Artigo

Como aprender Matemática?

Neste artigo, vou explicar por que você não deve estudar Matemática decorando bizus ou truques milagrosos.

Fala, pessoal!

Tudo bem?

Antes de começar, gostaria deixar um aviso. No texto a seguir, quando falo em “memorização” ou “decoreba”, eu estou me referindo à aprendizagem mecânica, ou seja, ao aprendizado cego sem entendimento dos porquês.

Imagine que você está assistindo a uma aula de Matemática e se depara com a seguinte situação-problema.

Existem duas torneiras para encher um tanque vazio. Se apenas a primeira torneira for aberta, ao máximo, o tanque encherá em 24 horas. Se apenas a segunda torneira for aberta, ao máximo, o tanque encherá em 48 horas. Se as duas torneiras forem abertas ao mesmo tempo, ao máximo, em quanto tempo o tanque encherá?

a) 12 horas 
b) 30 horas 
c) 20 horas 
d) 24 horas 
e) 16 horas

Esse é um problema clássico de Matemática, que é cobrado há décadas nos mais diversos tipos de exames (vestibulares, concursos, …). É muito comum que professores “ensinem” a resolver esse problema da seguinte forma:

“Basta dividir o produto pela soma”.

O aluno então testa a receita milagrosa dada pelo professor:

Produto: 24 x 48 = 1152

Soma: 24 + 48 = 72

Dividir o produto pela soma: 1152/72 = 16 horas

O aluno confere o gabarito e verifica que realmente a resposta correta é a alternativa E.

O aluno fica feliz da vida porque acertou a questão e acha que agora aprendeu a resolver esse tipo de problema.

Na verdade, o aluno está tão ludibriado por ter acertado a questão que nem se preocupou em perguntar o porquê de esse bizu ter funcionado. O aluno não sabe, mas acabou de cair em uma grande armadilha: ele acha que aprendeu um assunto em Matemática, quando na verdade apenas decorou (sem entender) uma receita de bolo que resolve um problema específico.

Vou repetir: Você não aprendeu!! Você apenas decorou uma receita de bolo.

E digo mais: essa receita de bolo só serve para esse caso particular de duas torneiras trabalhando juntas desde o início.

Por exemplo, esse “bizu” não serve para problemas com três ou mais torneiras. Esse bizu não serve para 2 torneiras e um ralo que escoa a água. Esse bizu não serve se uma das torneiras começar sozinha e depois a segunda torneira começar a ajudar a primeira torneira. Qualquer alteração no enunciado desmoronará a felicidade do aluno.

Em suma, você não aprendeu nada. Você não entendeu nada. Você simplesmente decorou uma receita de bolo que serve para resolver um problema específico. E, como você simplesmente decorou sem aprender, é muito provável que essa informação fique pouco tempo armazenada no seu cérebro.

Triste, né? E olha que o aluno estava muito feliz porque acertou a questão…

Veja exemplos de problemas no mesmo estilo que não podem ser resolvidos com o bizu acima.

 (NC-UFPR 2014/TJ-PR)

Um tanque é abastecido com água por três torneiras, cada uma com uma vazão diferente, que podem ser abertas e fechadas individualmente. Quando o tanque se encontra vazio, cada uma delas é capaz de enchê-lo em 2, 5 e 10 horas individualmente. Se as três torneiras forem abertas simultaneamente, no momento em que o tanque está vazio, quanto tempo será necessário para enchê-lo?

a) 1 hora e 15 minutos.
b) 1 hora e 48 minutos.
c) 3 horas e 20 minutos. 
d) 7 horas e 12 minutos.

(FCC 2019/Prefeitura do Recife – Analista de Gestão Contábil)

Mário e Nelson trabalham em uma mesma repartição pública. Mário, trabalhando sozinho, elabora determinada tarefa em 4 horas e Nelson, trabalhando sozinho, elabora esta mesma tarefa em 6 horas. Às 8 horas e 30 minutos Mário começou a trabalhar nesta tarefa sozinho e às 9 horas e 30 minutos Nelson juntou-se a Mário dando continuidade ao trabalho. Supondo que sejam constantes os desempenhos de Mário e Nelson, o trabalho será finalizado às

(A) 10 horas e 40 minutos. 
(B) 11 horas e 18 minutos. 
(C) 10 horas e 48 minutos. 
(D) 11 horas e 30 minutos. 
(E) 11 horas e 48 minutos.

O estudante que apenas decora bizus certamente terá enormes dificuldades no médio/longo prazo. A felicidade dele é curta, pois ele consegue resolver alguns poucos problemas apenas no momento que decorou o bizu.

Quando você decora um bizu, você vira refém da situação específica em que o bizu pode ser aplicado.

No momento em que você precisar adaptar a Matemática para uma situação-problema diferente, dificuldades enormes surgirão.

