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Questões comentadas de Direito Penal – último concurso Delegado da Polícia Federal

1 – Considerações Iniciais

Aqui estão os comentários sobre as questões de Direito Penal do último concurso de Delegado da Polícia Federal.

Faremos uma análise das questões de Direito Penal aplicadas no referido certame, buscando familiarizá-los com o estilo de enunciado e propiciar uma experiência na resolução da prova aplicada para o cargo de Delegado Federal.

Espero que as questões comentadas lhe auxiliem a se atualizar e atingir seus objetivos profissionais, com a aprovação no concurso desejado.

2 – Questões Comentadas de Direito Penal

2.1 – Item 25

Considerando a distinção doutrinária entre culpabilidade de ato e culpabilidade de autor, julgue o seguinte item.

25 Tratando-se de culpabilidade pelo fato individual, o juízo de culpabilidade se amplia à total personalidade do autor e a seu desenvolvimento.

Comentários

A doutrina distingue o chamado Direito Penal do Autor e o Direito Penal do Fato. No Direito Penal do Autor, julga-se o indivíduo por aquilo que ele é. No Direito Penal do Fato, o que se busca é o julgamento dos fatos que o indivíduo teria cometido. Não se adota no Brasil de forma irrestrita o Direito Penal do Autor, por ser odioso, ao buscar o julgamento do indivíduo por sua personalidade, e não por aquilo que fez.

Dentre deste enfoque, a doutrina distingue a culpabilidade pelo fato individual e a culpabilidade do autor. A culpabilidade pelo fato individual se volta ao desvalor do fato praticado, analisando-se o modo de execução e as circunstâncias do crime, por exemplo. Já a culpabilidade do autor valora o sujeito ativo do delito, em razão de sua conduta social, personalidade e antecedentes. Na dosimetria da pena adotada pelo Código Penal, encontramos a adoção de ambas as espécies de culpabilidade, com análise das duas para fixação da sanção penal.

O item está incorreto. O juízo de culpabilidade que se amplia à total personalidade do autor e a seu desenvolvimento é a culpabilidade do autor (ou pela conduta de vida), e não a culpabilidade do fato individual.

2.2 – Item 26

A respeito da pena pecuniária, julgue o item abaixo.

26 A multa aplicada cumulativamente com a pena de reclusão pode ser executada em face do espólio, quando o réu vem a óbito no curso da execução da pena, respeitando-se o limite das forças da herança.

Comentários

O princípio da intranscendência da pena impede que ela se estenda a outras pessoas além do sujeito ativo do delito. Está previsto no artigo 5º, XLV, da CF:

XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

Como se percebe da leitura do dispositivo, as únicas exceções à intranscendência da pena são a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens, devendo ambas respeitar o limite do patrimônio transferido quando estendidas aos sucessores.

O item está incorreto. A pena de multa não é exceção à instranscendência da pena. Portanto, a morte do autor acarreta a extinção da punibilidade.

2.3 – Itens 27 a 30

Em relação ao concurso de agentes, à desistência voluntária e ao arrependimento eficaz, bem como à cominação das penas, ao erro do tipo e, ainda, à teoria geral da culpabilidade, julgue os itens subsecutivos.

2.3.1 – Item 27

27 No arrependimento eficaz, é irrelevante que o agente proceda virtutis amore ou formidine poence, ou por motivos subalternos, egoísticos, desde que não tenha sido obstado por causas exteriores independentes de sua vontade.

Comentários

O arrependimento eficaz é cabível somente nos crimes materiais, consistindo na atuação do sujeito ativo que seja capaz de impedir o resultado. Exige voluntariedade do agente, mas não espontaneidade. Com isso, o sujeito responde apenas pelos atos (típicos) já praticados, conforme prevê o artigo do Código Penal:

Art. 15 – O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

Percebem que só se exige a voluntariedade. Não há necessidade de que ao gente proceda virtutis amore (por amor à virtude) nem por formidine poence (medo da pena).

O item está correto. Não se exige nenhum elemento subjetivo do autor, somente que a conduta seja voluntária, ou seja, que não seja provocada por fatores alheios à vontade do agente.

2.3.2 – Item 28

28 O indivíduo, maior e capaz, condenado, definitivamente, por diversos crimes, a pena unificada que perfaça, por exemplo, noventa anos de reclusão, fará jus ao livramento condicional somente após o cumprimento de um terço ou metade de noventa.

