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Informativo STF 1202 Comentado

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1.          Defensoria Pública estadual e autonomia institucional

Destaque

São inconstitucionais normas estaduais que subordinam a Defensoria Pública ao chefe do Poder Executivo ou impõem critérios de promoção mais restritivos do que os previstos na legislação federal, por violarem a autonomia funcional e administrativa da instituição e a competência normativa da União.

ADI 5.662/AC, Rel. Min. Nunes Marques, Plenário, julgamento virtual finalizado em 05/12/2025.

Conteúdo-Base

📎 CF, art. 134, § 2º (autonomia funcional e administrativa das Defensorias Públicas estaduais).

📎 CF, art. 24, XIII (competência concorrente para legislar sobre Defensoria Pública).

📎 LC 80/1994, art. 116, § 4º (norma geral federal sobre promoções; interstício de dois anos, com dispensa).

📎 CF, art. 99, § 2º (autonomia orçamentária por simetria institucional).

📚 Estados exercem competência suplementar, vedada a criação de regras mais restritivas que as normas gerais federais.

📍 Subordinação administrativa ao governador compromete a independência institucional.

📍 Atribuir status de secretário de Estado à chefia da Defensoria implica inserção indevida na estrutura do Executivo.

Discussão e Tese

📣 O STF analisou dispositivos da legislação acreana que condicionavam atividades internas da Defensoria à autorização do governador e ampliavam o interstício para promoção, sem previsão de dispensa. O Tribunal ressaltou que a autonomia da Defensoria não é meramente formal, mas pressupõe independência decisória e administrativa, incompatível com controles externos do Executivo.

⚖️ A Corte também destacou que, embora haja competência concorrente, cabe à União editar normas gerais. Ao criar regras mais gravosas que a LC 80/1994, o estado extrapolou a competência suplementar. Reconhecida a inconstitucionalidade, modulou-se a decisão para resguardar promoções e atos já praticados até a publicação da ata de julgamento.

Como será Cobrado em Prova

📃 A exigência de autorização do governador para atividades internas da Defensoria Pública viola a autonomia funcional e administrativa da Defensoria.

✅ Correto. A autonomia constitucional impede qualquer forma de subordinação ao Executivo.

📃 Estados podem impor requisitos mais rigorosos para promoção na Defensoria Pública, desde que previstos em lei complementar.

❌ Errado. A competência suplementar não autoriza contrariar ou restringir normas gerais federais.

Versão Esquematizada

📌 Defensoria Pública – autonomia
📍 Autonomia funcional e administrativa 📍 Competência concorrente com normas gerais federais 📍 Vedada subordinação ao Executivo 📍 Regras estaduais mais restritivas → inconstitucionais

Inteiro Teor

     São inconstitucionais — por violarem a autonomia da Defensoria Pública e usurparem a competência privativa da União para legislar sobre essa instituição — normas estaduais que subordinam as atividades da Defensoria Pública ao governador e estabelecem critérios mais rigorosos do que os estabelecidos pela legislação federal para a promoção de defensores públicos.

A Constituição Federal estabelece a competência concorrente para legislar sobre a Defensoria Pública (CF/1988, art. 24, XIII). Contudo, cabe à União editar as normas gerais, cuja observância é obrigatória pelos estados no exercício da competência suplementar. Assim, ao exigir três anos de efetivo exercício no nível para promoção, sem previsão de dispensa desse interstício, a legislação estadual impugnada criou regra mais restritiva e contrária à norma geral federal (1), extrapolando os limites da competência suplementar (2).

Conforme jurisprudência desta Corte (3), a autonomia funcional e administrativa das Defensorias Públicas (CF/1988, art. 134) impede qualquer forma de subordinação ao Poder Executivo. Nesse contexto, exigir autorização prévia do chefe do Poder Executivo para atividades de um órgão interno da Defensoria, tal como as atividades residuais da Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Acre – ESDPAC (antigo Centro de Estudos Jurídicos), configura ofensa à sua autonomia administrativa e funcional (4).

