Artigo

A FAMOSA E RECORRENTE “SAIDINHA” E O CASO NARDONI

Ivan Marques – @prof.ivanmarques

Advogado criminalista. Mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – FDIR/USP. Professor do Estratégia OAB, Concursos e Carreiras Jurídicas.

Gabriela Marques – @gabcmarques

Advogada criminalista. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

1. Introdução

Esse artigo versa sobre um assunto que não sai de moda. Sua polêmica o coloca sempre em pauta de conversas da sociedade e canais de comunicação – aceito por alguns que entendem a necessidade de cumprir as leis vigentes no País, mas muito criticado pela sociedade, diante da aparente falta de ética ou justiça de algumas situações pontuais.

Assunto polêmico e que gera alta reprovabilidade pela sociedade, as tais saidinhas precisam ser melhor estudadas para evitar informações equivocadas e conclusões precipitadas.

As saidinhas são benefícios concedidos a determinado grupo de presos, que tendo cumprindo os requisitos estabelecidos em lei, podem chegar sair 4 vezes por ano.

O tema gera polêmica na sociedade quando esses benefícios coincidem com datas comemorativas como, por exemplo, o dia dos pais ou dia das mães  e os beneficiados justamente são aqueles que cometeram crimes contra seus filhos ou seus genitores.

Neste dia dos pais, Alexandre Nardoni, será beneficiado com a saída temporária e o assunto é um dos mais falados, gerando grande repercussão.

Mas vamos entender o que se passa.

Do ponto de vista moral, realmente é bem esquisito um pai que foi condenado criminalmente pela morte de sua filha sair para a comemoração do dia dos pais.

Mas será que é isso que está previsto em lei? Antes sair criticando e repetindo que é um grande absurdo, vamos entender o que está previsto em lei.

2. O que diz a nossa legislação a respeito

A Lei de Execução Penal – Lei n. 7.210/84 dispõe sobre as saídas temporárias.

Apresentamos, abaixo, o texto da lei que trata do tema para, na sequência, tecermos os nossos comentários:

Da Saída Temporária

Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:

I – visita à família;

II – freqüência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;

III – participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

Parágrafo único.  A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução.                   (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:

I – comportamento adequado;

II – cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;

III – compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Art. 124. A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano.

Parágrafo único. Quando se tratar de freqüência a curso profissionalizante, de instrução de 2º grau ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes.

§ 1o  Ao conceder a saída temporária, o juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições, entre outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado:  (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

I – fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício;                  (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

II – recolhimento à residência visitada, no período noturno;                    (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

III – proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres.        (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

§ 2o  Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante, de instrução de ensino médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes.                       (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.258, de 2010)

§ 3o  Nos demais casos, as autorizações de saída somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias de intervalo entre uma e outra.                     (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

3. A culpa da confusão não é da lei

Conforme pode se observar, a lei nada fala sobre dia dos pais ou dia das mães ou qualquer outra data comemorativa, portanto a saída temporária concedida é um benefício de execução penal, que por questões de organização penitenciária e por respeito às finalidades da pena, acabam coincidindo com as datas comemorativas.

Dessa forma, aquele que cumpre sua pena, atendendo aos requisitos previstos no artigo 124 da Lei de Execução Penal, terá direito às saídas temporárias, pois o legislador tinha a intenção de reintegrar socialmente essa pessoa aos poucos, e principalmente, ao convívio familiar.

Não se atenha ao etiquetamento dado para as saídas com o nome dos feriados, pois não se autoriza a saída de alguém por ser feriado nacional, e sim para cumprir a lei e buscar os objetivos por detrás desse instituto.

Assim brevemente lembremos que a pena não somente tem uma finalidade retributiva, não busca apenas castigar quem praticou uma infração penal, mas também preventivo e de recuperação daquele indivíduo, reinserindo o condenado, paulatinamente, ao convívio social. Essa reinserção gradual é legalmente representada pela progressão de regime, pelo livramento condicional e, também, pela saída temporária.

Em nenhum momento a LEP coloca rótulos das 4 saídas anuais, com o nome de feriados. A lei dispõe sobre requisitos objetivos e subjetivos para presos no regime semiaberto e o magistrado competente analisa o preenchimento desses requisitos e defere a autorização.

4. Por que essas “saidinhas” são importantes?

Trata-se de um benefício pessoal e social (por que não) que tem o intuito de, gradativamente, reinserir o indivíduo que cometeu um crime na sociedade.

Além da disciplina forçada do cárcere, o apoio e o contato com seu núcleo familiar é fundamental para a recuperação do preso e para evitar, se possível, futura reincidência.

Evitando-se a reincidência, todos ganham.

Menos crimes são praticados, mais segura é a vida das pessoas, menos dinheiro público será gasto com Execução Penal, melhora o cumprimento da pena dos demais detentos por reduzir a superlotação, diminui a incidência de rebeliões e confrontos com o Estado, reduz o número de presos cooptados pelas organizações criminosas dentre outros benefícios.

Simplesmente ignorar tais benesses pessoais e sociais em nome de um incômodo causado pela infeliz coincidência dos rótulos de feriados nas autorizações de saída mostra-se desproporcional.

5. Impedir a saída desses presos seria correto?

Após a apresentação da ideia utilizada para a construção de nosso sistema progressivo de cumprimento de pena, chegamos ao ponto nevrálgico deste trabalho.

