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Tema quente para PGM-RJ 2019 – Responsabilidade Civil do Estado – STF – Repercussão Geral

Olá, pessoal!

Meu nome é Rodrigo Vaslin, sou Juiz Federal do TRF4 e Professor de Processo Civil do Estratégia Concursos.

Neste artigo, iremos comentar um tema quente para a prova de Procurador do Município do Rio de Janeiro, qual seja, composição do polo passivo em demandas contra o ente público, bem como possibilidade do referido ente denunciar à lide o agente público.

Pois bem.

A doutrina administrativista destaca que a responsabilidade do Estado, com fulcro no art. 37, §6º, CRFB, é fundada na teoria do risco administrativo.

Por conta dessa teoria, o Estado poderá eximir-se do dever de indenizar caso prove alguma causa excludente de responsabilidade:

a) caso fortuito ou força maior;

b) culpa exclusiva da vítima;

c) culpa exclusiva de terceiro.

Ademais, a doutrina ainda faz a seguinte diferenciação:

Atos comissivos Atos omissivos
O dispositivo exige dolo ou culpa para que o agente público responda regressivamente, mas não faz esta mesma exigência para que o Estado tenha que indenizar. Logo, interpreta-se que a exigência de dolo ou culpa é unicamente para a ação regressiva. Haverá, portanto, responsabilidade objetiva do Estado pelos danos que seus agentes públicos causarem a terceiros. Omissão específica Estado está na condição de garante. Há responsabilidade objetiva do Estado, pois ele tem o dever específico de agir. Ex: morte de um detendo em rebelião no presídio. O Estado tem o dever específico de proteger a integridade física dos presos que estão sob sua custódia. Omissão genérica Não se exige do Estado uma ação específica, sendo que sua inação não é causa direta e imediata da ocorrência do dano. Há responsabilidade subjetiva, devendo a vítima comprovar a falta de serviço (culpa anônima) do Estado. Ex: sujeito é assaltado e quer do Estado indenização, pois este não cumpriu com seu dever de garantir segurança à população. Aqui, a omissão do Estado é genérica, devendo o sujeito comprovar a culpa do Estado naquele caso concreto que tenha sido causa direta e imediata do seu dano. Como exemplo, comprovar que havia um policial ao lado e que ele não fez nada. Há necessidade de demonstrar a falta do serviço, a culpa anônima do Estado.

Nos casos em que o Estado é pode ser responsabilizado, há uma divergência doutrinária sobre quem deverá compor o polo passivo.

1ª corrente (Celso Antônio, Carvalho Filho, STJ[1]): A vítima tem a possibilidade de escolher quem deverá compor o polo passivo, podendo optar por demandar:

i- somente o Estado. Nesse caso, o autor não precisará comprovar dolo ou culpa, já que a responsabilidade do Estado é objetiva.

Doutro lado, caso ganhe a contenda, receberá apenas por meio de precatórios, o que poderá demorar significativamente.

ii- somente o agente público. Aqui, o autor terá que comprovar o dolo ou culpa, já que a responsabilidade do agente é subjetiva. Em acréscimo, caso ganhe a contenda, pode ser que não encontre bens a penhorar em nome do devedor servidor público.

Doutro lado, a execução contra o indivíduo (servidor) é mais simples e célere.

iii- Estado e agente público, em litisconsórcio passivo.

2ª corrente (José Afonso da Silva, STF[2]): O art. 37, §6º da CRFB consagrou a tese da dupla garantia, isto é:

A primeira garantia se dirige ao particular lesado, que poderá ajuizar a demanda contra o Estado, que tem recursos para pagar sem ter que provar que o agente público agiu com dolo ou culpa.

A segunda garantia se destina ao próprio agente público que causou o dano, que só pode ser responsabilizado se for acionado pelo Estado, depois, em demanda regressiva.

Ora, o agente público atua com base na impessoalidade. E, pela teoria da imputação, o agente público atua em nome do Estado, e não em nome próprio, de modo que não deve ser colocado no polo passivo nessa demanda.

Pois bem.

A referida celeuma não tinha sido, até então, pacificada por meio de um precedente obrigatório, de modo que, em provas objetivas, não se via cobrança do tema.

O máximo que já foi cobrado foi o seguinte:

CESPE/PGE-AM/2016: Pedro, motorista da Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas, conduzia um veículo do referido ente público, quando provocou acidente automobilístico que resultou na incapacidade física e mental de Flávio. Após a interdição de Flávio, seu advogado pretende ajuizar ação de reparação de danos materiais e morais.

Com referência a essa situação hipotética, julgue o item que se segue.

