Informativo STJ 872 Comentado
1. Regressão cautelar de regime e oitiva do apenado (Tema 1347/STJ)
Destaque
A regressão cautelar de regime prisional pode ser decretada sem prévia oitiva do apenado, desde que mediante decisão judicial fundamentada, por se tratar de medida provisória amparada no poder geral de cautela do juízo da execução.
REsp 2.166.900-SP, REsp 2.153.215-RJ e REsp 2.167.128-RJ, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, por unanimidade (Tema 1347).
Conteúdo-Base
📎 LEP, art. 118, I e § 2º (regressão definitiva; exige procedimento e oitiva).
📎 CPC, arts. 926 e 927, III (jurisprudência estável; força vinculante do repetitivo).
📎 CPC, arts. 1.036 e 1.037 (rito dos recursos repetitivos).
📚 A regressão de regime comporta duas modalidades: definitiva (sancionatória) e cautelar (processual).
📍 A regressão cautelar tem natureza semelhante à prisão provisória e visa preservar os objetivos da execução penal.
📍 A exigência de oitiva prévia inviabilizaria a eficácia imediata da medida cautelar.
📍 O contraditório é diferido: a oitiva ocorre no procedimento de apuração da falta grave.
Discussão e Tese
📣 A Terceira Seção delimitou o alcance do art. 118 da LEP, afastando sua aplicação automática à regressão cautelar. Explicou que a norma disciplina apenas a regressão definitiva, de natureza sancionatória, enquanto a regressão cautelar opera como tutela de urgência, fundada no poder geral de cautela do juízo da execução.
⚖️ O STJ ressaltou que a ausência de oitiva prévia não suprime o contraditório, que apenas é postergado. A medida é válida até a apuração definitiva da falta, desde que haja fundamentação concreta quanto à necessidade, considerando histórico do apenado e riscos à disciplina prisional.
Como será Cobrado em Prova
📃 A regressão cautelar de regime depende de prévia oitiva do apenado, nos termos do art. 118, I, da LEP.
❌ Errado. A exigência de oitiva aplica-se à regressão definitiva, não à cautelar. O contraditório na regressão cautelar é diferido, devendo a oitiva do apenado ocorrer no procedimento posterior de apuração da falta grave.
Versão Esquematizada
| 📌 Regressão cautelar – Tema 1347 |
| 📍 Natureza provisória e processual 📍 Dispensa oitiva prévia 📍 Contraditório diferido 📍 Fundamentação judicial indispensável |
Inteiro Teor
Afetação como Recurso Especial Repetitivo dos paradigmas REsp 2.166.900-SP, REsp 2.153.215-RJ e REsp 2.167.128-RJ, nos termos dos arts. 1.036 e 1.037 do Código de Processo Civil, como tema repetitivo n. 1347 do STJ, para formação de precedente vinculante (CPC, art. 927, III).
A controvérsia consiste em definir se é necessária a prévia oitiva do apenado para que lhe seja imposta a suspensão cautelar (regressão provisória) do regime prisional mais favorável quando constatado o possível cometimento de falta disciplinar grave ou de fato definido como crime doloso.
Há duas situações em que se pode considerar a regressão de regime: uma definitiva e outra provisória ou cautelar.
A primeira, expressamente regulada pelo art. 118, I e § 2º, da Lei de Execução Penal, e que produzirá efeitos consolidados, só pode ocorrer após a finalização do procedimento necessário, devendo contar com a oitiva do apenado.
Já a segunda situação em que se mostra necessária a regressão de regime é a suspensão provisória ou regressão cautelar. Nela, a medida é adotada de modo liminar, como verdadeira tutela de urgência, a fim de que se possa garantir, de modo imediato, a preservação do adequado cumprimento da pena.
Como se pode concluir, a finalidade de cada tipo de regressão de regime é distinta. Enquanto a regressão definitiva possui caráter sancionatório, a regressão cautelar possui natureza processual e assemelha-se a uma prisão provisória, com aplicação imediata e durante a apuração da falta, o que seria impossível ou inócuo se fosse imposta a prévia oitiva do reeducando.
Mostra-se inaplicável, portanto, o art. 118, I e § 2º, da Lei de Execução Penal, pois a regressão cautelar é fundamentada no poder geral de cautela do juízo da execução e na necessidade de preservação dos objetivos da execução penal, tais como o da ressocialização do indivíduo, conforme entendimento há muito estabilizado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, embora seja impositivo o reconhecimento de sua possibilidade, a regressão cautelar do regime prisional depende de decisão judicial fundamentada. A demonstração da necessidade da medida, que pode levar em consideração elementos de interesse do caso concreto, tais como o histórico do apenado e os riscos à disciplina, entre outros, será objeto de deliberação do juízo da execução.
Ainda, trata-se de medida de caráter provisório e precário, válida apenas até a apuração da falta grave, devendo a oitiva do reeducando ocorrer assim que possível, com instauração do procedimento cabível para a apuração definitiva do fato, com observância dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Ante o exposto, para os fins de julgamento sob o rito dos recurso repetitivos, fixa-se a seguinte tese do tema repetitivo n. 1347 do STJ: A regressão cautelar de regime prisional é medida de caráter provisório e está autorizada pelo poder geral de cautela do juízo da execução, podendo ser aplicada, mediante fundamentação idônea, até a apuração definitiva da falta.
A tese apresentada para observância de juízes e tribunais (CPC, art. 927, III) reafirma o entendimento consolidado sobre a questão e atende ao propósito de manutenção da jurisprudência “estável, íntegra e coerente” a que alude o art. 926 do CPC sem necessidade de determinação da modulação de efeitos, autorizada pelo art. § 3º do art. 927 do CPC.
2. Ação civil pública e honorários – associação civil autora
Destaque
É cabível a condenação da parte ré ao pagamento de honorários advocatícios quando a ação civil pública for ajuizada por associação ou fundação privada, não se aplicando o princípio da simetria previsto no art. 18 da Lei n. 7.347/1985.
EREsp 1.304.939-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. p/ acórdão Min. Nancy Andrighi, Corte Especial, por maioria.
Conteúdo-Base
📎 Lei n. 7.347/1985, art. 18 (ACP; isenção de honorários salvo má-fé).
📎 CF, art. 5º, XXXV (acesso à justiça).
📎 Princípio da simetria (aplicável apenas a legitimados públicos).
📚 A isenção de honorários foi concebida para entes públicos e o Ministério Público.
📍 Associações civis não se equiparam estruturalmente ao Estado ou a grandes litigantes institucionais.
📍 A condenação em honorários estimula a atuação da sociedade civil organizada na tutela coletiva.
Discussão e Tese
📣 A Corte Especial distinguiu as hipóteses em que a ACP é ajuizada por legitimados públicos daquelas propostas por associações privadas. Observou que o raciocínio da simetria — ausência de honorários para autor e réu — foi construído a partir da atuação do Ministério Público e da União, não abrangendo automaticamente associações civis.
⚖️ O STJ enfatizou que negar honorários nessas hipóteses desestimula o controle social e restringe o acesso à justiça coletiva. Como associações não dispõem do mesmo aparato institucional do Estado, a condenação da parte vencida em honorários é compatível com o art. 18 da LACP e com a finalidade do microssistema coletivo.
Como será Cobrado em Prova
📃 Em toda ação civil pública, a parte ré é isenta do pagamento de honorários advocatícios, salvo comprovada má-fé.
❌ Errado. A isenção não se aplica quando a ACP é ajuizada por associação ou fundação privada.
📃 O princípio da simetria em honorários advocatícios restringe-se às ações civis públicas propostas por legitimados públicos, não alcançando associações civis.
✅ Correto. Essa distinção foi o núcleo do julgamento da Corte Especial.
Versão Esquematizada
| 📌 ACP – honorários |
| 📍 Simetria → MP e entes públicos 📍 Associações privadas → honorários cabíveis 📍 Acesso à justiça coletiva 📍 Distinção entre legitimados |
Inteiro Teor
A questão em discussão consiste em decidir se o réu vencido em ação civil pública ajuizada por associação civil é isento do pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça já fixou o entendimento no sentido da impossibilidade de condenação da parte ré em ação civil pública em honorários advocatícios, salvo comprovada má-fé, à luz do princípio da simetria, em consonância com o art. 18 da Lei n. 7.347/1985.
Observa-se, contudo, que em julgamentos da Corte Especial, a questão ficou adstrita à aplicação do princípio da simetria à parte demandada na ação civil pública quando ajuizada pelo Ministério Público ou pela União. Não se discutiu a matéria sob a perspectiva de ser a parte autora da ação civil pública associação civil.
Em outras palavras, o raciocínio jurídico desenvolvido para subsidiar a tese arrimada no princípio da simetria levou em consideração apenas as hipóteses nas quais a ação civil pública é ajuizada pelo Ministério Público ou por ente público. Assim, a matéria não se encontra pacificada.
Ademais, as Segunda e Terceira Turmas, em julgamentos recentes, têm adotado uma ressalva ao entendimento sufragado pela Corte Especial, justamente quando se tratar de associações ou fundações privadas no polo ativo da ação civil pública, sobrelevando a necessidade de se garantir maior acessibilidade a Justiça para a sociedade civil organizada, bem como a impropriedade de se pretender equiparar organizações não governamentais a grandes grupos econômicos/instituições do Estado.
| Assim, deve ser reafirmada a jurisprudência da Corte Especial, no sentido de que, quando a ação civil pública é ajuizada pelo Ministério Público ou por ente público, pelo princípio da simetria, é descabida a condenação da parte ré em honorários advocatícios, salvo comprovada má-fé, consoante o art. 18 da Lei n. 7.347/1985. |
Não obstante, esse entendimento não se aplica quando a parte autora da ação civil pública é associação ou fundação privada, diante da necessidade de se garantir maior acessibilidade à Justiça para a sociedade civil organizada, bem como da impropriedade de se equiparar organizações não governamentais a grandes grupos econômicos/instituições do Estado.
3. Representação processual nos embargos de divergência
Destaque
É inexistente o recurso interposto na instância especial sem procuração válida outorgada em data anterior à sua interposição, não sendo sanável a irregularidade por mandato posterior, salvo hipóteses legais de urgência.
AgInt no EAREsp 1.742.202-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, por maioria.
Conteúdo-Base
📎 CPC/2015, art. 104 (postulação em juízo; mandato prévio).
📎 CPC/2015, arts. 76 e 932 (não saneamento do vício → não conhecimento).
📎 Súmula n. 115/STJ (recurso inexistente sem procuração na instância especial).