Além disso, atribuir o status ou as prerrogativas de Secretário de Estado aos cargos de Defensor Público-Geral e Subdefensor Público-Geral implicaria, por via oblíqua, a inserção da chefia da Defensoria na estrutura do Poder Executivo local, circunstância que também é incompatível com a autonomia plena, garantida pelo texto constitucional.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade do trecho “previamente autorizadas pelo Governador” contido no art. 11-A, XI, bem como dos arts. 22-A, I; 23, § 6º; e do parágrafo único do art. 47, todos da Lei Complementar nº 158/2006 do Estado do Acre (5), com as modificações implementadas pelas Leis Complementares acreanas nº 216/2010, nº 276/2014 e nº 457/2024. Por fim, o Tribunal modulou os efeitos da decisão para conferir-lhe eficácia prospectiva e resguardar os atos praticados, as promoções efetivadas e os valores recebidos até a data da publicação da ata de julgamento de mérito.

(1) Lei Complementar nº 80/1994: “Art. 116. As promoções serão efetivadas por ato do Defensor Público-Geral do Estado, obedecidos, alternadamente, os critérios de antiguidade e merecimento. (…) § 4º Os membros da Defensoria Pública do Estado somente poderão ser promovidos após dois anos de efetivo exercício na categoria, dispensado o interstício se não houver quem preencha tal requisito, ou se quem o preencher recusar a promoção.”

(2) Precedente citado: ADI 5.286.

(3) Precedentes citados: ADI 5.296, ADI 5.286, ADI 3.965 e ADI 4.056.

(4) CF/1988: Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (…) § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.”

(5) Lei Complementar nº 158/2006 do Estado do Acre: “Art. 11-A. Fica criado o Centro de Estudos Jurídicos da DPE/AC, órgão auxiliar diretamente subordinado ao Defensor Público Geral, com as seguintes atribuições (Incluído pela Lei Complementar nº 216, de 30 de agosto de 2010): (…) XI – realizar outras atividades previamente autorizadas pelo Governador, de interesse da DPE/AC. (Incluído pela Lei Complementar nº 216, de 30 de agosto de 2010) (…) Art. 22-A. As promoções somente se efetivarão após o preenchimento dos seguintes requisitos gerais: (Incluído pela Lei Complementar nº 276, de 9 de janeiro de 2014) I – três anos de efetivo exercício no nível ocupado; (Incluído pela Lei Complementar nº 276, de 9 de janeiro de 2014). (…) Art. 23. As promoções serão efetivadas por ato do Defensor Público Geral do Estado, obedecidos, alternadamente, os critérios de antiguidade e merecimento. (Redação dada pela Lei Complementar nº 216, de 30 de agosto de 2010) (…) § 6o Os membros da DPE/AC somente poderão ser promovidos após três anos de efetivo exercício no nível. (Incluído pela Lei Complementar nº 276, de 9 de janeiro de 2014) (…) Art. 47. Ficam criados os cargos de defensor público-geral, subdefensor público-geral e corregedor-geral. Parágrafo único. Os cargos de defensor público-geral e subdefensor público-geral terão status de secretário de Estado.”

2.        Aproveitamento energético de cursos de água e competências federativas

Destaque

São inconstitucionais leis estaduais que proíbem a construção de pequenas centrais hidrelétricas e outros empreendimentos em cursos de água de domínio da União, por usurparem competências administrativas e legislativas federais sobre recursos hídricos e energia elétrica.

ADI 7.656/SC, Rel. Min. Edson Fachin, Red. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, Plenário, julgamento virtual finalizado em 05/12/2025.

Conteúdo-Base

📎 CF, art. 20, VIII (domínio da União sobre recursos hídricos).

📎 CF, art. 21, XII, “b” (competência da União para explorar serviços de energia elétrica).

📎 CF, art. 22, IV (competência privativa para legislar sobre energia).

📎 CF, art. 176 (aproveitamento de potenciais hidráulicos).

📚 A competência ambiental concorrente não se sobrepõe às competências federais específicas.

📍 Proibições estaduais inviabilizam políticas públicas nacionais de energia.

📍 Tombamento ou proteção cultural não podem impedir exploração federal de potenciais hidráulicos.

Discussão e Tese

📣 O STF examinou leis catarinenses que, sob fundamentos ambientais e culturais, vedavam empreendimentos hidrelétricos em trechos do Rio Chapecó. A Corte destacou que cursos de água de domínio da União estão submetidos a regime constitucional próprio, que reserva à União a decisão sobre seu aproveitamento energético.