Comentários

A questão tratava do livramento condicional e do limite de penas previsto no artigo 35 do Código Penal. Exigia o conhecimento da Súmula 715 do STF:

A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.

O item foi ANULADO. “A ausência de algumas informações pode ter gerado dúvida juridicamente relevante quando do julgamento do item: informações sobre a natureza dos ‘diversos crimes’ pelos quais o indivíduo foi condenado; a falta de informação se dolosos ou culposos os crimes; além da supressão da expressão ‘mais da metade da pena’. Dessa forma, opta-se pela anulação.”

2.3.3 – Item 29

29 De acordo com a teoria extremada da culpabilidade, o erro sobre os pressupostos fáticos das causas descriminantes consiste em erro de tipo permissivo.

Comentários

Vamos relembrar as teorias da culpabilidade:

Psicológica: relação psíquica entre o autor e o resultado (na forma de dolo ou culpa), tendo como único pressuposto a imputabilidade. Adotada pela teoria causalista.

Psicológica normativa: a culpabilidade possui como elementos: dolo ou culpa, imputabilidade e inexigibilidade de conduta diversa. Adotada pela teoria neokantista.

Normativa pura ou extremada: com a migração do dolo e da culpa para o fato típico, restam como elementos: imputabilidade, inexigibilidade de conduta diversa e consciência da ilicitude. Erro sobre os fatos, nas descriminantes putativas, tratado como erro de proibição: inevitável, exclui a culpabilidade, evitável, diminui a pena). Aplicada com a teoria finalista.

Limitada: sua diferenciação com a teoria normativa pura se restringe à divergência sobre a natureza jurídica das descriminantes putativas sobre os fatos. Erro tem natureza de erro de tipo (inevitável isenta de pena; evitável exclui o dolo, sendo possível a punição pela culpa imprópria). Ligada à teoria finalista. É a adotada pelo Código Penal.

Extremada sui generis: também se refere à natureza jurídica das descriminantes putativas sobre os fatos. Se o erro for inevitável, entende como a teoria extremada, com isenção de pena do agente – tratado como erro de proibição. Se for evitável, segue o entendimento da teoria limitada, excluindo o dolo e punindo o fato a título de culpa.

O item está incorreto. O erro sobre os pressupostos fáticos nas descriminantes putativas é tratado como erro de proibição pela teoria extremada da culpabilidade.

2.3.4 – Item 30

30 Configura autoria por convicção o fato de uma mãe, por convicção religiosa, não permitir a realização de transfusão de sangue indicada por equipe médica para salvar a vida de sua filha, mesmo ciente da imprescindibilidade desse procedimento.

Comentários

Ao contrário do criminoso comum, o autor por convicção não está em contradição consigo mesmo. Ele tem consciência do caráter proibido do ato, mas prefere não cumprir a norma, por convicção política, religiosa, filosófica ou social.

O item está correto. O caso da mãe que nega transfusão de sangue a sua filha, por sua religião, é um caso que bem exemplifica a autoria por convicção.

2.4 – Item 31

No que se refere à teoria geral do crime, julgue o próximo item.

31 Segundo a teoria causal, o dolo causalista é conhecido como dolo normativo, pelo fato de existir, nesse dolo, juntamente com os elementos volitivos e cognitivos, considerados psicológicos, elemento de natureza normativa (real ou potencial consciência sobre a ilicitude do fato).

Comentários

Vamos relembrar as espécies de dolo:

Natural (neutro): é o dolo como elemento psicológico, desprovido de juízo de valor, componente da conduta. É adotado pela teoria finalística.

Normativo (híbrido): é o dolo que possui como elementos a consciência e vontade, bem como a consciência da ilicitude. É componente da culpabilidade. É a espécie de dolo que é adotada pelas teorias causal e neokantista.

O item está correto. Segundo a teoria causal, o dolo é normativo, possuindo como elementos o volitivo (vontade), cognitivo (consciência) e psicológico (consciência da ilicitude).

2.5 – Item 32

Em relação aos efeitos da condenação, julgue o item que se segue.

32 Considere que uma mulher, maior e capaz, chegue a casa, logo após ter sido demitida, e, nervosa, agrida, injustificada e intencionalmente, seu filho de dois anos de idade, causando-lhe lesões corporais de natureza leve. Nessa situação hipotética, caso essa mulher seja condenada pela referida agressão após o devido processo legal, não caberá, como efeito da condenação, a decretação de sua incapacidade para o exercício do poder familiar, nos termos do CP.