📚 A regular representação é pressuposto de existência do recurso no STJ.
📍 Mandato posterior não convalida a interposição irregular.
📍 Exceções exigem demonstração de urgência para evitar preclusão, decadência ou prescrição.
Discussão e Tese
📣 A Corte Especial reafirmou a atualidade da Súmula n. 115/STJ mesmo após o CPC/2015. Destacou que a disciplina dos arts. 76 e 932 do CPC não autoriza saneamento quando inexistente pressuposto essencial no momento da interposição do recurso.
⚖️ O STJ esclareceu que a exceção legal — atuação sem mandato em situações urgentes — exige justificativa expressa e contemporânea. A simples juntada posterior de procuração, sem demonstração de urgência, não supre o vício e conduz ao não conhecimento do recurso.
Como será Cobrado em Prova
📃 A juntada posterior de não procuração supre a ausência de mandato na interposição de embargos de divergência.
✅ Correto. O mandato deve ser anterior ao recurso, sob pena de inexistência.
📃 Apenas situações excepcionais de urgência, devidamente justificadas, autorizam a atuação sem procuração na instância especial.
✅ Correto. Essa é a única hipótese legalmente admitida.
Versão Esquematizada
| 📌 Representação processual – STJ |
| 📍 Mandato prévio é indispensável 📍 Procuração posterior não convalida 📍 Súmula 115/STJ mantida 📍 Exceção: urgência justificada |
Inteiro Teor
Com base no art. 37 do CPC de 1973, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n. 115/STJ, segundo a qual: Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procuração nos autos. (Corte Especial, em 27/10/1994, publicada no DJ de 7/11/1994).
O conteúdo do art. 37 do CPC/73 foi replicado pelo art. 104 do CPC de 2015, não havendo que se falar, portanto, em superação do referido enunciado sumular.
Ademais, nos termos dos arts. 76 e 932 do CPC de 2015, a consequência do não saneamento do vício de representação processual enseja o “não conhecimento”/”inadmissibilidade” do recurso, o que se coaduna com a “inexistência” propugnada na Súmula n. 115/STJ.
Considerando a adequação da citada súmula mesmo após a vigência do CPC de 2015, o STJ pacificou o entendimento de que, para suprir vício de representação processual nesta instância especial, não basta a juntada de procuração ou substabelecimento, revelando-se necessário que a outorga de poderes tenha sido conferida em data anterior à da interposição do respectivo recurso.
Dessa forma, tanto sob a égide do CPC de 1973 quanto do atual código, é de rigor que o advogado (regularmente inscrito na OAB) tenha procuração com outorga de poderes pela parte a fim de exercer a sua regular representação em juízo.
Apenas excepcionalmente é permitido ao advogado postular em juízo sem o correspondente instrumento de mandato, devendo a situação ser devidamente justificada nos autos nas hipóteses expressamente indicadas na lei processual civil para evitar perecimento de direitos (preclusão, decadência ou prescrição, ou para praticar ato considerado urgente). Em outras palavras, nestas hipóteses, o advogado deve claramente explicar nos autos porque praticou o ato sem a contemporânea procuração, indicando a ocorrência excepcional de situação de preclusão, decadência ou prescrição, ou para a prática de ato considerado urgente.
No caso, verifica-se que os poderes conferidos ao signatário dos embargos de divergência no substabelecimento juntado aos autos somente foram outorgados em data posterior ao da interposição do recurso, sem que houvesse a respectiva justificativa para tanto.
Assim, não se deve conhecer do respectivo recurso, sobretudo porque este comportamento processual nesta instância especial encontra-se em dissonância ao previsto na legislação processual civil e na consolidada jurisprudência desta Corte.
4. Desapropriação para reforma agrária e juros compensatórios (ação rescisória)
Destaque
Em desapropriação para fins de reforma agrária, é cabível a desconstituição parcial do título judicial que reconheceu juros compensatórios sem prova da produtividade do imóvel ou da efetiva perda de renda, por contrariar o entendimento firmado pelo STF na ADI 2.332/DF.
AR 7.096-PA, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 2/10/2025.
Conteúdo-Base
📎 CF, art. 184 (desapropriação para reforma agrária).
📎 DL 3.365/1941, art. 15-A, §§ 1º e 2º (juros compensatórios; exigência de prova de produtividade/perda de renda).
📎 CPC/1973, art. 543-C (precedentes repetitivos à época).
📎 ADI 2.332/DF (STF) (constitucionalidade do art. 15-A; necessidade de comprovação do prejuízo).
📚 Juros compensatórios visam compensar a perda antecipada da renda e a expectativa de exploração econômica, não sendo devidos automaticamente.
📍 A mudança jurisprudencial do STF tem aplicabilidade imediata aos casos em que a imissão na posse ocorreu após a cautelar na ADI 2.332.
📍 A rescisão é parcial, limitada ao capítulo dos juros, preservando os demais comandos do título.
Discussão e Tese
📣 A Primeira Seção examinou título formado sob jurisprudência então vigente, que admitia juros compensatórios independentemente da produtividade do imóvel. Com o julgamento de mérito da ADI 2.332/DF, o STF superou essa orientação, exigindo prova concreta de produtividade ou de efetiva perda de renda para a incidência dos juros.
⚖️ Considerando que a imissão na posse ocorreu após a cautelar da ADI, o STJ reconheceu a contrariedade direta ao entendimento constitucional superveniente, autorizando a ação rescisória para adequar o título à nova interpretação, sem violar segurança jurídica, pois não se trata de retroatividade vedada, mas de aplicação imediata de precedente constitucional vinculante.
Como será Cobrado em Prova
📃 Em desapropriação para reforma agrária, os juros compensatórios só são devidos se o imóvel for produtivo.
✅ Correto. Após a ADI 2.332/DF, exige-se prova da produtividade ou da perda efetiva de renda.
Versão Esquematizada
| 📌 Reforma agrária – juros compensatórios |
| 📍 STF (ADI 2.332) → prova de produtividade/perda de renda 📍 Imissão após a cautelar → aplicação imediata 📍 Rescisão parcial do título 📍 Evita pagamento automático indevido |
Inteiro Teor
No caso, a ação rescisória objetiva desconstituir o capítulo do título executivo formado na ação de desapropriação relativo aos juros compensatórios.
O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a medida liminar na ADI n. 2.332/DF, em setembro de 2001, suspendeu a eficácia dos §§ 1º e 2º do art. 15-A do Decreto-Lei n. 3.365/1941, com fundamento em ofensa ao princípio constitucional da prévia e justa indenização, entendendo que os juros compensatórios seriam devidos mesmo que o imóvel não gerasse renda ao proprietário.
Nessa linha, a Primeira Seção, do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.116.334/PI, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil/1973 (CPC/1973) decidiu que “eventual improdutividade do imóvel não afasta o direito aos juros compensatórios, pois esses restituem não só o que o expropriado deixou de ganhar com a perda antecipada, mas também a expectativa de renda, considerando a possibilidade do imóvel ‘ser aproveitado a qualquer momento de forma racional e adequada, ou até ser vendido com o recebimento do seu valor à vista'” (REsp 1.116.364/PI, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe 10/09/2010).
O acórdão rescindendo, portanto, amparando-se na jurisprudência da época, admitiu a incidência de juros compensatórios na ação de desapropriação, por interesse social, para fins de reforma agrária, ainda que o imóvel seja improdutivo.
Ocorre que o STF, em 2018, ao julgar o mérito da ADI n. 2.332/DF, superou aquele entendimento anterior e reconheceu a constitucionalidade, dentre outros dispositivos, dos §§ 1º e 2º do art. 15-A do Decreto-Lei n. 3.365/1941.
Dito isso, verifica-se que, no caso, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA foi imitido na posse do imóvel em 18/12/2007, ou seja, após a concessão da Medida Cautelar na ADI n. 2.332, DJU 13/09/2001, que, com fundamento na prévia e justa indenização, suspendera ex nunc a eficácia dos §§ 1º e 2º do art. 15-A do Decreto-Lei n. 3.365/1941.
Na época, como visto, em razão da desnecessidade de comprovação do prejuízo do expropriado, para a incidência das taxas de juros compensatórios, não se fazia qualquer análise sobre o que o imóvel rural de fato produzia.
Assim, em se tratando de desapropriação para reforma agrária, nos termos do art. 184 da Constituição Federal/1988, em que se permitiu a incidência de juros compensatórios independentemente da avaliação acerca do grau de produtividade do imóvel ou da perda efetiva da renda pelo expropriado, impõe-se, em juízo rescindente, a desconstituição parcial do decisum rescindendo, no que tange à aplicação desses juros, porque contrário ao entendimento consolidado na ADI n. 2.332/DF pelo STF.
5. Guarda de criança, violência doméstica e competência (juízo imediato)
Destaque
É competente o juízo do local onde a criança exerce atualmente e com regularidade seu direito à convivência familiar, sobretudo diante de indícios de violência doméstica, em atenção aos princípios do melhor interesse e do juízo imediato.
Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 12/11/2025.
Conteúdo-Base
📎 ECA, art. 147 (juízo imediato; proteção integral).
📎 Súmula 383/STJ (foro do domicílio do detentor da guarda – regra mitigável).
📎 CF, art. 227 (prioridade absoluta dos direitos da criança).
📎 ADIs 4.245 e 7.686 (STF) (violência doméstica e proteção da criança em conflitos de guarda).
📚 A guarda faz coisa julgada in rebus sic stantibus, admitindo modificação conforme a realidade fática.
📍 Indícios de violência doméstica justificam a mitigação da regra formal de competência.
📍 O juízo do local onde a criança está integrada tem melhores condições de proteção e instrução.
Discussão e Tese
📣 A Segunda Seção ponderou que a fixação da competência não pode ignorar mudanças fáticas relevantes, especialmente quando a alteração de domicílio decorre de busca por proteção contra violência. A regra da Súmula 383 não é absoluta e deve ceder diante do melhor interesse da criança.
⚖️ O STJ destacou que o juízo do local de residência atual reúne melhores condições para avaliar riscos, ouvir a rede de proteção e decidir com maior proximidade da realidade vivida. Ausente prova de fraude processual na mudança de domicílio, a competência deve ser afirmada pelo critério do juízo imediato.
Como será Cobrado em Prova
📃 Indícios de violência doméstica legitimam a fixação da competência no foro onde a criança atualmente reside, por aplicação do princípio do juízo imediato.
✅ Correto. A proteção integral prevalece sobre critérios formais. A guarda admite revisão e a competência pode ser mitigada conforme a situação fática.
