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Contrato de gestão com organizações sociais – possível tema de questão discursiva para o TCU

Olá amigos(as) do Estratégia Concursos!

Hoje trataremos de um tópico bastante específico: o contrato de gestão com organizações sociais. É sempre bom passar por aqui para deixar alguma informação relevante para concursos públicos.

Falaremos brevemente o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 1.923/DF, julgada em 16/4/2015 pelo Supremo Tribunal Federal – STF. A ADI discutiu a constitucionalidade da Lei 9.637, de 15 de maio de 1998, conhecida como Lei das Organizações Sociais.

Tal tema reveste-se de grande relevância, tanto para o Direito Administrativo quanto para Administração Pública, principalmente para possíveis questões discursivas. Vale reforçar que, nos próximos dias, será publicado o edital para o concurso do TCU (AUFC-AGO e TEFC), em que as duas disciplinas acima podem aparecer em questões discursivas (para TEFC é menos provável, mas poderá aparecer dentro do Direito Administrativo; para AUFC-TI, é pouco provável que tal tema seja exigido). O tema é atual, apresentado na jurisprudência do STF e relacionado com a atividade fim do TCU. Esses três ingredientes tornam o tema atrativo para os avaliadores.

As organizações sociais foram instituídas pela Lei 9.637/1998, em meio ao contexto da Reforma Administrativa (ou Reforma Gerencial), que buscou modificar o paradigma burocrático de administração pública para o modelo gerencial, focado na qualidade, na excelência e no atendimento das demandas do cidadão-usuário dos serviços públicos.

Com efeito, a Reforma Gerencial ganhou forças no Brasil a partir da publicação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado – Pdrae, elaborado pelo Ministério da Reforma do Aparelho do Estado, dirigido pelo Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. O Pdrae deixou claro que Estado divide-se em quatro setores, cada um responsável pelo desempenho de um grupo de atividades distintas:

  1. núcleo estratégico – corresponde ao governo, em sentido lato, sendo o setor que define as leis, as políticas públicas e as decisões estratégicas da Administração e do Estado;
  2. atividades exclusivas – é o setor em que são prestados serviços que só o Estado pode realizar. São serviços em que se exerce o poder extroverso do Estado – o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar;
  3. atividades não exclusivas – corresponde ao setor onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas. As instituições desse setor não possuem o poder de Estado. Este, entretanto, está presente porque os serviços envolvem direitos humanos fundamentais, como os da educação e da saúde, ou porque possuem “economias externas” relevantes, na medida que produzem ganhos que não podem ser apropriados por esses serviços através do mercado. As economias produzidas imediatamente se espalham para o resto da sociedade, não podendo ser transformadas em lucros. São exemplos deste setor: as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa e os museus (deixei este tópico mais completo, pois a sua compreensão é fundamental para que possamos discutir o papel das organizações sociais);
  4. produção de bens e serviços para o mercado – corresponde à área de atuação das empresas, caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o lucro.

Nessa linha, as atividades não exclusivas poderiam ser desempenhadas pelas chamadas entidades públicas não estatais. Elas são públicas, pois prestam serviços públicos e administram patrimônio público, e não estatais porque não integram nem a administração direta nem a indireta.

Assim, dispõe o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado que, como medida para aumentar a governança no setor público, deveria ocorrer a transferência para o setor publico não estatal dos serviços não exclusivos, através de um programa de “publicização”, transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais. Apesar de o Plano Diretor mencionar a transformação das “fundações públicas” em organizações sociais – OS, na prática ocorreu a instituição das OS diretamente por iniciativa de particulares, gerando um processo de absorção de atividades desempenhadas pela administração direta, autarquias e fundações públicas por essas entidades privadas.

Dessa forma, o “programa de publicização” tem como objetivo transferir atividades não exclusivas para as entidades públicas não estatais, particularmente para as organizações sociais, diminuindo o tamanho do Estado e aumentando a flexibilidade na prestação desses serviços. Com efeito, por não integrarem a administração pública, as organizações sociais gozam de maior autonomia e flexibilidade. Assim, o Estado se encarregaria do núcleo estratégico e das atividades não exclusivas, deixando para as organizações sociais – sem prejuízo da exploração direta pelo setor privado – as prestação das atividades não exclusivas, como saúde, educação, cultura, meio ambiente, etc.