Focar em memorizar fórmulas, truques e bizus é simplesmente o pior hábito que você pode desenvolver ao estudar Matemática. Os bons estudantes de Matemática focam em entender a teoria e métodos que os permitem resolver vários tipos de problemas.

Assim, como dizia o grande Professor Morgado: “Você quer mostrar que é bom ou quer que seus alunos aprendam? Se você prefere a segunda alternativa, resista à tentação de em cada problema buscar a solução mais elegante. O que deve ser procurado é um método que permita resolver muitos problemas e não um truque que resolva maravilhosamente um único problema. A beleza de alguns truques só pode ser apreciada por quem tem domínio dos métodos. É impossível aprender alguma coisa apenas com truques em vez de métodos.”

Na minha experiência, apenas os “maus alunos” em Matemática ficam preocupados em decorar bizus e casos particulares. Na verdade, eles estão em busca de um remédio milagroso que os faça aprender Matemática da noite para o dia. Amigo, isso é impossível!

Por outro lado, os “bons alunos”, ou seja, os que possuem alto rendimento em Matemática, estão preocupados em entender os porquês. Decorar não é o mesmo que entender.

Eu não estou dizendo que decorar não faz parte do aprendizado da Matemática. Estou apenas dizendo que esse não pode ser o seu meio de aprendizado. Decorar será a consequência depois de muita prática em cada assunto. Se você entende o que está acontecendo, memorizar não será difícil.

Não baseie o seu aprendizado em Matemática em processos mnemônicos. O seu objetivo tem que ser entender como e por que tudo funciona. Para tanto, você terá que realmente trabalhar os problemas matemáticos, pensando nos porquês em cada uma das etapas.

Em Matemática, o que você é capaz de fazer com as ferramentas que aprendeu é muito mais importante do que os bizus que você pode memorizar.

A maneira como você memoriza teoremas ou definições em Matemática deve ser a mesma maneira como você lembra o que você fez nas suas últimas férias ou como você conheceu um amigo. Toda ideia matemática tem uma história que você cria quando você estuda e descobre a ideia.

Pense no processo pelo qual você passou ao estudar e aprender um assunto pela primeira vez. Tente reconstruir a ideia e o processo em sua memória. Normalmente, o professor utilizará exemplos bem práticos para te ajudar no processo de entendimento do assunto. Se você não tem nenhuma história, nenhum exemplo ou nenhum processo para lembrar sobre tal assunto, então você não aprendeu suficientemente a matéria a ponto de lembrar.

Todo tópico de Matemática deve se tornar seu e você deve sentir como uma história ou evento que ocorreu em sua vida. Até lá, você não está aprendendo de fato e terá severas dificuldades para lembrar de tudo.

É preciso chegar em um meio termo entre os dois extremos seguintes:

i) Decorar é o inimigo. É o antônimo de pensamento crítico e aprendizagem conceitual. Defensores do decoreba são soldados cegos marchando por uma tradição ultrapassada.

ii) O decoreba é uma ferramenta essencial para os alunos. É o caminho mais seguro para reter fatos importantes.

Eu penso da seguinte forma: decoreba é um atalho geralmente ruim. Simplesmente decorar é melhor do que não fazer nada, mas não é tão duradouro, eficaz e poderoso quanto a aprendizagem significativa.

A matemática é uma linguagem.  Em qualquer idioma, a memorização do vocabulário rapidamente se torna inútil, se não estiver associado ao uso ativo.  Certamente, memorizar um dicionário inteiro em Inglês antes de tentar formular a primeira frase em Inglês não é o caminho certo para aprender a língua.  Você deve aprender algumas palavras básicas e praticar usando-as em todos os tipos de combinações até se sentir confortável com suas propriedades. Em seguida, aprenda mais algumas palavras, mais algumas regras gramaticais, e pratique-as intensamente também, usando-as em frases juntamente com as palavras que você aprendeu anteriormente, observando instâncias corretas e incorretas dessa regra gramatical.  A cada vez, você se expande cada vez mais, trazendo aspectos mais complexos do idioma, aprendendo mais vocabulário como parte natural da expansão de suas instalações gerais com o idioma.

 A parte mais importante é que você pratica o uso da linguagem, expressando seus próprios pensamentos com ela.  A memorização de um dicionário nunca lhe ensinará o idioma, nem a memorização de livros ou artigos que o utilizam.  Ler com compreensão é muito melhor.  Ler com compreensão, juntamente com o uso do idioma na conversa e na escrita sempre que possível, é ideal.  É a melhor maneira de praticar o vocabulário e a gramática que você aprendeu de um professor ou livro e verificar se realmente o entende. Essa memorização inconsciente é, em última análise, muito mais importante.