Versão Esquematizada
| 📌 Guarda – competência |
| 📍 Regra mitigável (Súmula 383) 📍 Violência doméstica → juízo imediato 📍 Melhor interesse da criança 📍 Competência do domicílio atual |
Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia em decidir qual o Juízo competente para o processamento de ação de guarda na hipótese de conflito entre o juízo que definiu a guarda e o do local em que a criança atualmente reside.
A ação que decreta a guarda de criança e adolescente faz coisa julgada in rebus sic stantibus, podendo ser modificada sempre que alterada a situação fática originária.
De acordo com a Súmula 383 do STJ: “A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda”.
As particularidades da situação em análise autorizam a mitigação da norma prevista no referido enunciado, sempre em atenção ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Com fundamento na conjugação dos princípios da proteção integral e do juízo imediato, orientadores dos critérios do art. 147 do ECA, é mais adequada a declaração de competência do juízo do local onde se encontra atualmente a criança ou o adolescente.
O entendimento exarado pelo STF no julgamento das ADIs n. 4.245 e n. 7.686, em 4/9/2025, pode também ser utilizado em situações de disputa de guarda e retorno da convivência de criança e adolescente em hipótese de indícios de violência doméstica perpetrada no território brasileiro. Logo, diante de conflito de competência em razão de disputa de guarda de criança em que o contexto fático diz respeito a modificação de domicílio da genitora com os filhos em razão de indícios de violência doméstica, prudente que o juízo do domicílio em que a criança se encontra atualmente julgue a demanda.
No conflito em análise, considerando-se (I) o local do atual domicílio do menino; (II) os indícios de violência doméstica perpetrados pelo genitor à genitora e ao filho, que levaram com que saíssem da Noruega para buscar abrigo no Brasil e, após a vinda do genitor ao país, mudassem para a cidade de Araçatuba-SP; (III) a ausência de comprovação de que a genitora tenha se valido de “fraude processual” ao mudar de domicílio, como forma de esquivar-se do provimento judicial exarado pelo Juízo da Comarca de Natal-RN; (IV) o fato de que o próprio Juízo de Natal-RN manifestou-se por sua incompetência, corroborado pelo parecer do MPF; é do Juízo do atual domicílio da criança a competência para processar e julgar ação de modificação de guarda.
6. Royalties do gás natural e pontos de entrega (city gate)
Destaque
Estações de compressão (ECOMP) e estações de regulagem de pressão (ERP) não se equiparam a pontos de entrega (city gate) e, por isso, não autorizam o recebimento de royalties pela exploração de gás natural.
REsp 2.210.010-DF, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 11/11/2025.
Conteúdo-Base
📎 Lei 9.478/1997, art. 48, § 3º, e art. 49 (royalties; compensação financeira).
📎 Lei 11.909/2009, art. 2º, XII e XVIII (gasoduto de transporte).
📎 Lei 12.743/2012 (equiparação de city gates a instalações de embarque e desembarque).
📎 Lei 14.134/2021, art. 3º, XXVI e XXXII (conceitos de gasoduto e ponto de entrega).
📚 Royalties pelo critério do city gate exigem transferência do gás entre transportador e carregador.
📍 ECOMP e ERP apenas ajustam pressão; não realizam entrega do hidrocarboneto.
📍 Ampliação judicial do conceito viola a opção legislativa expressa.
Discussão e Tese
📣 O STJ examinou a tentativa de ampliar o conceito de ponto de entrega para incluir estruturas integrantes do gasoduto de transporte. A Corte ressaltou que a Lei 12.743/2012 promoveu equiparação específica apenas aos city gates, não a todos os componentes da infraestrutura.
⚖️ Como ECOMP e ERP não operam a transferência do gás ao carregador, mas apenas viabilizam o transporte seguro, sua equiparação seria indevida. A interpretação restritiva preserva a legalidade tributária e impede a expansão judicial dos beneficiários da compensação financeira.
Como será Cobrado em Prova
📃 A existência de estruturas do gasoduto no território municipal autoriza o recebimento de royalties de gás natural.
❌ Errado. Somente pontos de entrega (city gates) legitimam a compensação. A equiparação promovida pela Lei 12.743/2012 alcança apenas os city gates, não se estendendo a estações de compressão ou de regulagem de pressão.
Versão Esquematizada
| 📌 Royalties – gás natural |
| 📍 Critério: ponto de entrega (city gate) 📍 ECOMP/ERP ≠ city gate 📍 Sem transferência → sem royalties 📍 Vedada ampliação judicial |
Inteiro Teor
O cerne da controvérsia reside em definir se o conceito de ponto de entrega (city gate) abrange estações de regulagem de pressão (ERP) ou estações de compressão (ECOMP) para efeito de autorizar o recebimento, por ente federativo, de royalties decorrentes da exploração de petróleo ou de gás natural, à luz dos arts. 48, § 3º, e 49 da Lei n. 9.478/1997; e 2º, XII e XVIII, da Lei n. 11.909/2009.
A entrada em vigor da Lei n. 12.743/2012 equiparou os pontos de entrega (city gates) às instalações de embarque e desembarque (IED), legitimando, consequentemente, a percepção de valores a título de compensação financeira por Municípios fora da cadeia produtora do hidrocarboneto.
Não obstante tal ampliação, não se estendeu idêntica prerrogativa a todas as municipalidades nas quais evidenciados componentes de gasodutos de transporte, mas, tão somente, àquelas unidades federativas onde instalada parte específica dessa macroestrutura, mais precisamente um ponto de entrega (city gate).
Isso porque, malgrado o conceito de gasoduto de transporte, extraído dos arts. 2º, XVIII, da Lei n. 11.909/2009, e 3º, XXVI, da Lei n. 14.134/2021, contemple diversos componentes – inclusive as estações de compressão (ECOMP) ou as estações de regulagem de pressão (ERP) -, somente a parcela dessa macroestrutura qualificada como ponto de entrega (city gate) autoriza os Municípios à obtenção de compensação financeira pela exploração de gás natural.
Assim, à vista do art. 3º, XXXII, da Lei n. 14.134/2021 – o qual, frise-se, conceitua ponto de entrega (city gate) como o aparato, situado no gasoduto de transporte , por meio do qual o gás natural é entregue pelo transportador ao carregador -, o direito ao recebimento de royalties com fundamento nos arts. 48, § 3º, e 49, § 7º, da Lei n. 9.478/1997 demanda a constatação de unidade dessa natureza nos limites territoriais do ente federativo postulante.
Destarte, não existindo a transferência do hidrocarboneto entre o transportador – qualificado como operador do gasoduto de transporte – e o carregador, pessoa jurídica que utiliza os serviços de transporte de gás natural, impossível a percepção de royalties pelo critério de ponto de entrega (city gate) em virtude da mera existência de uma estação de compressão (ECOMP) nas balizas territoriais da municipalidade.
Por isso, revela-se imprópria a ampliação judicial dos beneficiários, porquanto as alterações perpetradas pela Lei n. 12.743/2012, somente abrangeram os pontos de entrega (city gates) e não outras estruturas ligadas aos gasodutos de transporte.
Dessa forma, as estações de compressão (ECOMP) ou estações de regulagem de pressão (ERP), conquanto integrem o conceito de gasoduto de transporte, não autorizam, por si sós, a obtenção de compensação financeira pelos Municípios nos quais situadas, porquanto, embora possam implicar riscos socioambientais, não operam a transferência do gás natural entre transportador e carregador, mas, tão somente, permitem a redução ou ajuste na pressurização do gás natural, de modo a viabilizar sua passagem segura pelos dutos, sendo impróprio equiparar-lhes a pontos de entrega (city gates).
7. Simples Nacional e prescrição – termo inicial
Destaque
No Simples Nacional, o Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS), com as informações declaradas mensalmente pelo contribuinte, é o instrumento que constitui o crédito tributário e define o termo inicial da prescrição, não a declaração anual (DEFIS).
REsp 1.876.175-RS, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 11/11/2025.
Conteúdo-Base
📎 CTN, art. 150 (lançamento por homologação).
📎 CTN, art. 113, § 2º (obrigação acessória).
📎 LC 123/2006, art. 21, I (recolhimento mensal no Simples Nacional).
📎 LC 123/2006, art. 25, § 1º (declaração anual – DEFIS).
📎 Resolução CGSN 140/2018, art. 41 (PGDAS-D e DAS como instrumentos declaratórios).
📎 Tema 383/STJ (prescrição no lançamento por homologação).
📚 Os tributos do Simples submetem-se ao lançamento por homologação, com base em declarações mensais.
📍 O DAS mensal contém os elementos necessários à constituição do crédito.
📍 A DEFIS é obrigação acessória de natureza informativa, sem função constitutiva do crédito.
Discussão e Tese
📣 O STJ afastou a tese de que a declaração anual teria efeito constitutivo do crédito, esclarecendo que, no Simples Nacional, a apuração e a confissão ocorrem mensalmente, por meio do PGDAS-D e do DAS. Assim, a lógica do Tema 383/STJ aplica-se integralmente ao regime simplificado.
⚖️ A Turma destacou que deslocar o termo inicial para a DEFIS ampliaria artificialmente o prazo prescricional, contrariando a sistemática do lançamento por homologação e a distinção entre obrigações principais e acessórias. Por isso, o marco é o dia seguinte ao vencimento ou à declaração mensal não paga, o que ocorrer por último.
Como será Cobrado em Prova
📃 No Simples Nacional, a DEFIS possui natureza de obrigação acessória destinada ao acompanhamento fiscal, sem repercussão direta na constituição do crédito tributário.
✅ Correto. Essa distinção fundamenta a fixação do termo inicial da prescrição.
📃 No Simples Nacional, a prescrição tem início com a entrega da declaração anual (DEFIS), por constituir confissão definitiva da dívida.
❌ Errado. O crédito se constitui com o DAS mensal, não com a DEFIS.