A ação de reparação de dano exige a formação de litisconsórcio passivo necessário em que deverão figurar como demandados o motorista Pedro e a Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas.

Percebam que, na questão, não foi exigida a adoção de nenhuma das duas correntes.

Isso porque, mesmo que adotássemos a corrente do STJ, o litisconsórcio passivo entre Estado e agente público não seria necessário, mas sim facultativo.

Mas amigos, essa questão foi em 2016.

Se hoje fosse cobrada, em prova objetiva, uma posição sobre essas duas correntes, quais vocês deveriam adotar?

A segunda corrente, sempre defendida pelo STF.

Qual o motivo?

No dia 14/08/2019, ao julgar o RE 1.027.633 em sede de repercussão geral, o STF fixou a seguinte tese:

“A teor do disposto no artigo 37 parágrafo 6º da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica prestadora do serviço público, sendo parte ilegítima passiva o autor do ato, assegurado o direito de regresso pelo Estado contra o responsável em caso de dolo ou culpa”.

Fiquem ligados, já que o tema responsabilidade civil do Estado é queridinho das bancas examinadoras.

Ainda dentro desse tema, vocês poderiam me perguntar: E se o Estado é demandado e resolve denunciar à lide o agente público? Pode?

1ª corrente (restritiva – Nelson Nery, STF): não é permitida a denunciação quando se introduz argumento novo na demanda. No caso em exame, o argumento novo seria a culpa ou o dolo do agente, uma vez que a responsabilidade do Estado é objetiva e do agente é subjetiva.

Embora a denunciação da lide não tenha sido discutida no julgamento do RE 1.027.633, é a tese que deve prevalecer.

2ª corrente (ampliativa – Dinamarco):  não há limitação legal, uma vez que a redação do art. 125, II é aberta para que se inclua qualquer tipo de garantia. Ademais, para fins de harmonização entre julgados, também seria interessante essa possibilidade.

Alguns julgados do STJ são nesse sentido. Eles chegam a dizer que a denunciação da lide não é obrigatória (podendo depois entrar com ação de regresso), mas é possível.

A  jurisprudência  desta  Corte  firmou entendimento de que, nas ações  indenizatórias decorrentes da responsabilidade civil objetiva do  Estado,  não  é  obrigatória  a denunciação à lide. Precedentes: AgInt  no  AREsp. 1.071.054/PI, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe  31.8.2017;  REsp.  1.666.024/BA, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 30.6.2017. 2.  Agravo  Interno  do  DEPARTAMENTO  NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES-DNIT desprovido. (AgInt no REsp 1514462/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia, d.j. 28/11/2017).

Contudo, em outros julgados, o STJ[3] mantém decisões de Tribunais de segundo grau que indeferem a denunciação da lide em observância ao princípio da economia processual e objetivando a celeridade da tutela jurisdicional, uma vez que a parte autora ingressou com a ação de indenização por ato ilícito, com fundamento na responsabilidade objetiva do Estado, enquanto que a responsabilidade do agente é subjetiva.

Portanto, não há um posicionamento tão pacífico do STJ neste momento.

3ª corrente (intermediária – Didier): a questão deve ser resolvida casuisticamente, pois não há vedação legal. O juiz deve avaliar com base na proporcionalidade, verificando se a inclusão do argumento novo ferirá ou não a razoável duração do processo. 

Vejam que a pertinência ou não da denunciação à lide do servidor público caiu, inclusive, no último certame da PGM-RJ, em 2011.

“Exponha o candidato os argumentos favoráveis e contrários à denunciação da lide do servidor público estável, pelo Município, na ação de indenização contra este proposta pela vítima do ato ilícito praticado pelo primeiro”.

A meu ver, não há dúvida alguma que, em algum momento, essa temática será cobrada no concurso que está por vir.

Todos preparados?

No mais, sigo à disposição pelo instagram @rodrigovaslin e pelo e-mail [email protected].

Grande abraço, meus amigos.

Rodrigo Vaslin


[1] 4ª Turma do STJ no REsp 1.325.862-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5/9/2013.

[2] 1ª Turma do STF no RE 327904, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 15/08/2006; RE 344133, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 09/09/2008; RE 720275/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 10/12/2012

[3] REsp 1348788/RS, Rel. Min. Diva Malerbi, d.j. 17/05/2016.

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Veja os comentários
  • Excelente, Mestre.
    Victor Hugo em 29/08/19 às 12:12
  • Excelente professor! Já estou seguindo.
    Leiliane em 20/08/19 às 22:01
  • Texto maravilhoso. Obrigada.
    Maria Souza em 17/08/19 às 07:40