Comentários

Sobre o efeito da condenação consistente na perda do poder familiar (ou na antiga e ultrapassada linguagem do CP, pátrio poder), vejamos o que diz o Código Penal:

Art. 92 – São também efeitos da condenação:

(…)

II – a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; (…).

Cabe, então, analisar se o crime cometido pela mãe é doloso. Neste ponto, verificamos que o enunciado se refere a uma ação intencional. O crime também foi cometido contra o filho, sendo que este requisito também está preenchido. Resta analisar se o crime é punido com reclusão:

Lesão corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano.

Violência Doméstica    (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)

(…)

  • 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

Logo, por não ser o crime punido com reclusão (ainda que se considere a violência doméstica), mas sim com detenção, não se pode aplicar o efeito da condenação previsto no artigo 92, inciso II, do Código Penal, reservado aos crimes punidos com reclusão.

Por conseguinte, o item está correto.

2.6 – Itens 33 a 37

No que se refere às causas de exclusão de ilicitude e à prescrição, julgue os seguintes itens.

2.6.1 – Item 33

33 Considere que João, maior e capaz, após ser agredido fisicamente por um desconhecido, também maior e capaz, comece a bater, moderadamente, na cabeça do agressor com um guarda-chuva e continue desferindo nele vários golpes, mesmo estando o desconhecido desacordado. Nessa situação hipotética, João incorre em excesso intensivo.

Comentários

No caso da legítima defesa, como no caso das demais excludentes de ilicitude, o agente. É o que determina o parágrafo único do artigo 23 do Código Penal:

Excesso punível

Parágrafo único – O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

O excesso punível pode ser subdividido, de acordo com a doutrina, em intensivo e extensivo.

Excesso intensivo é aquele que se relaciona com os meios utilizados para repelir a agressão ou ao grau de sua utilização.

Excesso extensivo, por sua vez, se configura quando a conduta para repelir à agressão se prolonga no tempo em período superior ao da própria agressão.

O item está incorreto. João continuou desferindo golpes após o desconhecido já estar acordado, ou seja, sua reação se prolongou após já haver a cessação da agressão injusta. Logo, o excesso é extensivo.

2.6.2 – Item 34

34 Suponha que determinada sentença condenatória, com pena de dez anos de reclusão, imposta ao réu, tenha sido recebida em termo próprio, em cartório, pelo escrivão, em 13/8/2011 e publicada no órgão oficial em 17/8/2011, e que tenha sido o réu intimado, pessoalmente, em 20/8/2011, e a defensoria pública e o MP intimados, pessoalmente, em 19/8/2011. Nessa situação hipotética, a interrupção do curso da prescrição ocorreu em 17/8/2011.

Comentários

Neste item, devemos nos atentar para as causas interruptivas da prescrição. Aplica-se ao caso o artigo 117, IV, do Código Penal:

Causas interruptivas da prescrição

Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se:

(…)

IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; (…)

Entretanto, da leitura do dispositivo não fica claro se a publicação deve se dar em cartório ou na imprensa oficial. A questão exigia, assim, conhecimento da jurisprudência. Vejamos:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM HABEAS CORPUS. (1) LEI N.º 8.038/90. CONTRARRAZÕES RECURSAIS NÃO PREVISTAS. CÂNONES DA LEI COMPLEMENTAR N.º 75/93. IMPOSIÇÃO DE UM PRONUNCIAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. INCABÍVEL. POSICIONAMENTO DO PARQUET EM PARECER. POSSIBILIDADE. (2) PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. MARCO INTERRUPTIVO. ART. 117, IV, DO CÓDIGO PENAL. PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA EM CARTÓRIO. PRECEDENTES. 1. Na Lei n. 8.038/1990, não há previsão de contrarrazões ao recurso ordinário em habeas corpus, sendo prescindível a intimação do Ministério Público estadual para apresentar resposta ao recurso da defesa, suprida essa falta pela manifestação do Subprocurador-Geral da República em sede de parecer. 2.  A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, nos termos do artigo 117, inciso IV, do Código Penal, a prescrição se interrompe na data da publicação da sentença em cartório, ou seja, de sua entrega ao escrivão, e não da intimação das partes ou publicação no órgão oficial. 3. Recurso ordinário desprovido. (STJ, RHC 59830/MA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 22/10/2015).