Versão Esquematizada
| 📌 Simples Nacional – prescrição |
| 📍 Lançamento por homologação 📍 DAS mensal → constituição do crédito 📍 DEFIS = obrigação acessória 📍 Aplica-se o Tema 383/STJ |
Inteiro Teor
| Cinge-se a controvérsia em saber qual a declaração, no âmbito dos tributos submetidos ao Simples Nacional, constitui definitivamente o crédito tributário, para fins de contagem de prazo prescricional. No caso, o Tribunal Regional Federal recorrido concluiu que, a despeito da declaração e dos recolhimentos mensais, a declaração anual, prevista no art. 25, § 1º, da Lei Complementar n. 123/2006, importa confissão de dívida e, por isso, deve ser considerada como termo inicial do prazo prescricional. Nos termos da orientação jurisprudencial da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), firmada sob o rito de recursos repetitivos (Tema 383/STJ), para tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo de prescrição inicia-se no dia seguinte ao vencimento da obrigação tributária ou no dia seguinte à data em que o tributo for declarado e não pago, o que ocorrer por último. Esse entendimento é aplicável ao Simples Nacional, pois, nesse regime tributário simplificado, há o recolhimento de diversos impostos e contribuições, cujos cálculos do valor devido são feitos automaticamente com base em informações declaradas pelo contribuinte, ou seja, há o lançamento por homologação dos tributos devidos nos termos do art. 150 do Código Tributário Nacional (CTN). Conforme dispõe o art. 21, I, da LC n. 123/2006, c/c o art. 41 da Resolução do Comitê de Gestão Nacional do Simples Nacional (CGSN) n. 140/2018, o documento de arrecadação do Simples Nacional (DAS), contendo as informações prestadas mensalmente pelo contribuinte, é o instrumento declaratório que deve ser considerado para fins de apuração do termo inicial do prazo prescricional. Por outro lado, a obrigatoriedade de as microempresas e as empresas de pequeno porte apresentarem declaração anual, única e simplificada de informações socioeconômicas e fiscais (DEFIS), prevista no art. 25, § 1º, da LC n. 123/2006, é obrigação fiscal acessória destinada ao acompanhamento de dados econômicos, sociais e fiscais das empresas optantes pelo Simples. Nos termos do art. 113, § 2º, do CTN, a obrigação acessória é determinada no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Dessa forma, embora em ambos os casos – da declaração mensal e da anual – o legislador tenha atribuído efeito de confissão de dívida, é a data do fornecimento mensal de informações necessárias ao lançamento do tributo, via programa PGDAS-D, que deve ser considerada como termo inicial do prazo prescricional, ou o dia posterior ao vencimento da obrigação, nos termos da jurisprudência do STJ. Nesse sentido, o Tribunal de origem, na contramão desse entendimento, afastou a prescrição da execução fiscal, fixando a entrega da declaração anual (art. 25, § 1º, da Lei Complementar 123/2006) como termo inicial do prazo prescricional, razão pela qual o acórdão da origem não pode ser mantido. |
8. APP em restinga – alcance da proteção
Destaque
A Área de Preservação Permanente em restinga limita-se: (i) à faixa mínima de 300 metros a partir da linha de preamar máxima; e (ii) a qualquer extensão quando a vegetação atuar como fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues.
REsp 1.827.303-SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 11/11/2025.
Conteúdo-Base
📎 Lei 12.651/2012, art. 4º, VI (APP em restinga).
📎 Lei 12.651/2012, art. 3º, XVI (conceito de restinga).
📎 Resolução CONAMA 303/2002, arts. 2º e 3º (delimitação protetiva da restinga).
📎 Lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente).
📎 ADPF 747/STF (validade da Resolução CONAMA 303/2002).
📚 O Código Florestal adotou critério restritivo para APP em restinga.
📍 A proteção ampla do ecossistema ocorre por outros instrumentos, não pela APP.
📍 A Resolução CONAMA complementa, sem extrapolar, os parâmetros legais.
Discussão e Tese
📣 O STJ esclareceu que o legislador ambiental fez opção consciente ao restringir a APP em restinga às hipóteses expressamente previstas, distinguindo proteção ecossistêmica geral de espaços territoriais especialmente protegidos.
⚖️ A Turma ressaltou que a Resolução CONAMA 303/2002 atua de forma complementar, reforçando a proteção mínima legal, sem ampliar indevidamente o conceito de APP. A interpretação evita proteção insuficiente e, ao mesmo tempo, respeita a reserva legal ambiental.
Como será Cobrado em Prova
📃 Toda vegetação de restinga deve ser considerada APP, independentemente de sua função ecológica específica.
❌ Errado. A APP restringe-se às hipóteses legais (300 m ou função de duna/mangue).
📃 A Resolução CONAMA pode complementar o Código Florestal para evitar proteção ambiental insuficiente, desde que respeitados os limites legais.
✅ Correto. Esse foi o parâmetro aplicado.
Versão Esquematizada
| 📌 Restinga – APP |
| 📍 Faixa de 300 m da preamar máxima 📍 Função de duna ou mangue → APP em qualquer extensão 📍 Critério legal restritivo 📍 Complementação pelo CONAMA |
Inteiro Teor
A questão em discussão consiste em saber se o conceito de restinga como área de preservação permanente deve ser interpretado de forma ampla, abrangendo toda vegetação de restinga, ou de forma restrita, limitada às funções de fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues, conforme previsto no art. 4º, VI, da Lei n. 12.651/2012.
Com o intuito de reconhecer a necessidade de proteção da restinga de forma mais ampla e considerando as responsabilidades assumidas pelo Brasil nas Convenções da Biodiversidade (1992), Ramsar (1971) e de Washington (1940), bem como o dever de o Poder Público preservar a biodiversidade e o equilíbrio ecológico, o CONAMA editou a Resolução 303/2002, explicando o que é restinga: “Art. 2º […] VIII – restinga: depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, onde se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima. A cobertura vegetal nas restingas ocorre em mosaico, e encontra-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões, apresentando, de acordo com o estágio sucessional, estrato herbáceo, arbustivos e arbóreo, este último mais interiorizado”.
Diante da necessidade de preservação deste ecossistema e considerando as atribuições do CONAMA estabelecidas pela Lei n. 6.938/1981, a citada norma incrementou a área de preservação permanente, incluindo a faixa mínima de 300m a partir da linha de preamar máxima: “Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada: IX – nas restingas: a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima; b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues”.
No mesmo sentido, tem-se o novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), que reconhecendo a fragilidade do recurso natural, manteve a conceituação de restinga, em seu art. 3º, XVI, de forma bem semelhante a como já era tratada nos normativos ambientais.
Seguindo a mesma linha do Código anterior, também estabeleceu delimitação das Áreas de Preservação Permanente, em seu art. 4º, com ênfase em critérios ligados a características do meio físico, tais como largura das margens dos cursos d’água, lagoas, nascentes e reservatórios d’água; encostas com declividade acima de 45 graus; localização nos topos de morros a partir da curva de nível correspondente a 2/3 da altura da elevação, nos manguezais e veredas; localização nas bordas de tabuleiros ou chapadas, altitudes acima de 1.800 metros e localização nas restingas.
Observando-se toda essa evolução legislativa, fica mais fácil compreender o real alcance do termo restinga ao definir áreas de preservação permanentes. Não há dúvidas quanto à necessidade de proteção deste ecossistema, no entanto, as opções do legislador quanto à forma de tutelar são bastante claras.
Ao determinar a criação de espaços territoriais especialmente protegidos, a área de preservação permanente configura apenas uma de suas formas. A análise de toda a legislação permite perceber a importância do ecossistema restinga e a real necessidade de sua defesa. Assim, em diversos pontos do ordenamento jurídico constatam-se várias formas de garantia, como se pode observar das Leis n. 7.661 que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC) e n. 11.428/2006 – Lei da Mata Atlântica que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica.
No entanto, ao se tratar de área de preservação permanente, percebe-se apenas dois regramentos: o Novo Código Florestal e a Resolução 303/2002 do CONAMA. Neste ponto, registre-se que a Lei n. 12.651/2012 traz uma parametrização mínima das áreas de preservação permanente, que podem ser complementadas por resoluções do CONAMA, desde que detectada a necessidade de critérios protetivos mais rigorosos, de modo a evitar a proteção insuficiente do meio ambiente.
Considera-se, portanto, como área de preservação permanente as restingas: a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima; b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues.
Quanto ao item b, é certo que restringe a abrangência da restinga para os locais em que funcionar como fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues. O comando normativo é claro ao restringir o alcance do termo restinga. Embora em conceitos anteriores trate a restinga de forma mais ampla, quando se refere à área de preservação permanente reduz o seu alcance.
Neste ponto, vale registrar que a Resolução do CONAMA incluiu também a proteção à restinga em relação à extensão de 300m a partir da linha de preamar máxima, tendo, inclusive, o Supremo Tribunal Federal reafirmado a validade da referida resolução no julgamento da ADPF n. 747.
9. Taxa de licença municipal e Lei da Liberdade Econômica
Destaque
A Lei n. 13.874/2019 não afastou o exercício do poder de polícia municipal, sendo legítima a cobrança da Taxa de Licença para Localização e Funcionamento (TLL) de escritórios de advocacia.
REsp 2.215.532-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 11/11/2025.
Conteúdo-Base
📎 CTN, arts. 77 e 78 (taxas; poder de polícia).
📎 Lei 13.874/2019, art. 3º, I, e art. 1º, § 3º (liberdade econômica; inaplicabilidade tributária).
📎 CF, art. 145, II (competência tributária municipal).
📚 A classificação de atividade como “baixo risco” não elimina a fiscalização tributária.
📍 A taxa decorre do poder de polícia, não da efetiva prestação individualizada.
📍 A Lei da Liberdade Econômica não se aplica para afastar tributos.
Discussão e Tese
📣 O STJ afastou a tese de que a dispensa de alvará implicaria inexigibilidade da taxa, esclarecendo que a TLL remunera a atividade fiscalizatória potencial do Município.
⚖️ A Turma enfatizou que o próprio texto da Lei n. 13.874/2019 exclui sua aplicação ao direito tributário. Assim, permanece íntegra a jurisprudência que reconhece a legalidade da taxa para escritórios de advocacia.
Como será Cobrado em Prova
📃 A exigência da TLL independe da comprovação do exercício efetivo do poder de polícia, bastando sua disponibilidade normativa.
✅ Correto. A taxa funda-se na fiscalização potencial.
📃 A classificação da advocacia como atividade de baixo risco torna indevida a cobrança da TLL.
❌ Errado. A Lei da Liberdade Econômica não afasta o poder de polícia tributário.
Versão Esquematizada
| 📌 TLL e Lei de Liberdade Econômica |
| 📍 Poder de polícia municipal preservado 📍 Baixo risco ≠ isenção tributária 📍 CTN 77 e 78 📍 Cobrança legítima |
Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia em saber se, com a edição da Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019), se tornou indevida a cobrança da Taxa de Licença para Localização e Funcionamento (TLL) de escritórios de advocacia.
No caso, a OAB-SC impetrou mandado de segurança coletivo defendendo que, com a edição da Lei da Liberdade Econômica (Lei n. 13.874/2019), a atividade da advocacia passou a ser classificada como de baixo risco, circunstância que afastaria a exigência de alvará para o funcionamento de escritórios. Assim, diante da desnecessidade de licenciamento, seria indevida a cobrança da Taxa de Licença para Localização e Funcionamento (TLL).