⚖️ Embora reconhecendo a relevância da proteção ambiental, o Tribunal afirmou que estados não podem, por lei local, bloquear a atuação federal nem inviabilizar concessões regularmente outorgadas. A competência concorrente ambiental permite suplementação, não interdição de políticas públicas federais.

Como será Cobrado em Prova

📃 Estados podem proibir empreendimentos hidrelétricos em rios federais com base em competência ambiental concorrente.

❌ Errado. A competência ambiental não autoriza usurpação das competências federais sobre energia e recursos hídricos. Leis estaduais que inviabilizam a exploração de potenciais hidráulicos federais violam o pacto federativo.

Versão Esquematizada

📌 Energia e recursos hídricos
📍 Domínio e competência da União 📍 Competência ambiental concorrente é suplementar 📍 Vedação estadual → inconstitucional 📍 Proteção ambiental não bloqueia política energética federal

Inteiro Teor

     São inconstitucionais — por violar as competências administrativa e legislativa da União para dispor sobre águas e energia elétrica (CF/1988, arts. 20, VIII; 21, XII, b; 22, IV; e 176), bem como por interferir indevidamente na exploração de potenciais hidráulicos e na concessão de serviços públicos federais — leis estaduais que proíbem a construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e de novos empreendimentos hidrelétricos em trechos do Rio Chapecó, no Estado de Santa Catarina.

Embora a Constituição Federal preveja competência concorrente dos estados para legislar sobre meio ambiente, defesa dos recursos naturais e proteção do patrimônio histórico e cultural (CF/1988, art. 24, VI, VII e VIII), ela não se sobrepõe à competência privativa da União para regular o uso e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos e a exploração dos serviços de energia elétrica.

Conforme jurisprudência desta Corte (1), normas estaduais ou municipais que proíbem ou condicionam a construção de empreendimentos hidrelétricos em cursos de água de domínio da União usurpam a competência constitucional do ente central, comprometendo o pacto federativo e o regime de repartição de competências.

Na espécie, ao vedarem a construção de PCHs e novos empreendimentos hidrelétricos em trechos do Rio Chapecó, as leis estaduais impugnadas interferem diretamente na exploração de bens e serviços de titularidade da União, além de inviabilizar a atuação legislativa federal e a implementação de políticas públicas nacionais de energia.

Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 15.111/2010 (2), da Lei nº 18.579/2022 (3) e da Lei nº 18.582/2022 (4), todas do Estado de Santa Catarina.

(1) Precedentes citados: ADPF 979 AgR, ADI 7.076 e ADPF 452.

(2) Lei nº 15.111/2010 do Estado de Santa Catarina: “Art. 1º Fica proibida a construção de Pequenas Centrais Hidroelétricas – PCHs, no trecho do rio que antecede o Parque das Sete Quedas do Rio Chapecó, localizado no município de Abelardo Luz, que provoque o desvio do curso normal das águas. Parágrafo único. Entende-se como desvio do curso normal das águas, referido no caput, a construção de túnel ou qualquer outra construção que faça a ligação entre a margem anterior com a margem posterior do Parque das Sete Quedas do Rio Chapecó. Art. 2º A proibição a que se refere o artigo anterior permanecerá independentemente da concessão das licenças ambientais pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável e pela Fundação do Meio Ambiente – FATMA. Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

(3) Lei nº 18.579/2022 do Estado de Santa Catarina: “Art. 1º Fica declarada integrante do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Estado de Santa Catarina, as Cataratas do Salto Saudades do Rio Chapecó, no Município de Quilombo. Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

(4) Lei nº 18.582/2022 do Estado de Santa Catarina: “Art. 1º Fica proibida a construção de novos aproveitamentos hidroelétricos no trecho do rio que antecede as Cataratas do Salto Saudades do Rio Chapecó, localizado no Município de Quilombo, que provoque o desvio do curso normal das águas, diminuindo a vazão e prejudicando a beleza cênica. Parágrafo único. Entende-se como desvio do curso normal das águas, referido no caput, a construção de túnel ou qualquer outra construção que faça a ligação entre a margem anterior com a margem posterior às Cataratas do Salto Saudades do Rio Chapecó, localizado no Município de Quilombo. Art. 2º A proibição a que se refere o art. 1º permanecerá independentemente da concessão de licenças ambientais pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável, pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) e qualquer outro órgão ambiental, salvo em relação a aproveitamentos hidroelétricos porventura já em operação na data da entrada em vigor desta Lei. Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