Em matemática, não usamos nossas bocas, mas nossas mentes.  Pense nos exercícios de um livro como uma conversa.  Você deve responder da melhor maneira possível na linguagem da matemática, usando o vocabulário e a gramática que aprendeu até agora.  Observe que conhecer muito vocabulário e gramática não permite, por si só, participar das conversas mais rudimentares – você precisa ter algo a dizer primeiro e praticar expressá-lo no idioma. Não são coisas que se possa praticar passivamente.  Portanto, sem dúvida, o aprendizado de matemática requer uma imensa quantidade de pensamento ativo.

“A única maneira de aprender Matemática é fazendo Matemática”. – Paul Halmos.

O mesmo pode ser aplicado em diversas outras ciências e áreas do conhecimento humano.

Posso dizer-lhe que, quando adicionamos um ácido e uma base, você obterá água e sal. Você pode memorizar essas palavras e repeti-las de volta para alguém. Se eu lhe perguntasse em um teste o que acontece quando eu coloco um ácido e uma base juntos, você pode escrever ou escolher a resposta que diz que forma água e sal.

Mas, você entende o que é um ácido, o que é uma base e exatamente por que e como a água e o sal são formados? Essas partes são os “conceitos”. Se a pergunta em teste for “Quais compostos são formados quando você mistura hidróxido de sódio com ácido clorídrico?” e a única coisa que você fez foi memorizar um ácido + uma base = água + sal – você poderia obter a resposta correta?

Uma maneira de saber a resposta para a questão do hidróxido de sódio é se você memorizou todas as combinações possíveis de ácido / base e os resultados. Mas, isso não é muito prático nem é um uso útil do tempo. Por outro lado, se você tiver uma compreensão completa do que é um ácido e o que é uma base e como eles funcionam em nível molecular, você pode responder à pergunta referente a qualquer ácido ou base comum que eu fornecer.

Depois que você entender isso em um nível simples com os tipos mais comuns de ácidos e bases, poderá desenvolver os conceitos para entender os tipos mais difíceis de reações ácido / base.

Não é possível construir muito com base nas informações memorizadas que ácido + base = sal + água.  Você só pode evoluir para o próximo nível se entender primeiro o básico.

Eu usei um conceito químico, porque achei que era um exemplo bastante direto.

Mas isso é verdade, não importa quais assuntos você estuda. Provavelmente é mais fácil ver exemplos de ciência, matemática e engenharia, mas, mesmo em coisas mais abstratas, é verdade. Eu poderia informar a você as relações econômicas, políticas e sociais dos EUA e do Japão. Entretanto, seria muito difícil para você realmente entender isso sem saber sobre a Segunda Guerra Mundial e as consequências imediatas.

No ensino médio e, talvez, na universidade, frequentemente, suas provas requeriam simplesmente memorização antes da prova e você regurgitava tudo no papel. Em seguida, você esquecia tudo que havia decorado.

O estudo para concursos é muito diferente. Simplesmente decorar não vai resolver a sua vida. As matérias serão construídas e absorvidas pelo seu cérebro ao longo de meses ou anos e não apenas dias/semanas. Se você não entende realmente o que está estudando, você não terá sucesso.

Lembre-se: o tempo que você leva para entender algo é similar ao tempo que você levaria para simplesmente decorar e, é claro, os exercícios e provas serão muito mais fáceis se você entender em vez de simplesmente decorar.

Guilherme Neves

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Veja os comentários
  • Esse texto é muito rico!!! Parabéns, professor Guilherme.
    Rafael em 01/03/20 às 22:53
  • O professor Guilherme é muito bom. É o melhor que conheço quando o assunto é raciocínio lógico (proposições, verdades e mentiras, calendários, sequências etc). Obrigado pelo texto, professor!
    Júnior em 25/12/19 às 17:20
  • Estou estudando matemática e raciocínio lógico para o TJ/RJ e estou simplesmente adorando. Quem dera pudesse ter tido professores assim na época de estudos primário e secundário, eu teria o maior prazer em ter estudado matemática. Mas nunca é tarde para aprender. Sigo firme nos meus objetivos. Abraços e bons estudos a todos.
    Julio Barbosa da Silva em 22/12/19 às 17:00
  • Estou estudando matemática e raciocínio lógico para o TJ/RJ e estou simplesmente adorando. Quem dera pudesse ter tido professores assim na época de estudos primário e secundário, eu teria o maior prazer em ter estudado matemática. Mas nunca é tarde para aprender. Sigo firme nos meus objetivos. Abraços e bons estudos a todos.
    Julio Barbosa da Silva em 22/12/19 às 17:00
  • Gostei de mais do artigo professor, explicou pontos que ainda não tinha prestado atenção. Por isso não passou hj em uma prova não significa que não irá passar apenas leva um tempo para consolidar a matéria em sua mente!
    Gerffson Andrade em 22/12/19 às 13:52
  • Ótimo artigo. Obrigada!
    Marisa Ataliba em 22/12/19 às 12:22
  • Guilherme, obrigado por ensinar matemática do jeito que você ensina!
    Bruno em 22/12/19 às 09:33