A Lei n. 13.874/2019, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica. Embora o art. 3º, I, da Lei de Liberdade Econômica estabeleça o direito de desenvolver atividade econômica de baixo risco sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica, como alvarás e licenças, tal previsão não se estende à seara tributária, conforme expressamente dispõe o § 3º do art. 1º mesmo diploma legal.
Mesmo que assim não se entendesse, a cobrança de taxas constitui prerrogativa dos municípios, fundada na competência para instituir tributos destinados a viabilizar o exercício regular do poder de polícia administrativa, nos termos dos arts. 77 e 78 do Código Tributário Nacional.
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, pacificou entendimento de que é prescindível a comprovação pelo ente tributante do efetivo poder de polícia, para o fim de legitimar essa cobrança. Precedentes: AgRg no relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, AREsp n. 358.371/SP, julgado em 17/9/2013, DJe de 25/9/2013; AgRg no REsp n. 1.073.288/RJ, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 19/5/2009, DJe de 1/6/2009.
Nesse contexto, o STJ proferiu julgados, datados de 2005 e 2006, nos quais se reconhecia a legalidade da cobrança pelo município de taxa de fiscalização, localização e funcionamento de escritórios de advocacia. Precedentes: REsp n. 431.391/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 1/6/2006, DJ de 2/8/2006, p. 235; AgRg no REsp n. 727.341/SP, relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 24/5/2005, DJ de 27/6/2005, p. 285.
Desse modo, a edição da Lei de Liberdade Econômica não dispensou o exercício do poder de fiscalização do Munícipio, de modo que é legítima a exigência da Taxa de Licença para Localização e Funcionamento (TLL), decorrente do poder de polícia, mantendo-se incólume a citada jurisprudência do STJ.
10. Execução de título extrajudicial – prescrição intercorrente após a Lei n. 14.195/2021
Destaque
Com a entrada em vigor da Lei n. 14.195/2021, a prescrição intercorrente passa a correr automaticamente, independentemente de inércia do credor, sendo irrelevantes diligências infrutíferas ou penhora de valor irrisório.
REsp 2.166.788-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/11/2025.
Conteúdo-Base
📎 CPC, arts. 921 a 923 (prescrição intercorrente na execução).
📎 Lei n. 14.195/2021 (alteração do regime da prescrição intercorrente).
📎 CPC, art. 14 (direito intertemporal – aplicação imediata da norma processual).
📚 No CPC/2015 original, a prescrição intercorrente estava vinculada à inércia do credor.
📍 A Lei n. 14.195/2021 rompeu essa lógica ao instituir termo automático para o início do prazo.
📍 Diligências infrutíferas não suspendem nem interrompem a prescrição.
📍 A nova disciplina aplica-se apenas aos atos praticados a partir de 27/8/2021.
Discussão e Tese
📣 O STJ analisou se atos como a penhora de valor ínfimo ou a reiterada tentativa de localização de bens seriam suficientes para afastar a prescrição intercorrente. A Corte destacou que o novo regime legal buscou conferir objetividade e previsibilidade (?) à execução, afastando soluções casuísticas que tornavam o crédito imprescritível (?).
⚖️ A Turma afirmou que, sob a vigência da Lei n. 14.195/2021, o critério da inércia deixa de ser relevante: a prescrição corre automaticamente, cabendo ao juiz apenas verificar o decurso do prazo. Quanto ao direito intertemporal, preservam-se os atos praticados antes da vigência da lei, quando diligências ainda tinham aptidão para afastar a prescrição.
Como será Cobrado em Prova
📃 A promoção de diligências, ainda que infrutíferas, impede o curso da prescrição intercorrente.
❌ Errado. Após a Lei n. 14.195/2021, a prescrição corre automaticamente, independentemente da atuação do credor.
📃 A nova disciplina da prescrição intercorrente aplica-se apenas aos atos processuais praticados após a entrada em vigor da Lei n. 14.195/2021, em respeito ao art. 14 do CPC.
✅ Correto. O regime intertemporal foi expressamente observado no julgamento.
Versão Esquematizada
| 📌 Prescrição intercorrente – execução |
| 📍 Lei n. 14.195/2021 → termo automático 📍 Inércia do credor irrelevante 📍 Diligências infrutíferas não suspendem 📍 Aplicação prospectiva (art. 14 do CPC) |
Inteiro Teor
A controvérsia consiste em decidir se a penhora de valor irrisório, ocorrida antes da Lei n. 14.195/2021, interrompe a prescrição intercorrente.
Embora não contasse com previsão expressa no CPC/1973, a jurisprudência do STJ já admitia a figura da prescrição intercorrente, que estava intimamente vinculada à inércia da parte. Inovando em relação à ordem jurídica anterior, o CPC/2015 passou a disciplinar o instituto, estatuindo o seu regime jurídico próprio, sobretudo, nos arts. 921 a 923.
Perante a versão original do CPC/2015, não havia dispositivo que previsse expressamente causas de interrupção da prescrição intercorrente. A previsão era apenas de que “os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis” (art. 921, § 3º, CPC).
Assim, “a partir da entrada em vigor da Lei n. 14.195/2021, ao contrário do que se verificava na redação original do código, não há mais necessidade de desídia do credor para a consumação da prescrição intercorrente, cujo prazo iniciará automaticamente” (REsp 2.090.768/PR, Terceira Turma, DJe 14/11/2024).
Com isso, as Turmas de Direito Privado do STJ fixaram o entendimento de que “a promoção de diligências infrutíferas não tem o condão de suspender ou interromper o prazo prescricional, tornando a dívida imprescritível” (AgInt no REsp 1.986.517/PR, Quarta Turma, DJe 9/9/2022).
Observando-se a disciplina de direito intertemporal, nos termos do art. 14 do CPC, a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
Com efeito, a nova sistemática, segundo a qual a inércia do credor deixa de ser o critério para decretar a prescrição intercorrente, somente pode reger os atos realizados a partir de 27/08/2021, data da entrada em vigor da Lei n. 14.195/2021 (REsp n. 2.090.768/PR, Terceira Turma, DJe 14/11/2024).
Dessa forma, considerando que, no caso analisado, à época da constrição de bens, não estava vigente a Lei n. 14.195/2021, as diligências do credor eram suficientes para afastar a prescrição intercorrente. Por isso, quanto ao valor da quantia bloqueada, é irrelevante aferir a sua suficiência.
11. Obrigações partidárias – inexistência de solidariedade entre diretórios
Destaque
A responsabilidade por obrigações partidárias é exclusiva do órgão partidário que contratou, não havendo solidariedade entre diretórios de diferentes esferas; é inviável alterar o polo passivo após sentença de mérito.
REsp 2.236.487-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 18/11/2025.
Conteúdo-Base
📎 Lei n. 9.096/1995, art. 15-A (responsabilidade patrimonial do órgão partidário).
📎 Lei n. 9.504/1997, art. 17 (solidariedade restrita às despesas de campanha).
📎 CPC, arts. 338 e 339 (correção do polo passivo).
📎 CPC, art. 487, I (sentença de mérito – estabilização da lide).
📚 A solidariedade partidária é excepcional e restrita às hipóteses legais.
📍 Diretórios municipais, estaduais e nacionais possuem personalidade jurídica própria.
📍 A sentença de mérito encerra a atividade jurisdicional de primeiro grau e impede modificação subjetiva.
Discussão e Tese
📣 O STJ enfrentou a tentativa de imputar ao diretório estadual dívida assumida por diretório municipal, com fundamento genérico na unidade partidária. A Corte afastou essa construção, ressaltando que a legislação distingue claramente as esferas partidárias e limita a solidariedade a situações expressamente previstas, como despesas de campanha.
⚖️ Quanto à emenda à inicial, a Turma afirmou que, embora o CPC/2015 tenha flexibilizado a correção do polo passivo, essa possibilidade encontra limite intransponível na sentença de mérito, que estabiliza a demanda. Admitir alteração após esse marco transformaria a fase recursal em nova oportunidade postulatória.
Como será Cobrado em Prova
📃 Diretórios partidários respondem solidariamente pelas obrigações assumidas pelos órgãos da legenda.
❌ Errado. A responsabilidade é exclusiva do órgão contratante, salvo exceções legais.
📃 A correção do polo passivo prevista nos arts. 338 e 339 do CPC é admitida após a prolação de sentença de mérito.
❌ Errado. A sentença cumpre função estabilizadora da lide.
Versão Esquematizada
| 📌 Obrigações partidárias |
| 📍 Sem solidariedade entre esferas 📍 Diretório contratante responde sozinho 📍 Solidariedade só quando a lei prevê 📍 Sentença de mérito → polo passivo estabilizado |
Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia em verificar se há legitimidade passiva de diretório estadual de partido político para ação de cobrança ajuizada por empresa do setor gráfico, visando ao pagamento de dívida decorrente de contrato de prestação de serviços e fornecimento de material gráfico a diretório municipal.
Apesar de os partidos políticos responderem solidariamente pelas dívidas contraídas pelos candidatos para a realização da campanha eleitoral, na forma do art. 17 da Lei n. 9.504/1997, esta solidariedade recai apenas sobre o órgão partidário vinculado ao candidato, na respectiva esfera de atuação (nacional, estadual ou municipal), afastando-se a possibilidade de condenação dos órgãos partidários alheios à candidatura, nos termos do art. 15-A da Lei n. 9.096/1995, com redação dada pela Lei n. 12.034/2009, cujo teor já foi declarado constitucional pelo STF (STF. Plenário. ADC 31/DF, Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 22/9/2021 – info 1031).
Dessa forma, tendo o Tribunal de origem fixado a premissa fática segundo a qual a contratação foi realizada com o diretório municipal, verifica-se a ilegitimidade passiva do diretório estadual.
Sobre a estabilização subjetiva da lide após a citação, a reforma processual estabelecida pelo CPC/2015 procurou atualizar o instituto ao simplificá-lo e substituí-lo pelos arts. 338 e 339 do CPC, integrando-o ao modelo cooperativo do processo. Deslocou-se o enfoque do formalismo estrito para a realização efetiva da tutela jurisdicional. Deixou-se de exigir, como requisito para substituição da parte requerida, o erro justificável do autor, sendo irrelevante a razão do equívoco.