Nesse contexto, o art. 1º da Lei 9.637/1998 dispôs que “O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei“.

Além disso, em diversos artigos, a Lei das OS trouxe formas de fomentar o desenvolvimento dessas atividades pelas organizações sociais, como, por exemplo (Lei 9.637/1998, arts. 11 a 14, caput):

Art. 11. As entidades qualificadas como organizações sociais são declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos legais.

Art. 12. Às organizações sociais poderão ser destinados recursos orçamentários e bens públicos necessários ao cumprimento do contrato de gestão.

§ 1o São assegurados às organizações sociais os créditos previstos no orçamento e as respectivas liberações financeiras, de acordo com o cronograma de desembolso previsto no contrato de gestão.

§ 2o Poderá ser adicionada aos créditos orçamentários destinados ao custeio do contrato de gestão parcela de recursos para compensar desligamento de servidor cedido, desde que haja justificativa expressa da necessidade pela organização social.

§ 3o Os bens de que trata este artigo serão destinados às organizações sociais, dispensada licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão.

Art. 13. Os bens móveis públicos permitidos para uso poderão ser permutados por outros de igual ou maior valor, condicionado a que os novos bens integrem o patrimônio da União.

Parágrafo único. A permuta de que trata este artigo dependerá de prévia avaliação do bem e expressa autorização do Poder Público.

Art. 14. É facultado ao Poder Executivo a cessão especial de servidor para as organizações sociais, com ônus para a origem.

Acrescenta-se, ainda, que a Lei 9.648/1998 incluiu o inc. XXIV no art. 24 da Lei 8.666/1993, criando nova forma de licitação dispensável, nos seguintes termos:

Art. 24.  É dispensável a licitação: […]

XXIV – para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.

Portanto, a administração pública poderia firmar contratos de prestação de serviços com as organizações sociais por meio de contratação direta, sem licitação. Tal mecanismo, a despeito de representar uma nova forma de prestação de serviços, menos burocrática e possivelmente mais eficiente, criou a possibilidade de criação de organizações paralelas ao poder público, que viveriam de subsídios do governo realizados por transferências orçamentárias, sem os quais não sobreviveriam, fugindo, assim, do regime jurídico-administrativo.

Vale dizer, tais entidades poderiam ser criadas por particulares, mas com objetivo claro de absorver atividades realizadas por órgãos públicos e, por conseguinte, recebendo recursos orçamentários para isso; ao mesmo tempo em que não se submeteriam integralmente ao regime jurídico de direito público: não seguiriam a Lei de Licitações para suas contratações, não realizariam concurso público para a contratação de pessoal, etc.

Por esses e outros motivos, a constitucionalidade da Lei 9.637/1998 e a possibilidade de dispensa de licitação prevista no art. 24, XXIV, da Lei 8.666/1993 foram contestadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1923/DF.

Em decisão de mérito, no entanto, o STF entendeu que a lei é constitucional, dando apenas provimento parcial à Ação para dar interpretação conforme a Constituição às normas que dispensam licitação em celebração de contratos de gestão firmados entre o Poder Público e as organizações sociais para a prestação de serviços públicos de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação ao meio ambiente, cultura e saúde.

Assim, é fundamental a leitura do final do voto-vista, exarado pelo Ministro Luiz Fux e acompanhado pela maioria do Tribunal, que além de reconhecer a constitucionalidade das normas, fixou alguns entendimentos do STF sobre a matéria, vejamos:

Ex positis, voto no sentido de julgar parcialmente procedente o pedido, apenas para conferir interpretação conforme à Constituição à Lei nº 9.637/98 e ao art. 24, XXIV da Lei nº 8666/93, incluído pela Lei nº 9.648/98, para que:

(i) o procedimento de qualificação seja conduzido de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e de acordo com parâmetros fixados em abstrato segundo o que prega o art. 20 da Lei nº 9.637/98;