3.        Imprensa Oficial do RJ e regime de precatórios

Destaque

A Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro (IOERJ) submete-se ao regime constitucional de precatórios, sendo vedado o bloqueio ou a penhora direta de seus recursos para satisfação de débitos judiciais.

ADPF 1.193/RJ, Rel. Min. Cristiano Zanin, Plenário, julgamento virtual finalizado em 05/12/2025.

Conteúdo-Base

📎 CF, art. 100 (regime constitucional de precatórios).

📎 CF, arts. 165 a 169 (planejamento e execução orçamentária).

📎 CF, art. 2º (separação de Poderes).

📎 Precedentes: ADPF 1.088; ADPF 1.082; ADPF 949 (empresas estatais prestadoras de serviço público).

📚 Empresas estatais não concorrenciais, prestadoras de serviço público essencial, submetem-se ao regime de precatórios.

📍 A IOERJ exerce função pública típica, sem intuito lucrativo primário.

📍 O bloqueio de contas compromete a continuidade do serviço público.

Discussão e Tese

📣 O STF avaliou a natureza jurídica e funcional da IOERJ, responsável pela publicação oficial dos atos do Estado e por serviços gráficos essenciais. Constatou-se que a empresa não atua em regime concorrencial e depende de dotações orçamentárias, o que a aproxima da administração direta para fins de execução judicial.

⚖️ A Corte afirmou que permitir constrições diretas violaria o art. 100 da Constituição e desorganizaria o planejamento financeiro do ente federado. Por isso, reconheceu, com eficácia erga omnes e vinculante, a submissão da IOERJ ao regime de precatórios e a impossibilidade de bloqueios judiciais.

Como será Cobrado em Prova

📃 Empresas estatais, por atuarem no mercado, submetem-se à execução direta.

❌ Errado. Estatais prestadoras de serviço público não concorrencial submetem-se ao regime de precatórios.

📃 O bloqueio judicial de contas de empresa estatal que presta serviço essencial é possível aenas cautelarmente.

❌ Errado. A execução deve observar o art. 100 da Constituição, sob pena de se violar o regime constitucional de precatórios e a separação de Poderes.

Versão Esquematizada

📌 IOERJ – execução judicial
📍 Serviço público essencial 📍 Atuação não concorrencial 📍 Vedado bloqueio/penhora direta 📍 Regime de precatórios aplicado=

Inteiro Teor

     A Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro (IOERJ) preenche os requisitos fixados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para submissão de empresas estatais prestadoras de serviço público ao regime de precatórios (CF/1988, art. 100).

Conforme jurisprudência desta Corte (1), o bloqueio de recursos públicos nas contas de empresas estatais prestadoras de serviços público em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário para o pagamento de verbas trabalhistas compromete a prestação do serviço público.

Na espécie, a empresa é responsável pela publicação oficial dos atos do governo estadual e demais serviços essenciais, desempenhando uma função de caráter não concorrencial e sem finalidade lucrativa, razão pela qual deve se submeter ao regime de precatórios. Ela presta serviço público essencial de publicação e distribuição do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, bem como serviços gráficos para a administração estadual.

As atividades residuais desempenhadas pela IOERJ são pequenas, sem impacto significativo no balanço da empresa e predominantemente prestadas ao próprio estado fluminense, não configurando atuação em regime concorrencial. Além disso, o capital social da empresa, além de integralmente subscrito pelo estado, depende de dotações orçamentárias estaduais, com vedação à capitalização direta de lucro, circunstância que afasta qualquer intuito lucrativo primário e reforça sua finalidade pública.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a arguição para reconhecer, com eficácia erga omnes e vinculante, (i) a impossibilidade de utilização de valores mantidos em contas bancárias da Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro para bloqueio, penhora ou quaisquer atos de constrição em processos judiciais, e (ii) a submissão da estatal ao regime constitucional de precatórios.