A jurisprudência do STJ evoluiu para admitir a alteração do polo passivo mesmo após o saneamento do processo, porém tal providência encontra limite intransponível na sentença de mérito, que cumpre função estabilizadora e encerra a atividade jurisdicional de primeiro grau, fazendo operar a preclusão quanto à modificação dos elementos subjetivos da demanda.
No caso, afirmou-se não ser o diretório estadual devedor porque ausente o vínculo obrigacional invocado. Trata-se, portanto, de julgamento de improcedência do pedido, com resolução do mérito (art. 487, I, CPC), pois o elemento determinante para se definir a natureza da decisão é o seu conteúdo. Não se trata de sentença terminativa de extinção por vício subjetivo, mas sim de pronunciamento de mérito, em segunda instância, desfavorável à autora, estando atendido, pois, o princípio da primazia do julgamento de mérito.
Inviável, portanto, reabrir a fase cognitiva para substituição do réu, pois não se pode transformar a fase recursal em segunda chance postulatória para remendar o polo passivo.
12. Execução civil – uso do sistema SNIPER e sigilo bancário
Destaque
É lícito o uso do Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (SNIPER) nas execuções cíveis, desde que haja decisão fundamentada, sem necessidade automática de quebra de sigilo bancário.
REsp 2.163.244-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. p/ acórdão Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 18/11/2025.
Conteúdo-Base
📎 CPC, art. 139, IV (poderes do juiz para efetividade da execução).
📎 CF, art. 5º, X e XII (proteção à intimidade e ao sigilo de dados).
📎 Lei n. 13.709/2018 (LGPD) (proteção de dados pessoais).
📚 O SNIPER integra bases abertas e fechadas para otimizar a investigação patrimonial.
📍 A ferramenta não implica, por si só, acesso a dados protegidos por sigilo bancário.
📍 O magistrado deve avaliar necessidade, proporcionalidade e eventual decretação de sigilo processual.
Discussão e Tese
📣 O STJ afastou a compreensão de que o SNIPER só poderia ser utilizado em hipóteses de quebra de sigilo bancário. A Corte esclareceu que o sistema centraliza ferramentas já admitidas na execução civil, cabendo ao juiz delimitar quais bases serão acionadas e quais informações serão requeridas.
⚖️ A Turma destacou que a proteção ao sigilo é assegurada pela atuação judicial criteriosa: se houver risco de exposição de dados sensíveis, o magistrado pode decretar sigilo parcial ou total. Assim, o uso do SNIPER é compatível com a LGPD e com o direito à intimidade, desde que observada a proporcionalidade.
Como será Cobrado em Prova
📃 A utilização do SNIPER nas execuções cíveis dispensa prévia decretação de quebra do sigilo bancário do executado.
✅ Correto. O uso do sistema não implica automaticamente quebra de sigilo.
📃 O juiz deve fundamentar a necessidade da pesquisa via SNIPER e adotar medidas para resguardar eventual informação protegida por sigilo.
✅ Correto. A decisão deve observar proporcionalidade e proteção de dados.
Versão Esquematizada
| 📌 SNIPER – execução civil |
| 📍 Ferramenta lícita de investigação patrimonial 📍 Não há quebra automática de sigilo 📍 Decisão judicial fundamentada 📍 Proteção de dados e proporcionalidade |
Inteiro Teor
A questão em análise é relativa à possibilidade de se pleitear a busca por meio do sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (SNIPER) nas execuções cíveis e à necessidade de deliberação judicial determinando a quebra de sigilo bancário.
Tal sistema é uma solução tecnológica que agiliza e facilita a investigação patrimonial para magistrados e servidores de todos os tribunais brasileiros integrados à Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro (PDPJ-Br). Com esse sistema é possível realizar a identificação, o bloqueio e a constrição dos ativos de forma centralizada, em uma única ferramenta.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) explica que o sistema possibilita o cruzamento de dados de diferentes bases (abertas e sigilosas). O Conselho informa que apenas magistrados e servidores do Poder Judiciário mediante login com credenciais oficiais na PDPJ-Br e no Jus.br terão acesso ao sistema SNIPER.
No caso, a Corte local entendeu pela possibilidade de pesquisa pelo SNIPER somente em casos que justifiquem a quebra do sigilo bancário, quais sejam, aqueles em que há fundada suspeita de prática de ilícito, a ferramenta não poderia ser utilizada para a cobrança de dívidas cíveis.
Com efeito, o SNIPER é uma solução tecnológica que apenas otimiza a utilização de ferramentas já em uso há anos nas execuções cíveis, com respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em virtude da necessidade de se garantir a efetividade do processo executivo, o que inclui o uso das novas tecnologias disponíveis.
Logo, diante do embasamento legal e jurisprudencial das medidas executivas congregadas pelo SNIPER, reconhece-se que, existindo ordem judicial de consulta e constrição devidamente fundamentada, com a especificação dos sistemas deflagrados e indicação de eventuais requisitos de validade próprios de cada ferramenta, não há que se falar de plano em ilegalidade ou ofensa aos direitos do devedor.
Contudo, no caso concreto, pode haver meios menos gravosos ao executado na busca pela satisfação do crédito, razão pela qual o deferimento da pesquisa via SNIPER nas execuções cíveis deve ocorrer de forma fundamentada, em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Em geral, é plenamente possível a utilização do sistema para pesquisa e determinação de medidas constritivas sem que sejam requisitados e, portanto, publicizados os dados relativos às movimentações bancárias da parte executada. A questão reside em quais sistemas serão acionados via SNIPER e quais informações serão requeridas pelo magistrado ao determinar a pesquisa.
De todo modo, cabe aos magistrados e servidores adotarem as medidas necessárias para assegurar a confidencialidade de eventuais informações do executado que estejam protegidas pelo sigilo bancário, bem como pela Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, decretando, se necessário, o sigilo total ou parcial do processo ou de determinados documentos e peças processuais.
Nesse sentido, mesmo em hipóteses em que, em tese, haveria a possibilidade da quebra do sigilo bancário, o Judiciário tem condições de evitá-lo, determinando e fazendo observar o sigilo das informações, protegendo-as da publicidade ao determinar que sejam albergadas pelo segredo de justiça.
Não há, portanto, que se falar, como regra, em necessidade de decisão judicial determinando a quebra do sigilo bancário do devedor para utilização do sistema SNIPER para a satisfação de dívida civil.
13. Indulto e presunção de hipossuficiência – Defensoria Pública
Destaque
Nos crimes contra o patrimônio praticados sem violência ou grave ameaça, a assistência do condenado pela Defensoria Pública atrai presunção legal de hipossuficiência econômica, dispensando a comprovação da reparação do dano como requisito para a concessão do indulto, nos termos do Decreto n. 12.338/2024.
AgRg no HC 1.044.589-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 11/11/2025.
Conteúdo-Base
📎 Decreto n. 12.338/2024, art. 9º, XV (regra geral: exigência de reparação do dano para crimes patrimoniais sem violência).
📎 Decreto n. 12.338/2024, art. 12, § 2º, I (presunção de incapacidade econômica quando o apenado é assistido pela Defensoria Pública).
📎 CF, art. 84, XII (competência privativa do Presidente para concessão de indulto).
📎 Tema 931/STJ (ônus do MP de afastar a presunção de hipossuficiência).
📚 O indulto é ato de clemência condicionado estritamente aos requisitos do decreto presidencial.
📍 A presunção do art. 12, § 2º, I, é legal, não podendo o julgador exigir prova adicional sem base normativa.
📍 Alegada hipossuficiência desloca ao Ministério Público o ônus de demonstrar capacidade econômica.
Discussão e Tese
📣 O STJ examinou decisão que indeferira o indulto por ausência de prova de reparação do dano, apesar de o apenado estar assistido pela Defensoria Pública. A Turma ressaltou que o próprio decreto presidencial excepciona a exigência quando presente presunção legal de incapacidade econômica, não cabendo ao Judiciário restringir hipótese expressamente prevista no ato de clemência.
⚖️ O Tribunal também enfatizou que a presunção não é meramente retórica: uma vez configurada, impõe-se a concessão do benefício, salvo prova concreta em sentido contrário. Como o Ministério Público não demonstrou capacidade econômica do apenado, a exigência de reparação revelou-se indevida, impondo o deferimento do indulto.
Como será Cobrado em Prova
📃 A concessão de indulto por crimes patrimoniais exige sempre a comprovação da reparação do dano.
❌ Errado. Para o STJ, o art. 12, § 2º, I, do Decreto n. 12.338/2024 dispensa a reparação quando há presunção legal de hipossuficiência.
📃 Uma vez configurada a presunção de incapacidade econômica prevista no decreto de indulto, compete ao Ministério Público demonstrar a existência de condições financeiras que afastem o benefício.
✅ Correto. Yeap. O ônus probatório se desloca para a acusação!
Versão Esquematizada
| 📌 Indulto – crimes patrimoniais |
| 📍 Regra: reparação do dano 📍 Exceção: Defensoria → hipossuficiência presumida 📍 Presunção legal vinculante 📍 Ônus do MP para afastar |
Inteiro Teor
A concessão de indulto é ato de clemência do Presidente da República, condicionado ao atendimento dos requisitos previstos no respectivo decreto, não podendo o julgador ampliar ou restringir suas hipóteses.
O Tribunal de origem fundamentou o indeferimento do benefício na ausência de comprovação de reparação do dano ou da incapacidade econômica para tanto. Assentou que a presunção de hipossuficiência constante dos incisos I a VI do § 2º do art. 12 do Decreto n. 12.338/2024 possui natureza relativa, exigindo prova concreta da incapacidade de reparação.
A condenação se deu por crime contra o patrimônio sem violência ou grave ameaça, situação que, em regra, exigiria a comprovação da reparação do dano como condição para o indulto conforme dispõe o art. 9º, inciso XV, do Decreto n. 12.338/2024.
Todavia, o próprio diploma normativo em questão excepciona a exigência de reparação do dano quando configurada alguma das hipóteses do art. 12, § 2º. Dentre elas, a prevista no inciso I, segundo a qual se presume-se a incapacidade econômica quando o condenado está assistido pela Defensoria Pública.
Na espécie, é incontroverso que o apenado é representado pela Defensoria Pública, circunstância que atrai a presunção legal de hipossuficiência econômica e dispensa a comprovação da reparação do dano como condição para a fruição do indulto.
Ademais, a jurisprudência desta Corte Superior, em casos análogos (Tema 931/STJ), tem reconhecido que, uma vez alegada a hipossuficiência pelo condenado – especialmente quando representado pela Defensoria Pública -, transfere-se ao Ministério Público o ônus de comprovar a existência de condições econômicas que infirmem tal presunção, o que não ocorreu.