O que causa estranheza para a maioria das pessoas e, por isso, é comercialmente explorado pelos meios de comunicação, é justamente o fato de as pessoas que cometeram crimes contra seus familiares utilizarem benefício de execução penal que busca aproximar o detento de sua família. Esse aparente paradoxo não é fruto da própria legislação, e sim dos agentes responsáveis pela Execução Penal no plano administrativo.

Para eliminar qualquer tentativa de suprimir esse direito aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto e preenchem os requisitos para usufruir desse relevante benefício prisional, urge tecermos uma análise jurídica da situação sob o prisma penal.

Essas pessoas já foram investigadas, processadas e condenadas pelo fato de terem ceifado a vida de seus familiares, como o caso de Alexandre Nardoni.

A sua condenação levou em consideração o fato de ter tirado a vida da própria filha. Essa situação específica já foi incluída na quantidade de sua pena, logo, o castigo por ter eliminado a sua filha já foi aplicado, representado pelo acréscimo da pena privativa de liberdade que já cumpriu e ainda cumpre.

Eis o trecho da decisão judicial que o condenou:

“Pelo fato do corréu Alexandre ostentar a qualidade jurídica de genitor da vítima Isabella, majoro a pena aplicada anteriormente a ele em mais 1/6 (um sexto), tal como autorizado pelo art. 61, parágrafo segundo, alínea “e” do Código Penal, o que resulta em 23 (vinte e três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.”

Puni-lo duas vezes pelo mesmo fato desrespeitaria os princípios basilares do direito penal – a legalidade e a vedação da dupla punição pelo mesmo fato.

6. Como se posicionar diante dessa questão?

A execução penal é um outro processo, apesar de ser fruto da condenação criminal, com ela não se confunde, são autônomos.

A execução penal cuida dos requisitos objetivos (tempo de pena, lapsos, benefícios, faltas dentre outros) e subjetivos (comportamento carcerário).

Na execução, não mais se discute se o condenado foi mesmo o responsável pelo crime e a quantidade de pena que ele merece por ter praticado tal fato.

O que irá influenciar a obtenção ou o usufruto dos benefícios da execução penal será a espécie de delito praticado e já julgado pelo agente. Se for um crime hediondo ou equiparado a hediondo, o apenado demorará mais tempo para poder atingir os marcos objetivos que irão beneficiá-lo com as saídas, a progressão de regime e o livramento condicional.

Como pode se observar, no caso concreto de Alexandre Nardoni, condenado pela morte de sua filha, esta é a primeira saída temporária, desde que passou a cumprir sua pena, após sua condenação em 2010.

Conclusão

Para resumir, é realmente uma infeliz coincidência a saída temporária de quem cometeu um crime contra  seu descendente bem no dias dos pais, até parece uma brincadeira de mau gosto, e claramente a mídia ganha muita repercussão repetindo isso e dando a entender para a sociedade que vivemos sob a égide da impunidade.

No entanto, o mais correto a se fazer seria realmente veicular quais são as regras da execução penal, e que por mais infeliz coincidência que seja, não há nenhuma ilegalidade ou proibição para tal concessão do benefício.

Deixamos aqui uma sugestão de proposta de lege ferenda – vedar a utilização de nomes de feriados para as saídas temporárias ou, ainda, liberar os condenados que estão na mesma situação em datas diferentes.

  • Palavra ao leitor

E você, o que acha desse caso?

Consegue dar a sua opinião com base nos fundamentos de fato e de direito apresentados nesse artigo?

Possui alguma variável não apresentada no nosso texto?

Chegou a alguma conclusão diferente?

Mande para a gente em nosso Instagram.

Será muito bom ouvi-lo sobre um tema tão importante.

Gabriela Marques – @gabcmarques

Ivan Marques – @prof.ivanmarques

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Veja os comentários
  • Parabéns pelo artigo e também pela sugestão, do título ou das datas!
    Mary em 12/08/19 às 21:32
  • Bem esclarecedor, concordo com a sugestão de direcionar a saída desses casos pontuais para outras datas.
    PAULO SERGIO CAMPOS MARQUES em 10/08/19 às 14:55
  • Apesar de leigo, acho que já superei o assunto, no que tange à ''responsabilidade'' por essa política laxativa de presidiários. Não há que se rebelar contra o judicário; juízes, na maioria das vezes, apenas aplicam a lei. Agora, quanto aos legiladores, por óbvio, federais, aguardo o dia em que calçarão os calçados da vítima, ao invés de adotarem o banditismo, ou seja, política criminal sob a prespectiva do criminoso. Não sei por qual motivo se admite que um homicida, latrocida, feminicida, estuprador, volte ao convívio em sociedade, se nem com um mínimo de privilégio cometeu o delito. Essa extirpe não precisa de segunda chance, afinal eles não ofereceram chance alguma à vitima. Curso, saídinha pra ver família, progressão de regime, fala sério, é o poste mijando no cachorro. A esquerda projaquiana caviar confunde isso com fascismo, senso comum, terrorismo, qualquer ismo. Mas é só empatia, pela vítima(apesar de qualquer tentativa ser inábil, haja vista ninguém imaginar como deve doer ser jogada do sexto andar de um prédio), que no caso em epígrafe, não vai sair com sua família no feriado, não vai realizar seus sonhos interrompidos, não confortará o saudoso coração de quem ficou.
    Alan em 10/08/19 às 08:29