O item está incorreto. Considerando a jurisprudência do STJ, basta a publicação em cartório da sentença recorrível para a interrupção da prescrição. Assim, no caso do enunciado, a interrupção ocorreu em 13/8/2011.

2.6.3 – Item 35

35 Considere que Jorge, Carlos e Antônio sejam condenados, definitivamente, a uma mesma pena, por terem praticado, em coautoria, o crime de roubo. Nessa situação, incidindo a interrupção da prescrição da pretensão executória da referida pena em relação a Jorge, essa interrupção não produzirá efeitos em relação aos demais coautores.

Comentários

Neste caso, o enunciado cobra o conhecimento da letra da lei, conforme se depreende da leitura do artigo 117, incisos V e VI, e seus parágrafos 1º e 2º:

CP, Art. Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se:

(…)

V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena;

VI – pela reincidência.

  • 1º – Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles.
  • 2º – Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção.

O parágrafo primeiro, que trata da extensão dos efeitos da interrupção da prescrição, excetua justamente os incisos V e VI. Referidos incisos tratam do início ou continuação do cumprimento da pena e da reincidência, ou seja, os dois casos de interrupção que cuidam da prescrição da pretensão executória.

O item está correto. A interrupção da prescrição da pretensão executória não produz efeitos em relação aos demais autores.

2.6.4 – Item 36

36 A detração é considerada para efeito da prescrição da pretensão punitiva, não se estendendo aos cálculos relativos à prescrição da pretensão executória.

Comentários

Este item cobra entendimento jurisprudencial já consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça:

“(…) 2.  Não  é  possível levar em consideração o tempo em que o paciente permaneceu  preso  cautelarmente,  entre  17/11/2008  e  20/11/2009, porquanto,  nos  termos  do  entendimento  consolidado  no  Superior Tribunal de Justiça, “o período de prisão provisória do réu é levado em  conta  apenas  para  o  desconto  da  pena a ser cumprida, sendo irrelevante  para  fins de contagem do prazo prescricional, que deve ser  analisado a partir da pena concretamente imposta pelo julgador, e  não  do restante da reprimenda a ser executada pelo Estado” (AgRg no  HC 181.711/ES, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 05/04/2016, DJe 18/04/2016). (…)”

(STJ, HC 400704/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 31/08/2017).

O item está incorreto. A detração não pode ser considerada para fins de cálculo da prescrição da pretensão punitiva.

Vale observar que a prescrição da pretensão executória, por sua vez, nos casos de evasão ou revogação de livramento condicional, regula-se pelo restante da pena, nos termos do artigo 113 do Código Penal. Deste modo, pode-se falar que a detração será considerada, de forma indireta, pois a prescrição vai ser calculada pelo que resta da pena.

2.6.5 – Item 37

37 Ocorre legítima defesa sucessiva, na hipótese de legítima defesa real contra legítima defesa putativa.

Comentários

Legítima defesa sucessiva é aquela em que o agente, após provocar a injusta agressão, busca repelir o excesso.

No caso de legítima defesa real contra legítima defesa sucessiva, temos um caso em que se configura a legítima defesa. Vejamos todos os casos em que é possível se configurar a legítima defesa:

Portanto, conforme a segunda hipótese do quadro, é possível legítima defesa real de legítima defesa putativa.

O item está incorreto. Legítima defesa sucessiva é aquela em que o agente, após ter efetuado agressão injusta, procura repelir o excesso da vítima.

2.7 – Itens 38 a 42

Com relação aos crimes previstos no CP, julgue os itens que se seguem.

2.7.1 – Item 38

38 No estelionato perpetrado em detrimento de entidade de direito público, admite-se a incidência da figura privilegiada (pequeno valor do prejuízo) por ser circunstância de natureza objetiva.

Comentários

Segundo o entendimento do STF, o item está correto.

O item foi ANULADO. “O Supremo Tribunal Federal, por decisão de seu Tribunal Pleno, admitiu a possibilidade de, nos crimes que causem prejuízo de pequeno valor, reconhecer o privilégio (CP, art. 171, § 1º), ainda que se cuide de delito qualificado (CP, art. 171 § 3º). Analogia com o privilégio aplicável ao crime de furto de bem de pequeno valor. Dessa forma, optar-se-ia pela alteração do gabarito. Porém, conforme previsto em edital, no tópico 18.6.1, existe a possibilidade apenas de anulação dos itens. Diante disso, opta-se pela anulação.”