14. Progressão especial e organização criminosa – vedação restrita
Destaque
A vedação à progressão especial de regime, prevista no art. 112, § 3º, V, da LEP, restringe-se às condenações por organização criminosa (Lei n. 12.850/2013), não alcançando associação criminosa nem associação para o tráfico, sob pena de analogia in malam partem.
AgRg no REsp 2.225.788-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 4/11/2025.
Conteúdo-Base
📎 LEP, art. 112, § 3º, V (vedação da progressão especial para organização criminosa).
📎 Lei n. 12.850/2013, art. 1º, § 1º, e art. 2º (conceito legal de organização criminosa).
📎 CP, art. 288 (associação criminosa).
📎 Lei n. 11.343/2006, art. 35 (associação para o tráfico).
📎 Princípios da legalidade e da taxatividade penal (vedação à analogia in malam partem).
📚 O legislador fez opção por tipo penal fechado ao mencionar organização criminosa.
📍 Tipos associativos possuem estruturas e elementos normativos distintos.
📍 Ampliação interpretativa agravaria a execução penal sem base legal.
Discussão e Tese
📣 O STJ alinhou-se à orientação do STF ao afastar interpretação extensiva do art. 112, § 3º, V, da LEP. A Turma destacou que o texto legal não autoriza equiparações genéricas entre diferentes formas de associação criminosa, sendo indevida a ampliação do conceito para alcançar delitos não previstos.
⚖️ A decisão reforçou que a execução penal também se submete às garantias penais materiais. Interpretar de forma extensiva norma restritiva de direitos implicaria analogia em prejuízo do apenado, incompatível com a legalidade estrita e com o favor rei.
Como será Cobrado em Prova
📃 A condenação por associação para o tráfico impede a progressão especial de regime, por equivaler à organização criminosa.
❌ Errado. A vedação só se aplica à organização criminosa definida na Lei n. 12.850/2013.
📃 A interpretação do art. 112, § 3º, V, da LEP deve ser restritiva, pois se trata de norma que limita direito do condenado.
✅ Correto. A taxatividade impede analogia in malam partem.
Versão Esquematizada
| 📌 Progressão especial – LEP |
| 📍 Vedação restrita à organização criminosa 📍 Associação criminosa ≠ organização criminosa 📍 Legalidade e taxatividade 📍 Favor rei preservado |
Inteiro Teor
O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que “o art. 112, § 3º, inc. V, da LEP abrange apenas o tipo penal do art. 2º da Lei n. 12.850/2013. É vedada a interpretação extensiva ou por analogia in malam partem para incluir os crimes de associação criminosa ou associação para o tráfico de drogas na vedação da progressão de regime especial, prevista no art. 112, § 3º, da Lei de Execuções Penais” (HC 183.610/SP, Ministro Edson Fachin, Segunda Turma, DJe de 19/11/2021).
Nessa direção, a Quinta e a Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça alinharam-se a esse entendimento, reconhecendo a impropriedade de ampliar o conceito de organização criminosa para abranger todas as formas de societas sceleris, exatamente para preservar os princípios da legalidade, da taxatividade e do favor rei.
O argumento de que o inciso V do § 3º do art. 112 da LEP deveria alcançar “todo aquele crime que enseje o concurso necessário de agentes em união estável e permanente” contraria a opção legislativa expressa por referência normativa fechada – “organização criminosa” – com complemento normativo definido na Lei n. 12.850/2013. A pretensão de equiparar, por analogia, a associação para o tráfico ao conceito legal de organização criminosa implica interpretação extensiva em prejuízo do apenado, vedada no direito penal e na execução penal.
Igualmente, não procede a tese de que, se o legislador pretendesse restringir a vedação ao art. 2º da Lei n. 12.850/2013, o teria feito de modo expresso. Isso porque, o legislador o fez, ao eleger, no texto do art. 112, § 3º, V, da LEP, a categoria “organização criminosa”, cujo significado técnico está positivado no art. 1º, § 1º, e no art. 2º da Lei n. 12.850/2013.
Os tipos penais de associação para o tráfico e de organização criminosa têm estruturas e elementos normativos distintos, não se confundindo, razão pela qual o afastamento da progressão especial apenas se legitima quando houver condenação pelo delito de organização criminosa.
Dessa forma, a condenação por tráfico e associação para o tráfico, por si só, não obsta a progressão especial, desde que presentes os demais requisitos cumulativos do § 3º do art. 112 da LEP, em especial o não cometimento de crime com violência ou grave ameaça, a não prática contra descendente, o cumprimento de 1/8, a primariedade e o bom comportamento, além de “não ter integrado organização criminosa”.
15. Data-base na execução penal e prisão preventiva
Destaque
A data-base para concessão de benefícios na execução penal é a da última prisão efetiva, não se computando, para esse fim, período de prisão preventiva seguido de liberdade provisória, que releva apenas para detração penal.
AgRg no HC 1.026.000-BA, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 15/10/2025.
Conteúdo-Base
📎 CP, art. 42 (detração penal).
📎 LEP, art. 112 (progressão de regime).
📎 Princípio da legalidade na execução penal (benefícios vinculados ao efetivo cumprimento da pena).
📚 A execução penal tem como marco inicial a prisão destinada ao cumprimento da pena.
📍 Prisão cautelar interrompida por liberdade provisória não fixa data-base executória.
📍 O tempo de custódia provisória é aproveitado exclusivamente para detração.
Discussão e Tese
📣 O STJ enfrentou a pretensão de considerar a data da prisão preventiva como marco inicial para benefícios, mesmo após o réu ter permanecido solto provisoriamente. A Turma destacou que tal interpretação distorceria a lógica da execução, computando como pena período em que o acusado esteve em liberdade.
⚖️ A Corte reafirmou que o critério correto é a última prisão efetiva, destinada ao cumprimento da pena. O período anterior de prisão cautelar não se perde, mas é absorvido pela detração, preservando coerência entre execução e liberdade efetivamente suportada.
Como será Cobrado em Prova
📃 A data-base para progressão pode ser a da prisão preventiva, ainda que o réu tenha sido solto provisoriamente antes da execução definitiva.
❌ Errado. A data-base é a da última prisão efetiva. O período de prisão preventiva seguido de liberdade provisória deve ser considerado apenas para fins de detração penal.
Versão Esquematizada
| 📌 Execução penal – data-base |
| 📍 Última prisão efetiva 📍 Preventiva + soltura ≠ data-base 📍 Detração penal (CP, art. 42) 📍 Coerência executória |
Inteiro Teor
A discussão consiste em determinar se a data da prisão preventiva deve ser considerada como marco inicial para concessão de benefícios da execução penal, mesmo após o acusado ter sido solto provisoriamente e submetido a monitoração eletrônica.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça pacificaram o entendimento de que a data-base inicial da execução penal – a partir de quando, em princípio, são computados os prazos para a primeira progressão de regime e para o livramento condicional – coincide com a data da última prisão efetuada, seja de natureza cautelar, seja de natureza definitiva.
Para esclarecer qual seria exatamente a data da última prisão em situações diferentes, cumpre ilustrar, por meio de exemplos, três hipóteses possíveis.
Primeiro, se o agente foi preso preventivamente, mantendo-se nessa condição ininterruptamente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, após a qual passou a cumprir a prisão pena, a data-base será a data em que teve início a prisão preventiva.
Segundo, se o indivíduo foi preso preventivamente, mas, em seguida, foi colocado em liberdade provisória, vindo a ser preso posteriormente para o cumprimento da pena definitiva, a data-base será a data da prisão efetuada para o cumprimento da pena, sem prejuízo do cômputo do tempo de prisão preventiva para fins de detração penal.
Terceiro, se o apenado jamais chegou a ser preso cautelarmente e, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, foi preso, pela primeira vez, para o cumprimento da pena definitiva, a data-base será a data desta prisão, direcionada apenas ao cumprimento da pena.
Assim, a data-base deve ser fixada não na data da primeira prisão – de natureza cautelar – e, sim, na data da última prisão, isto é, na data em que a condenado foi preso para o cumprimento da sua pena definitiva.
Nesse sentido, a jurisprudência pacífica do STJ estabelece que a data-base para a concessão de benefícios na execução penal deve ser a da última prisão, e não a da prisão cautelar, quando houver intervalo de liberdade provisória entre a prisão processual e o início do cumprimento definitivo da pena. Considerar a data da prisão preventiva como termo inicial para benefícios executórios, em casos de soltura durante o curso do processo, implicaria em considerar como pena cumprida o período em que o réu esteve em liberdade provisória.
Desse modo, o tempo de prisão provisória interrompido por liberdade provisória deve ser considerado apenas para fins de detração penal, sem influenciar o cálculo de benefícios da execução penal.
16. Reconhecimento de pessoas e nulidade da prova
Destaque
É inválida a condenação fundada exclusivamente em reconhecimento pessoal ou fotográfico realizado em desconformidade com o art. 226 do CPP, quando inexistirem provas autônomas e independentes aptas, por si sós, a demonstrar a autoria delitiva.
REsp 2.204.950-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 11/11/2025.
Conteúdo-Base
📎 CPP, art. 226 (rito legal do reconhecimento de pessoas).
📎 CPP, art. 155 (proibição de condenação com base exclusiva em prova frágil).
📎 Resolução CNJ n. 484/2022 (diretrizes para reconhecimento de pessoas).
📎 Tema 1258/STJ (caráter vinculante das regras sobre reconhecimento).
📚 O reconhecimento irregular é prova epistemicamente inválida, não podendo sequer servir como elemento complementar.
📍 O reconhecimento de pessoas é prova cognitivamente irrepetível: o vício inicial contamina os atos subsequentes.
📍 A repetição do reconhecimento em juízo não convalida a irregularidade originária.
Discussão e Tese
📣 A Sexta Turma reafirmou a superação definitiva da antiga compreensão de que o art. 226 do CPP teria caráter meramente recomendatório. Destacou que o procedimento legal é condição de validade da prova, sobretudo diante da elevada taxa de erros judiciais associados a reconhecimentos falhos.
⚖️ No caso concreto, a condenação baseou-se exclusivamente em reconhecimento fotográfico realizado sem observância do rito legal, sem qualquer prova independente de corroboração. Diante da ausência de lastro probatório autônomo, o STJ concluiu que a manutenção da condenação violaria o devido processo legal e o standard probatório exigido para a autoria.
Como será Cobrado em Prova
📃 A inobservância do art. 226 do CPP gera mera irregularidade, sanável se o reconhecimento for confirmado em juízo.
❌ Errado. O reconhecimento irregular é totalmente inválido e sua repetição não convalida o vício.