(ii) a celebração do contrato de gestão seja conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF;

(iii) as hipóteses de dispensa de licitação para contratações (Lei nº 8.666/93, art. 24, XXIV) e outorga de permissão de uso de bem público (Lei nº 9.637/98, art. 12, §3º) sejam conduzidas de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF;

(iv) os contratos a serem celebrados pela Organização Social com terceiros, com recursos públicos, sejam conduzidos de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade;

(v) a seleção de pessoal pelas Organizações Sociais seja conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade; e

(vi) para afastar qualquer interpretação que restrinja o controle, pelo Ministério Público e pelo TCU, da aplicação de verbas públicas.

Assim, quatro pontos merecem ser destacados:

  1. todo o processo de qualificação, celebração do contrato de gestão, dispensa de licitação e outorga de permissão de uso de bem público deve ser conduzido de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios constitucionais expressos aplicáveis à administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – CF, art. 37, caput);
  2. os contratos a serem firmados pelas organizações sociais com terceiros, com a utilização de recursos públicos – ou seja, as situações em que a OS figura como contratante de bens, serviços e compras de fornecedores do mercado – devem seguir o regulamento próprio a ser editado por cada entidade. Assim, de acordo com o STF, as OS não seguem a Lei 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos) quando realizam suas contratações com recursos públicos. Nesse caso, elas deverão seguir um regulamento próprio, a ser elaborado na forma do art. 17 da Lei 9.637/1998: “Art. 17. A organização social fará publicar, no prazo máximo de noventa dias contado da assinatura do contrato de gestão, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público.”;
  3. da mesma forma, as OS não realizam concurso público para contratação de pessoal. No entanto, a seleção de pessoal pelas organizações sociais deve ser conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, em observância aos princípios constitucionais expressos, na forma disciplinada em regulamento próprio ser editado por cada entidade;
  4. por fim, a aplicação de recursos públicos por tais entidades submete-se ao controle do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União – TCU, não podendo existir qualquer interpretação que restrinja o poder de fiscalização desses órgãos.

Diante do que vimos acima, não é difícil de perceber que ele poderá aparecer em questões objetivas e discursivas, tendo em vista que as bancas de concursos públicos gostam de temas atuais e relacionados à atividade fim do órgão contratante. Assim, “fiquem de olho”, pois temos um tema “candidato” para os concursos que se aproximam.

Aproveito, assim, para divulgar os nossos cursos de Direito Administrativo para o TCU. Os cursos já estão concluídos e, nos próximos dias, iniciaremos a atualização de todo o material, focando nos temas atuais apresentados na jurisprudência.

AUFC-TIhttps://www.estrategiaconcursos.com.br/curso/direito-administrativo-p-tcu-auditor-tecnologia-da-informacao-4836/

TEFChttps://www.estrategiaconcursos.com.br/curso/direito-administrativo-p-tcu-tecnico-4806/

Aproveitem também os cursos completos com os outros professores do Estratégia Concursos para AUFC-AGO:

https://www.estrategiaconcursos.com.br/cursosPorConcurso/tcu-auditor-area-auditoria-governamental-2015-108/

Um forte abraço!