(1) Precedentes citados: ADPF 1.088, ADPF 1.082 MC-Ref, ADPF 949, ADPF 1.211, ADPF 1.167, Rcl 65.071 ED e Rcl 68.082 AgR.

4.       IPVA e embarcações/aeronaves – limites do campo de incidência

Destaque

É inconstitucional a incidência de IPVA sobre embarcações e aeronaves prevista em lei estadual editada antes da EC n. 132/2023, por violar a delimitação constitucional do imposto (art. 155, III) e a legalidade tributária; é válida, contudo, a fixação de alíquotas diferenciadas com base em critérios objetivos como potência e cilindradas.

ADI 5.654/CE, Rel. Min. Nunes Marques, Plenário, julgamento virtual finalizado em 05/12/2025. 

Conteúdo-Base

📎 CF, art. 155, III (campo de incidência do IPVA).

📎 CF, art. 150, I (legalidade tributária; interpretação restritiva da hipótese de incidência).

📎 CF, art. 24, § 3º (competência legislativa plena dos estados na ausência de norma geral, dentro dos limites constitucionais).

📎 Lei estadual n. 12.023/1992/CE, art. 6º, II e IV-A (incidência de IPVA sobre aeronaves e embarcações – inconstitucional).

📎 Leis estaduais n. 14.559/2009 e n. 15.893/2015/CE, art. 6º (alíquotas diferenciadas por potência/cilindradas).

📚 A redação original do art. 155, III, da CF restringe o IPVA a veículos automotores terrestres.

📍 A ampliação do campo de incidência por lei estadual viola a legalidade estrita.

📍 Alíquotas diferenciadas por características do bem não configuram progressividade nem discriminação vedada.

Discussão e Tese

📣 O STF reafirmou sua jurisprudência histórica no sentido de que, antes da EC n. 132/2023, o IPVA tinha como hipótese de incidência apenas veículos automotores terrestres. Qualquer tentativa estadual de incluir embarcações e aeronaves implicava ampliação indevida do tributo, incompatível com a legalidade e com a interpretação restritiva do art. 155, III.

⚖️ Em paralelo, o Tribunal distinguiu a incidência do imposto da estrutura de alíquotas. Reconheceu-se que os estados, no exercício da competência legislativa plena (art. 24, § 3º), podem adotar critérios objetivos relacionados ao tipo do veículo (potência e cilindradas) para definir alíquotas, desde que respeitado o campo material do tributo. Assim, declarou-se a inconstitucionalidade apenas dos dispositivos que ampliavam a incidência, preservando as regras de alíquotas.

Como será Cobrado em Prova

📃 Desde a CF88, os estados podem instituir IPVA sobre embarcações e aeronaves com base em sua competência legislativa.

❌ Errado. Antes da EC n. 132/2023, o campo de incidência do IPVA estava constitucionalmente limitado a veículos terrestres.

📃 A adoção de alíquotas diferenciadas de IPVA conforme potência e cilindradas é constitucional, por se tratar de critério objetivo ligado ao tipo do bem.

✅ Correto. O STF validou a diferenciação por não caracterizar progressividade nem violar a isonomia.

Versão Esquematizada

📌 IPVA – incidência
📍 Antes da EC n. 132/2023 → só veículos terrestres 📍 Embarcações e aeronaves → fora do campo de incidência 📍 Legalidade tributária exige interpretação restritiva 📍 Alíquotas por potência/cilindradas → constitucionais

Inteiro Teor

     É inconstitucional — por violar a delimitação do campo de incidência do tributo (CF/1988, art. 155, III), cuja análise deve ser restritiva para obedecer à garantia da legalidade tributária (CF/1988, art. 150, I) — norma estadual, editada antes da EC nº 132/2023, que prevê a incidência do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre embarcações e aeronaves.

            Conforme jurisprudência desta Corte (1), a redação original do art. 155, III, da Constituição Federal restringe o campo de incidência do IPVA aos veículos automotores terrestres, sem prever a possibilidade de ampliação para abranger embarcações e aeronaves.