📃 A condenação penal exige que o reconhecimento de pessoas, ainda que válido, seja corroborado por provas autônomas e independentes de autoria.
✅ Correto. O reconhecimento, por sua fragilidade epistêmica, não possui força probante absoluta.
Versão Esquematizada
| 📌 Reconhecimento de pessoas |
| 📍 Art. 226 do CPP → observância obrigatória 📍 Prova cognitivamente irrepetível 📍 Vício inicial contamina atos posteriores 📍 Necessidade de prova autônoma de autoria |
Inteiro Teor
Esta Corte Superior entendia, até 2020, que as prescrições contidas no art. 226 do Código de Processo Penal constituiriam “mera recomendação”, cujo descumprimento não ensejaria nulidade da prova.
Rompendo com essa posição jurisprudencial, a Sexta Turma deste Superior Tribunal, por ocasião do julgamento do HC 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti), realizado em 27/10/2020, estabeleceu a necessidade de se anular qualquer reconhecimento formal – pessoal ou fotográfico – que não siga estritamente o que determina o art. 226 do Código de Processo Penal.
No mesmo sentido, em julgamento concluído no dia 23/2/2022, a Segunda Turma da Suprema Corte reportou-se ao que o STJ decidiu no HC 598.886/SC e deu provimento ao RHC 206.846/SP (Rel. Ministro Gilmar Mendes), para absolver um indivíduo reconhecido por fotografia de maneira irregular.
Posteriormente, em 15/3/2022, a Sexta Turma do STJ, no julgamento do HC 712.781/RJ (Rel. Ministro Rogerio Schietti), decidiu que, mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal, o reconhecimento pessoal, embora seja válido, não tem força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica; se, porém, realizado em desacordo com o rito previsto no art. 226 do CPP, o ato é totalmente inválido e não pode ser usado nem mesmo de forma suplementar, nem para lastrear outras decisões, ainda que de menor rigor quanto ao standard probatório exigido, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia e a pronúncia.
| Pontuou-se, ainda, no referido julgado, que o reconhecimento de pessoas é prova cognitivamente irrepetível, porque o ato inicial afeta todos os subsequentes e a sua repetição, mesmo que em conformidade com o art. 226 do CPP, não convalida os vícios pretéritos. |
Com o objetivo de minimizar erros judiciários decorrentes de reconhecimentos equivocados, a Resolução n. 484/2022 do CNJ incorporou os avanços científicos e jurisprudenciais sobre o tema e estabeleceu “diretrizes para a realização do reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário” (art. 1º).
Mais recentemente, no julgamento do Tema Repetitivo 1258, a Terceira Seção do STJ consolidou os entendimentos sobre a matéria.
No julgamento do HC 769.783/RJ (Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe 1º/6/2023), a Terceira Seção desta Corte, diante das diversas condenações injustas proferidas em desfavor do ora recorrente, porque oriundas de um inicial reconhecimento fotográfico feito em total desacordo com o que determina a lei, concederam a ordem, de ofício, “para determinar a soltura imediata do Paciente em relação a todos os processos, cabendo aos Juízos e Tribunais, nas ações em curso, e aos Juízos da Execução Penal, nas ações transitadas em julgado, aferirem se a dinâmica probatória é exatamente a mesma repelida nestes autos”.
O ora recorrente já foi absolvido em cinquenta e um processos; teve duas denúncias contra si rejeitadas e duas revisões criminais julgadas procedentes; bem como uma decisão de impronúncia por ausência de indícios suficientes de autoria delitiva.
No caso este é um dos mais de sessenta processos em que o ora recorrente figura como acusado.
A condenação do réu teve por base apenas o reconhecimento pessoal realizado sem observância do art. 226 do CPP, uma vez que exibidas apenas fotos do acusado e do corréu às vítimas em delegacia, o que está em manifesta contrariedade ao entendimento consolidado nesta Corte Superior.
Apesar de o ato de reconhecimento irregular haver sido repetido pessoalmente em juízo, sua repetição não convalida os vícios pretéritos. Isso porque não há dúvidas de que o reconhecimento inicial, que foi realizado em desconformidade com o disposto no art. 226 do CPP, afeta todos os subsequentes, uma vez que, conforme se assentou no julgamento do HC n. 712.781/RJ, o reconhecimento de pessoas é considerado como uma prova cognitivamente irrepetível.
Cumpre ressaltar que não se trata, no caso, de negar a validade integral do depoimento da vítima, mas sim de negar validade à condenação baseada apenas em reconhecimento colhido em desacordo com as regras probatórias.
Por fim, registre-se que é espantoso notar que, passados cinco anos do julgamento do HC 598.886 SC, pela Sexta Turma, em que se reverteu uma jurisprudência que considerava de segunda importância o cumprimento do artigo 226 do CPP, e mesmo com a Resolução n. 484/2022 do Conselho Nacional de Justiça, que regulamentou o tema, continuam-se as mesmas questões, já exaustivamente decididas em centenas de casos julgados pelas duas Turmas do Superior Tribunal de Justiça.
17. Inquirição judicial e sistema acusatório
Destaque
São nulos os atos de inquirição de testemunhas e de interrogatório do réu quando o magistrado adota postura protagonista e inquisitorial, induzindo respostas e substituindo a atuação das partes, em violação ao contraditório e à imparcialidade.
REsp 2.214.638-SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 4/11/2025.
Conteúdo-Base
📎 CPP, art. 212 (inquirição direta – cross-examination).
📎 CPP, art. 188 (interrogatório como meio de defesa).
📎 CF, art. 5º, LIV e LV (devido processo legal, contraditório e ampla defesa).
📚 O processo penal brasileiro adota modelo acusatório, com protagonismo das partes na produção da prova oral.
📍 A atuação judicial deve ser residual e complementar, voltada apenas ao esclarecimento de pontos obscuros.
📍 A indução de respostas compromete a paridade de armas e a imparcialidade do julgador.
Discussão e Tese
📣 O STJ examinou audiência em que a magistrada assumiu papel ativo e investigativo, formulando perguntas direcionadas e substituindo o ônus probatório do Ministério Público. A Corte enfatizou que o art. 212 do CPP não se limita à ordem formal das perguntas, mas impõe mudança estrutural no papel do juiz.
⚖️ Constatado que a prova que embasou a condenação foi colhida sob condução inquisitorial, o Tribunal reconheceu prejuízo evidente à defesa. A quebra da imparcialidade, nesse contexto, gera nulidade absoluta dos atos praticados a partir da audiência de instrução.
Como será Cobrado em Prova
📃 Há nulidade se o juiz adotar postura inquisitorial, ainda que mantida a ordem formal prevista no art. 212 do CPP.
✅ Correto. Apesar de o juiz ser o destinatário da prova, parte do STJ adota uma postura bastante sensível…
📃 A iniciativa probatória do magistrado deve ser limitada a esclarecimentos pontuais, sob pena de violação ao sistema acusatório.
✅ Correto. O protagonismo judicial compromete a imparcialidade e o contraditório.
Versão Esquematizada
| 📌 Prova oral – sistema acusatório |
| 📍 Art. 212 do CPP → protagonismo das partes 📍 Atuação judicial apenas complementar 📍 Indução de respostas → nulidade 📍 Imparcialidade como eixo do processo |
Inteiro Teor
A controvérsia cinge-se a determinar se a postura ativa da magistrada durante a audiência de instrução ultrapassou os parâmetros legais para a inquirição das testemunhas e o interrogatório do réu.
A consolidação do sistema acusatório no Brasil, reforçada pela reforma introduzida pela Lei n. 11.690/2008, impôs limites claros à postura do juiz na produção da prova oral.
O art. 212 do Código de Processo Penal passou a prever o chamado modelo de inquirição direta (cross-examination), no qual as perguntas são formuladas prioritariamente pelas partes. A atuação do magistrado, nesse sistema, é de natureza complementar, destinada a sanar pontos não esclarecidos, e não de substituição aos sujeitos processuais. Isto é, o juiz pode fazer perguntas, mas apenas para complementar ou esclarecer pontos que ficaram obscuros após a inquirição pelas partes. O objetivo da norma é claro: fortalecer o princípio do contraditório e a paridade de armas, resguardando a imparcialidade do julgador.
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça entende que a estrutura acusatória do processo penal pátrio impede que se sobreponham, em um mesmo sujeito processual, as funções de defender, acusar e julgar. Embora não se elimine a iniciativa probatória do juiz, esta deve ocorrer de modo residual, complementar e sempre com o cuidado de preservar sua imparcialidade.
No caso, apesar de não ter havido inversão da ordem de inquirição de testemunhas prevista no art. 212 do Código de Processo Penal, a atuação da magistrada, em alguns depoimentos, não foi meramente residual e complementar às partes. A juíza de primeiro grau assumiu um papel ativo na produção da prova, muitas vezes induzindo as respostas, atuando como protagonista na inquirição de algumas testemunhas.
O mesmo padrão se repetiu no interrogatório do réu. Embora o art. 188 do Código de Processo Penal permita ao juiz iniciar o ato, a postura adotada pela magistrada transcendeu a função de esclarecimento e adentrou o campo acusatório. A sua atuação excessivamente ativa desvirtuou o interrogatório de sua função primordial de meio de defesa para uma busca inquisitorial de prova contra o réu, resultando em comprovada violação da imparcialidade. A iniciativa probatória da Juíza não se limitou ao esclarecimento de questões ou de pontos duvidosos sobre a prova. Transcendeu o esclarecimento e se revelou investigativa e acusatória, substituindo o ônus processual do Ministério Público e violando a isonomia processual.
Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, o prejuízo para a defesa é evidente. A prova que embasou o édito condenatório foi coligida em um ato processual no qual imperou o protagonismo da Juíza, que agiu em substituição à produção probatória que competia às partes. Tal conduta gera um desequilíbrio na estrutura paritária do processo e viola, em última análise, a sua formatação acusatória. Conforme a jurisprudência do STJ, em casos semelhantes, o prejuízo é manifesto, pois a condenação se baseia em provas não produzidas sob o crivo de um contraditório equilibrado.
Evidencia-se, na espécie, a quebra fundamental na estrutura do devido processo legal. Quando o juiz assume as funções do órgão acusador, a imparcialidade, que é a viga mestra da jurisdição, fica irremediavelmente comprometida.
Portanto, a atuação da magistrada afetou os direitos fundamentais do acusado, comprometendo o dever de imparcialidade tanto na produção da prova testemunhal quanto no interrogatório, o que torna nulo os atos judiciais praticados a partir da audiência de instrução.
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