2.7.2 – Item 39

39 A inserção, em documento público, de informações relativas a pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório, com o objetivo de constituir prova perante a previdência social, configura falsidade ideológica, delito que se consuma no momento da inserção dos dados inverídicos, independentemente do uso posterior dessas informações.

Comentários

O item foi ANULADO. “O item 39, ao não esclarecer se a análise da assertiva deveria se dar com espeque no Código Penal ou na doutrina, gerou dúvida juridicamente relevante, uma vez que há interpretações divergentes entre esses. Dessa forma, opta-se pela anulação do item..”

2.7.3 – Item 40

40 A falsa atribuição de identidade só é caracterizada como delito de falsa identidade se feita oralmente, com o poder de ludibriar; quando formulada por escrito, constitui crime de falsificação de documento público.

Comentários

De início, vejamos o tipo penal da falsa identidade, previsto no artigo 307 do Código Penal:

Falsa identidade

Art. 307 – Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.

Verifica-se que o tipo penal não faz diferença entre a forma escrita e a forma oral.

O item está incorreto. O crime de falsa identidade pode ser praticado verbalmente ou por escrito.

2.7.4 – Item 41

41 Os delitos de inserção de dados falsos e de modificação ou alteração de dados não autorizada em sistema de informações só se configuram se praticados por funcionário público autorizado, com o fim específico de obter vantagem indevida para si ou para outrem, ou para causar dano, sendo as penas aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resultar dano para a administração pública ou para o administrado.

Comentários

De início, vejamos os tipos penais referidos no enunciado, previstos nos artigos 307 do Código Penal:

Inserção de dados falsos em sistema de informações

Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações

Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.

Percebam que o tipo penal da inserção de dados falsos em sistema de informações exige que o sujeito ativo seja funcionário público autorizado. Por outro lado, o tipo penal do crime de modificação ou alteração não exige que o funcionário público seja autorizado. Pelo contrário, o tipo penal traz a exigência de que a conduta ocorra “sem autorização ou solicitação de autoridade competente”.

O item está incorreto. No caso do delito de modificação ou alteração de dados não autorizada em sistema de informações, não se exige do sujeito ativo a qualidade de “autorizado”.

2.7.5 – Item 42

42 O delito de sequestro e cárcere privado, inserido entre os crimes contra a pessoa, constitui infração penal de ação múltipla, e a circunstância de ter sido praticado contra menor de dezoito anos de idade qualifica o crime.

Comentários

De início, vejamos o tipo penal do sequestro e cárcere privado, previsto no artigo 148 do Código Penal:

Seqüestro e cárcere privado

Art. 148 – Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:

Pena – reclusão, de um a três anos.

  • 1º – A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:

(…)

IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (…)

O tipo penal possui apenas um núcleo (privar). Tipo penal de ação múltipla ou conteúdo variado, por sua vez, é aquele que possui mais de um núcleo do tipo. Assim, neste caso temos apenas um núcleo, sendo que sequestro e cárcere privado são formas de praticá-lo.

A vítima ser menor de 18 anos realmente qualifica o crime, sendo que apenas esta parte do enunciado está correta.

O item está incorreto. Não se cuida de infração penal de ação múltipla.

2.8 – Itens 43 a 46

No que diz respeito aos crimes previstos na legislação penal extravagante, julgue os itens subsequentes.

2.8.1 – Item 43

43 O crime de lavagem de capitais, delito autônomo em relação aos delitos que o antecedam, não está inserido no rol dos crimes hediondos.

Comentários

Para resolução da questão, deve-se conhecer o rol dos crimes hediondos, previsto no artigo 1º da Lei 8.072/90:

Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII);

I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;

II – latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);

III – extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);

IV – extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);

V – estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);

VI – estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);

VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).

VII-A – (VETADO)

VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998).

VIII – favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).

Parágrafo único.  Consideram-se também hediondos o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889, de 1o de outubro de 1956, e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, todos tentados ou consumados.

O item está correto. O crime de lavagem de capitais não está inserido no rol acima transcrito.

2.8.2 – Item 44

44 O crime de lavagem de capitais, consoante entendimento consolidado na doutrina e na jurisprudência, divide-se em três etapas independentes: colocação (placement), dissimulação (layering) e integração (integration), não se exigindo, para a consumação do delito, a ocorrência dessas três fases.