            Por outro lado, não há óbice à adoção de alíquotas diferenciadas em razão das cilindradas de motores de veículos prevista na norma estadual impugnada (2). Em se tratando de um critério objetivo relacionado ao tipo do bem (não à capacidade econômica do contribuinte), não se configura progressividade tributária nem adoção de critérios de diferenciação não autorizados constitucionalmente.

Além disso, é legítimo o exercício da competência legislativa plena dos estados-membros para a fixação de critérios para as alíquotas do IPVA (CF/1988, art. 24, § 3º) quando observado o delineamento do art. 155, III, da CF/1988 (3).

            Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou parcialmente procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade apenas (i) do art. 6º, II e IV-A, da Lei nº 12.023/1992 do Estado do Ceará (4), naquilo que instituiu a incidência de IPVA sobre embarcações e aeronaves; e (ii) do inciso II do art. 6º da Lei cearense nº 15.893/2015 e dos incisos II e IV do art. 6º da Lei cearense nº 14.559/2009, no que dispõe sobre embarcações.

(1) Precedentes citados: RE 134.509, RE 379.572, RE 525.382 AgR, RE 1.172.327 AgR e RE 1.217.485 AgR.

(2) Lei nº 12.023/1992 do Estado do Ceará: “Art. 6º Aos veículos abaixo discriminados aplicar-se-ão as seguintes alíquotas: (Redação dada pela Lei n. 14.559, de 21.12.2009) (…) III – motocicletas, motonetas, ciclomotores e triciclos com potência: a) de até 125 cilindradas, 2,0% (dois por cento); b) superior a 125 e até 300 cilindradas, 3,0% (três por cento); c) superior a 300 cilindradas, 3,5% (três vírgula cinco por cento); (Redação do inciso dada pela Lei n. 15.893, de 27.11.2015) (…) IV – automóveis, camionetas, caminhonetes e utilitários com potência: de até 100cv, 2,5% (dois vírgula cinco por cento); superior a 100cv e até 180cv, 3,0% (três por cento); superior a 180cv, 3,5 (três vírgula cinco por cento);”

(3) Precedentes citados: RE 466.480 AgR e RE 601.247 AgR.

(4) Lei nº 12.023/1992 do Estado do Ceará: “Art. 6º Aos veículos abaixo discriminados aplicar-se-ão as seguintes alíquotas: (Redação dada pela Lei n. 14.559, de 21.12.2009) (…) II – aeronaves: 2,5% (dois vírgula cinco por cento); (Redação do inciso dada pela Lei n. 15.893, de 27.11.2015) (…) IV-A – embarcações, 3,5% (três vírgula cinco por cento); (Inciso acrescentado pela Lei n. 15.893, de 27.11.2015)”

5.         Lei Geral do Esporte e atipicidade material da conduta

Destaque

É atípica, à luz do princípio da legalidade estrita, a conduta consistente em provocar deliberadamente cartão amarelo em partida de futebol, ainda que mediante vantagem indevida, quando ausente potencial concreto de alteração do resultado da competição, impondo-se o trancamento da ação penal por falta de justa causa.

RHC 238.757 AgR/GO, Rel. Min. André Mendonça, red. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgamento finalizado em 02/12/2025.

Conteúdo-Base

📎 CF, art. 5º, XXXIX (princípio da legalidade estrita em matéria penal).

📎 Lei n. 14.597/2023, art. 198 (crime contra a incerteza do resultado esportivo).

📎 CPP, art. 395, III (falta de justa causa para a ação penal).

📎 CPP, art. 648, I (cabimento de habeas corpus por atipicidade manifesta).

📚 O tipo penal do art. 198 da Lei Geral do Esporte exige aptidão concreta da conduta para alterar ou falsear o resultado da competição.

📍 A mera infração disciplinar, ainda que dolosa e eticamente reprovável, não basta para caracterizar relevância penal.

📍 A análise da tipicidade penal exige juízo de tipicidade material, não apenas subsunção formal.

📍 A persecução penal pressupõe impacto relevante na lisura ou no resultado esportivo.

