alteração da tese do Tema 360 RG ???? Aplicação vinculada a precedentes do STF (RE 1.287.126/DF – GAEE) |
Teses fixadas:
1. É possível aplicar o artigo 741, parágrafo único, do CPC/1973, atual art. 535, § 5º, do CPC/2015, aos feitos submetidos ao procedimento sumaríssimo, desde que o trânsito em julgado da fase de conhecimento seja posterior a 27.08.2001;
2. É admissível a invocação como fundamento da inexigibilidade de ser o título judicial fundado em aplicação ou interpretação tida como incompatível com a Constituição quando houver pronunciamento jurisdicional, contrário ao decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, seja no controle difuso, seja no controle concentrado de constitucionalidade;
3. O art. 59 da Lei 9.099/1995 não impede a desconstituição da coisa julgada quando o título executivo judicial estiver em contrariedade à interpretação ou sentido da norma conferida pela Suprema Corte, sendo admissível o manejo de simples petição, a ser apresentada em prazo equivalente ao da ação rescisória;
3.1. Em cada caso, o Supremo Tribunal Federal poderá definir os efeitos temporais de seus precedentes vinculantes e sua repercussão sobre a coisa julgada, estabelecendo inclusive a extensão da retroação para fins da simples petição acima referida ou mesmo o seu não cabimento diante do grave risco de lesão à segurança jurídica ou ao interesse social;
3.2. Na ausência de manifestação expressa, os efeitos retroativos de eventual desconstituição da coisa julgada não excederão cinco anos da data da apresentação simples da petição acima referida, a qual deverá ser proposta no prazo decadencial de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão do STF;
4. O art. 59 da Lei 9.099/1995 também não impede a arguição de inexigibilidade quando o título executivo judicial estiver em contrariedade à interpretação ou sentido da norma conferida pela Suprema Corte, seja a decisão do Supremo Tribunal Federal anterior ou posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, salvo preclusão (CPC, arts. 525, caput e 535, caput).
Inteiro Teor
A coisa julgada inconstitucional no microssistema dos juizados especiais pode ser contestada por meio de simples petição na fase de execução, a ser apresentada em prazo equivalente ao da ação rescisória.
A proteção à coisa julgada é uma expressão da segurança jurídica que permite a estabilização das soluções dadas aos litígios. Contudo, essa proteção não é absoluta e pode ser ponderada frente a outros princípios constitucionais, especialmente o da supremacia da Constituição.
A norma que proíbe a utilização de ação rescisória no microssistema dos juizados especiais (1) não pode representar obstáculo à rediscussão da matéria quando o título transitado em julgado divergir de interpretação constitucional fixada pelo STF.
Nesse contexto, a desconstituição do título executivo nos juizados especiais pode ser pleiteada por meio de arguição de inexigibilidade, apresentada por meio de uma simples petição. Essa solução se justifica pela necessidade de adotar procedimentos judiciais mais céleres e informais aos conflitos de menor complexidade.
A aplicação desse mecanismo nos juizados deve seguir as premissas já definidas pelo STF para a justiça comum (2): (i) a alegação de inexequibilidade deve ser admitida mesmo se a norma em que se baseia o título executivo judicial for declarada inconstitucional pelo STF após o trânsito em julgado da sentença exequenda; (ii) nessa hipótese, a postulação deve ser apresentada em prazo equivalente ao da ação rescisória (CPC/2015, arts. 525, § 15, e 535, § 8º); e (iii) se o STF não modular os efeitos da decisão paradigma, os efeitos retroativos da desconstituição da coisa julgada inconstitucional não devem exceder os cinco anos anteriores à data da arguição da inexigibilidade do título executivo.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, (i) declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 525, § 14, e do art. 535, § 7º, ambos do CPC/2015 (3); (ii) julgou procedente a ação para determinar aos Juizados Especiais da Fazenda Pública do Distrito Federal que apreciem as alegações de inexequibilidade do título judicial formuladas pelo autor, aplicando solução compatível com a declaração, em controle abstrato e concentrado, da constitucionalidade da expressão “exclusivamente”, do art. 20, I, da Lei nº 5.105/2013 do Distrito Federal (4) – RE 1.287.126 AgR/DF; (iii) fixou as teses anteriormente citadas (compatíveis com a estabelecida para o Tema 100 da repercussão geral); e (iv) modificou a tese firmada no RE 611.503/SP (Tema 360 RG), nos seguintes termos: “São constitucionais as disposições normativas do parágrafo único do art. 741 do CPC, do § 1º do art. 475-L, ambos do CPC/73, bem como os correspondentes dispositivos do CPC/15, o art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14, o art. 535, § 5º. São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram agregar ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia paralisante de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade qualificado, assim caracterizado nas hipóteses em que a sentença exequenda está em contrariedade à interpretação ou sentido da norma conferida pela Suprema Corte, seja a decisão do Supremo Tribunal Federal anterior ou posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, salvo preclusão (CPC, arts. 525, caput e 535, caput)”.
(1) Lei nº 9.099/1995: “Art. 59. Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta Lei.”
(2) Precedente citado: AR 2.876 QO (acórdão pendente de publicação) – vide Info 1177.
(3) CPC/2015: “Art. 525. (…) § 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.(…) § 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda. (…) Art. 535. (…) § 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. (…) § 7º A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5º deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda.”
(4) Lei nº 5.105/2013 do Distrito Federal: “Art. 20. Fazem jus ao recebimento da GAEE os integrantes da carreira Magistério Público do Distrito Federal: I – que atendam exclusivamente a alunos portadores de necessidades educativas ou em situações de risco e vulnerabilidade, em exercício nas unidades especializadas da rede pública de ensino do Distrito Federal, nas instituições conveniadas ou parceiras formalmente constituídas;”
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