Comentários

O crime de lavagem de dinheiro ou de capitais divide-se em três etapas, a de colocação, dissimulação e integração, sendo que basta uma delas para a consumação do delito. Na jurisprudência do STJ, o referido trecho de recente acórdão demonstra este entendimento:

“(…) 3. Ainda que a mera ocultação, identificada como a primeira fase do ciclo de lavagem de dinheiro, caracterize o crime descrito no art. 1° da Lei n. 9.613/1998, porquanto o tipo penal não exige, para a sua consumação, as demais etapas para dissimular e reinserir os ativos na economia formal, a conduta, para ser reconhecida como típica, deve estar acompanhada de um elemento subjetivo específico, qual seja, a finalidade de emprestar aparência de licitude aos valores ocultados, em preparação para as fases seguintes, denominadas dissimulação e reintegração. (…)”

(STJ, AgRg no AREsp 328229/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 02/02/2016).

O item está correto. O enunciado descreve os entendimentos jurisprudencial e doutrinário.

2.8.3 – Item 45

45 Se os crimes funcionais, previstos no art. 3.º da Lei n.º 8.137/1990, forem praticados por servidor contra a administração tributária, a pena imposta aumentará de um terço até a metade.

Comentários

Vejamos o que a legislação prevê:

Art. 3° Constitui crime funcional contra a ordem tributária, além dos previstos no Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal (Título XI, Capítulo I):

I – extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo, ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social;

II – exigir, solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de iniciar seu exercício, mas em razão dela, vantagem indevida; ou aceitar promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente. Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

III – patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público. Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

(…)

Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°:

I – ocasionar grave dano à coletividade;

II – ser o crime cometido por servidor público no exercício de suas funções;

III – ser o crime praticado em relação à prestação de serviços ou ao comércio de bens essenciais à vida ou à saúde.

A própria lei já exclui o artigo 3º das causas de aumento de pena que prevê, dentre elas a de ser o crime praticado por servidor.

De todo modo, um crime funcional também não poderia prever como circunstância que modifique a pena o fato de ser o delito praticado por funcionário público. Isto porque, se o crime já é próprio e exige a qualidade de funcionário público do sujeito ativo para sua configuração, a previsão do mesmo fato como agravante ou majorante configura bis in idem. Como sabemos, o bis in idem, neste caso a dupla valoração do mesmo fato para efeitos de fixação da pena, é vedado pelo Direito Penal.

O item está incorreto. Referida situação violaria o princípio do ne bis in idem.

2.8.4 – Item 46

46 Na Lei de Drogas, é prevista como crime a conduta do agente que oferte drogas, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa do seu relacionamento, para juntos a consumirem, não sendo estabelecida distinção entre a oferta dirigida a pessoa imputável ou inimputável.

Comentários

Neste caso, o enunciado cobra o conhecimento da letra da lei, mais especificamente o artigo 33, § 3º, da Lei 11.343/2006, que exige a completação do artigo 28:

Art. 33 (…)

  • 3o Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

O enunciado faz menção ao referido tipo penal, além de dizer que este não diferencia a oferta a imputável ou inimputável. Ainda que se possa incidir causa de aumento de pena na última hipótese, o tipo penal realmente não faz distinção alguma.

O item está correto.

2.9 – Itens 47 a 50

Em cada item a seguir, é apresentada uma situação hipotética, seguida de uma assertiva a ser julgada com base no direito penal.

2.9.1 – Item 47

47 Um homem foi flagrado com arma de fogo de uso restrito, tendo a perícia técnica posteriormente atestado a cabal impossibilidade de o instrumento produzir disparos. Nessa situação, configura-se atípica a conduta de porte de arma, não podendo ser considerado o uso desse artefato para a prática de outra infração como majorante da pena pelo uso de arma.

Comentários

Ainda que a jurisprudência do STJ não exija a elaboração do laudo na arma para configuração do crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (artigo 16 da Lei 10.826/2003), no caso houve a elaboração do laudo, demonstrando que a arma não possui eficácia lesiva.