Herbert Almeida

https://www.estrategiaconcursos.com.br/cursosPorProfessor/herbert-almeida-3314/

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Veja os comentários
  • Excelente artigo, professor, muito claro e objetivo. Parabéns! Esse entendimento pode ser aplicado também, por analogia, às OSCIPs, ou seja, elas também estariam dispensadas de licitar e realizar concursos públicos? Obrigado, abraços!
    Luan Barreto em 05/01/16 às 14:16
  • Parabéns pelo texto! Achei bem elucidativo! Tinha acabado de ler a Lei 9.637/1988 e você expôs um ponto importantíssimo e que não havia percebido. Obrigada!
    Jéssica Sampaio em 02/09/15 às 20:44
  • Valeu Phelippe! Obrigado!
    Herbert Almeida em 11/05/15 às 03:12
  • Excelente.
    Phelippe em 10/05/15 às 08:20
  • Olá Diego, tudo bem? Este tema é abordado em meus cursos de Direito Administrativo (na aula sobre as entidades paraestatais). De fato, o Decreto 5.504/2005 exige a realização de licitação, na forma da legislação federal, para a utilização de recursos federais oriundos de transferências voluntárias. Alguns autores utilizam esse dispositivo para justificar a tese de que as OS devem realizar licitação na forma da Lei 8.666/1993. Contudo, o entendimento atual do TCU é de que elas não realizam licitação na forma da Lei 8.666/1993, pois o Decreto 5.504/2005 é um ato normativo secundário e, como tal, não poderia contrariar as regras insertas na Lei 9.637/1998 (Lei das OS) e na Lei 9.790/1999 (Lei das Oscip). Por fim, o entendimento do STF no julgamento da Adin 1.923 acabou com qualquer discussão, ou seja, as OS não realizam licitação, mas devem fazer um procedimento objetivo de seleção para firmar os seus contratos, na forma de regulamento próprio da entidade. Em resumo, a exigência do art. 1º do Decreto 5.504/2005 não se aplica às organizações sociais. Tal entendimento deve ser levado para as provas objetivas e discursivas! Bons estudos!
    Herbert Almeida em 08/05/15 às 14:02
  • Caro Professor, Me surgiu uma dúvida, eu entendia que da combinação do art. 1º do Dec. 5504/2005 com o art. 17 da Lei 9637/1998, a OS quando contratasse com recursos da União, deveria realizar licitação; com recursos de outras esferas de governo aplicaria os procedimentos do regulamento próprio. Dec. 5504/2005 - "Art. 1o Os instrumentos de formalização, renovação ou aditamento de convênios, instrumentos congêneres ou de consórcios públicos que envolvam repasse voluntário de recursos públicos da União deverão conter cláusula que determine que as obras, compras, serviços e alienações a serem realizadas por entes públicos ou privados, com os recursos ou bens repassados voluntariamente pela União, sejam contratadas mediante processo de licitação pública, de acordo com o estabelecido na legislação federal pertinente." Lei 9637/1998 - "Art. 17. A organização social fará publicar, no prazo máximo de noventa dias contado da assinatura do contrato de gestão, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público." Agora com o entendimento do STF, qualquer tipo de recurso público utilizado pela OS como contratante deve seguir o regulamento próprio. Diante disso, como ficaria as respostas acerca disso para efeito de questões objetivas e discursivas? Grato.
    Diego em 04/05/15 às 21:07
  • Olá Rafael, tudo bem? Historicamente, os concursos para Técnico do TCU são realizados em todas as capitais federais. Pelo menos foi o que ocorreu nos concursos de 2009 e 2012, conforme você pode verificar no site do TCU ou do Cespe/Unb . Assim, é provável que a prova de Técnico ocorra em todas as capitais federais, mas a certeza nós só teremos quando ocorrer a publicação do edital. Bons estudos!
    Herbert Almeida em 29/04/15 às 09:57
  • Bom dia prof. Hebert, Gostaria de saber se posso fazer esta prova de técnico do TCU aqui em Fortaleza-CE? Quero comprar o curso mas estou com esta dúvida. Obrigado.
    Rafael em 27/04/15 às 09:13
  • Olá Washington! Pode ter certeza que a felicidade é toda nossa de ter vocês como nossos alunos!
    Herbert Almeida em 26/04/15 às 20:09
  • Olá Cleide! Que bom! Estamos sempre na batalha para aperfeiçoar cada vez mais os nossos materiais!
    Herbert Almeida em 26/04/15 às 20:08
  • Obrigado, Guilherme! Estamos à disposição! Bons estudos!
    Herbert Almeida em 26/04/15 às 20:07
  • Parabéns pelo artigo, Mestre! Esclareceu pontos importantes pra mim. Muito obrigado!
    Guilherme em 26/04/15 às 12:43
  • Amo este curso..." ESTRATÉEEEEEEGIA, depois de vc os outros são os outros e sóooooo....
    Cleide em 26/04/15 às 11:09
  • Estou feliz por ser aluno do Estratégia. Washington
    Washington Donizeti de Castro em 24/04/15 às 17:51