Discussão e Tese

📣 O STF examinou denúncia que imputava a atleta profissional a aceitação de vantagem econômica para provocar cartão amarelo em partida do Campeonato Brasileiro, no contexto de investigação sobre apostas esportivas. A Corte destacou que o enquadramento penal exige mais do que a simples prática de ato irregular: é necessário que a conduta tenha capacidade real de comprometer o resultado ou a classificação da competição, o que não se verifica na obtenção isolada de cartão disciplinar.

⚖️ O Tribunal observou que, no sistema esportivo, cartões amarelos possuem impacto meramente residual na definição do campeonato, funcionando como critério de desempate secundário e quantitativamente inexpressivo. Assim, embora o fato possa ser relevante sob a ótica ética e disciplinar, ele não ultrapassa o âmbito da Justiça Desportiva, sendo incompatível com a intervenção penal. Reconheceu-se, portanto, a atipicidade material da conduta e a ausência de justa causa para a ação penal.

Como será Cobrado em Prova

📃 A aceitação de vantagem patrimonial para provocar cartão amarelo em jogo de futebol não caracteriza crime contra a incerteza do resultado esportivo.

✅ Correto. O tipo penal exige potencial concreto de alteração do resultado, o que não ocorre em infração disciplinar isolada e sem relevância competitiva.

📃 A distinção entre ilicitude disciplinar e tipicidade penal impõe que condutas sem impacto relevante no resultado da competição sejam tratadas no âmbito da Justiça Desportiva, e não do Direito Penal.

✅ Correto. O STF afastou a persecução penal justamente por ausência de tipicidade material.

Versão Esquematizada

📌 Lei Geral do Esporte – tipicidade penal
📍 Art. 198 exige impacto concreto no resultado 📍 Cartão amarelo isolado → irrelevância competitiva 📍 Ética/desporto ≠ crime 📍 Atipicidade material → trancamento da ação penal

Inteiro Teor

     É atípica, à luz do princípio da legalidade estrita (CF/1988, art. 5º, XXXIX), a conduta consistente na provocação deliberada de um cartão amarelo em partida de futebol, ainda que motivada por vantagem indevida, quando não houver a demonstração de potencial concreto de alteração do resultado da competição esportiva, impondo-se, nessa hipótese, o trancamento da ação penal por falta de justa causa. 

Na espécie, a denúncia oferecida pelo Ministério Público de Goiás imputou ao atleta profissional a suposta aceitação de vantagem econômica para provocar a aplicação de cartão amarelo em partida da Série A do Campeonato Brasileiro de 2022, no contexto de investigação sobre esquema de apostas esportivas (“Operação Penalidade Máxima”). A acusação foi recebida em primeira instância, com enquadramento da conduta no art. 198 da Lei nº 14.597/2023 – Lei Geral do Esporte (1), que tipifica a solicitação ou aceitação de vantagem destinada a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado.

Para que qualquer conduta tenha relevância penal, é necessário que haja prévia cominação legal, sendo certo que a instauração de uma persecução penal legítima pressupõe, ainda, a descrição adequada de uma conduta que se molde ao tipo penal imputado nos termos previstos na legislação penal de referência.

Ocorre que o tipo penal objeto de análise exige que a conduta possa comprometer, de modo relevante, a lisura ou o resultado da competição, o que não se verifica na obtenção isolada de um único cartão disciplinar. Nesse contexto, a conduta imputada ao paciente, não tem a aptidão de influir na classificação final do campeonato, seja diante da inexpressividade quantitativa da conduta, seja diante da natureza absolutamente subsidiária do número de cartões obtidos enquanto critério de desempate (sexto de sete critérios, à frente apenas do sorteio).

Desse modo, sem impacto competitivo significativo, concluiu-se que o fato, embora reprovável sob o aspecto ético e disciplinar, na medida em que atenta à integridade da competição esportiva, não ultrapassa o âmbito da Justiça Desportiva, reconhecendo-se a atipicidade material da conduta e a inexistência de justa causa para a persecução penal.

Com base nesses entendimentos, a Segunda Turma, por maioria, deu provimento ao agravo regimental e concedeu a ordem de habeas corpus, a fim de determinar o trancamento da ação penal originária em relação ao paciente por manifesta atipicidade da conduta.

(1) Lei n° 14.597/2023: “Art. 198. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.”

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