Deste modo, referida Corte não aceita que a posse de tal arma seja considerada como majorante de pena, no caso de prática de outro delito, como, por exemplo, roubo:

“(…)III  –  O  acórdão impugnado, ao considerar a incidência da causa de aumento  referida,  incorreu  em  constrangimento  ilegal,  pois, de acordo   com   posicionamento   adotado  por  esta  Corte  Superior, comprovada   a   ausência  de  sua  potencialidade  lesiva  da  arma empregada, indevida a imposição da causa de aumento de pena prevista no inciso I do § 2º do art. 157 do CP. (…)” (STJ, HC 416745/PR, Rel. Min. Félix Fischer, Quinta Turma, Dje 01/02/2018).

O item foi ANULADO. “Na situação hipotética, há laudo pericial específico a demonstrar a idoneidade do instrumento a produzir disparos e a imprestabilidade do artefato para servir como majorante por uso de arma em outro delito, configurando-se atípica a conduta de porte de arma. Dessa forma, optar-se-ia pela alteração do gabarito. Porém, conforme previsto em edital, no tópico 18.6.1, existe a possibilidade apenas de anulação dos itens. Diante disso, opta-se pela anulação.”

2.9.2 – Item 48

48 O presidente de uma comissão parlamentar mista de inquérito, após as devidas formalidades, ordenou, de forma sigilosa e reservada, a interceptação telefônica e a quebra do sigilo de dados telefônicos de testemunha que se reservara o direito de permanecer calada perante a comissão. Nessa situação, a primeira medida é ilegal, visto que a interceptação telefônica se restringe à chamada reserva jurisdicional, sendo permitida, por outro lado, a quebra do sigilo de dados telefônicos da testemunha, medida que não se submete ao mesmo rigor da primeira, consoante entendimento da doutrina majoritária.

Comentários

A questão cobra conhecimentos também de Direito Processual Penal, mas o enunciado se refere apenas ao Direito Penal. Vamos entendê-la.

As comissões parlamentares de inquérito possuem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, nos termos do artigo 58, § 3º, da Constituição da República. Entretanto, doutrina e jurisprudência ressaltam que esses poderes não abrangem medidas sujeitas à reserva de jurisdição.

Assim, a interceptação telefônica é considerada sujeita à reserva de jurisdição, somente podendo ser realizada mediante autorização judicial.

Por outro lado, a quebra de sigilos de dados telefônicos, que não se confunde com a primeira, pode ser determinada pela comissão parlamentar de inquérito, visto que não está sujeita à reserva de jurisdição.

Por fim, ressalta-se que a garantia de não auto-incriminação (nemo tenetur se detegere) aplica-se mesmo às testemunhas. Deste modo, não importa se o indivíduo foi chamado a depor como testemunha, caso os fatos sobre os quais ele for questionado possam incriminá-lo. Neste caso, ele tem direito a permanecer em silêncio.

O item, portanto, está correto.

2.9.3 – Item 49

49 Três criminosos interceptaram um carro forte e dominaram os seguranças, reduzindo-lhes por completo qualquer possibilidade de resistência, mediante grave ameaça e emprego de armamento de elevado calibre. O grupo, entretanto, encontrou vazio o cofre do veículo, pois, por erro de estratégia, efetuara a abordagem depois que os valores e documentos já haviam sido deixados na agência bancária. Por fim, os criminosos acabaram fugindo sem nada subtrair. Nessa situação, ante a inexistência de valores no veículo e ante a ausência de subtração de bens, elementos constitutivos dos delitos patrimoniais, ficou descaracterizado o delito de roubo, subsistindo apenas o crime de constrangimento ilegal qualificado pelo concurso de pessoas e emprego de armas.

Comentários

O crime, no caso, não se consumou por circunstâncias alheias à vontade dos agentes. Não se configura o crime impossível, pois, para configuração deste, é necessário que a ineficácia do meio ou a impropriedade do objeto sejam absolutas. Não é o caso. Os criminosos abordaram o veículo após o cofre ter sido esvaziado, ou seja, o objeto não era absolutamente impróprio, só estava vazio naquele momento (impropriedade relativa). Ademais, podemos observar que eles poderiam inclusive ter subtraído o próprio veículo. Vejamos um precedente sobre caso similiar:

“PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. TENTATIVA OU DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. AGENTE QUE NÃO SUBTRAI OUTROS OBJETOS DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL OU DEMAIS CLIENTES, DEPOIS DE VERIFICAR NÃO HAVER DINHEIRO NO CAIXA. TIPIFICAÇÃO CORRETA: CRIME TENTADO. INEXISTE DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA QUANDO A CIRCUNSTÂNCIA DE INTERRUPÇÃO DO ITER CRIMINIS OCORRE INTEIRAMENTE À REVELIA DO AGENTE. PRECEDENTES. PARECER MINISTERIAL PELO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1.   Se o crime não se consuma por circunstância alheia à vontade do agente, o fato é tentado; não há desistência voluntária. 2.   Há tentativa de roubo e não desistência voluntária se, depois de descoberta a inexistência de fundos no caixa da casa comercial alvo da pilhagem, o larápio nada leva desta ou de seus consumidores. Precedentes desta Corte. 3.   Em hipóteses como a tal, o agente não leva ao fim o feito que havia planejado por circunstância que lhe corria inteiramente a revelia, sua vontade não concorre para evitar a subtração como planejada; não pode, por isso, ser premiado pela interrupção criminosa para a qual não contribuiu. 4.   Recurso Especial desprovido.” (STJ, REsp 1109383/RN, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 23/05/2010).

O item está incorreto, pois temos um caso de tentativa de roubo.

2.9.4 – Item 50

50 O prefeito de um município dispensou licitação, fora das hipóteses previstas na legislação de regência, para a contratação de pessoal e bens atinentes aos festejos de São João na cidade. Nessa situação, o delito abstratamente previsto é uma infração penal em branco, homogênea ou de complementação homóloga, para cuja caracterização é imprescindível a demonstração de prejuízo ou de dolo específico, por não ser delito de mera conduta.

Comentários

O crime de dispensa de licitação está previsto no artigo 89 da Lei 8.666/93:

Art. 89.  Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

Por haver referência no tipo penal a hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de licitação, temos uma norma penal em branco, isto é, uma norma penal incompleta, cuja complementação necessária é normativa. Ademais, o complemento deve ser buscado em lei, ou seja, na mesma fonte normativa, o que torna o caso de norma penal em branco imprópria, em sentido amplo ou homogênea. Por fim, em virtude de o complemento se encontrar na própria Lei 8.666/93, temos um caso de norma penal em branco impróprio homovitelina.

Ademais, quanto ao elemento subjetivo do tipo, vejamos precedentes das Cortes Superiores:

“5. O delito tipificado no artigo 89 da Lei n. 8.666/1993, pune a conduta de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade, sendo, conforme entendimento desta Corte, crime material que exige para a sua consumação a demonstração, ao menos em tese, do dolo específico de causar dano ao erário, bem como o efetivo prejuízo causado à administração pública, devendo tais elementos estarem descritos na denúncia, sob pena de ser considerada inepta (RHC 87.389/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017).” (STJ, RHC 74812/MA, Rel. p/ acórdão Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 04/12/2017).

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. PREFEITO. DESMEMBRAMENTO DO PROCESSO. LICITAÇÃO. INEXIGIBILIDADE. CRIME DO ARTIGO 89 DA LEI 8.666/93. DOLO. AUSÊNCIA DE PROVA ACIMA DE DÚVIDA RAZOÁVEL. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. 1. Havendo detentores e não detentores de prerrogativa de foro acusados no mesmo processo, o atual entendimento desta Suprema Corte aponta no sentido do desmembramento como regra, ressalvadas hipóteses excepcionais a exigirem julgamento conjunto. 1.1. Desmembramento efetivado no caso concreto, inexistente imbricação extraordinária entre as condutas dos coacusados. 2. O delito do artigo 89 da Lei 8.666/93 exige, além do dolo genérico – representado pela vontade consciente de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses legais -, a configuração do especial fim de agir, consistente no dolo específico de causar dano ao erário. Desnecessário o efetivo prejuízo patrimonial à administração pública.” (STF, AP 580/SP, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, Julgamento em 13/12/2016)

Portanto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem exigido o dolo específico de causar danos ao Erário.

O item foi ANULADO. “Houve mudança do posicionamento da jurisprudência das cortes superiores, vide julgamentos recentes STF (pleno) STJ (RESP 134944 e APN 480 MG), no sentido da exigência cumulativa da demonstração do prejuízo e da presença de dolo específico para configuração do crime previsto na legislação de licitação (art. 89 da lei 8.666/93). Dessa forma, optar-se-ia pela alteração do gabarito. Porém, conforme previsto em edital, no tópico 18.6.1, existe a possibilidade apenas de anulação dos itens. Diante disso, opta-se pela anulação.”

Com isso, encerramos a análise das questões.

Deixo um abraço a todos e até breve!

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