Informativo STJ 870 Comentado Parte 2
1. Plano de saúde – fórmula à base de aminoácidos
Destaque
A operadora deve custear fórmula nutricional à base de aminoácidos (Neocate) para crianças com APLV até 2 anos, pois a tecnologia é incorporada ao SUS e recomendada pela Conitec, sendo irrelevante não constar do rol da ANS.
REsp 2.204.902-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma.
Conteúdo-Base
???? Portaria MS 67/2018 (incorporação da fórmula de aminoácidos ao SUS para APLV 0–24 meses).
???? Lei 9.656/1998, arts. 10 e 12 (planos não podem excluir tratamentos essenciais ligados à doença coberta).
???? Lei 12.401/2011 (incorporação tecnológica e diretrizes terapêuticas).
???? Embora classificada como “alimento” pela Anvisa, a fórmula constitui tecnologia essencial para tratamento de APLV, conforme avaliação técnico-científica da Conitec.
???? O fato de não constar do rol da ANS não impede a cobertura, pois há diretriz terapêutica consolidada no SUS e indicação formal de necessidade clínica.
???? O tratamento é limitado até 24 meses, conforme protocolo do SUS e evidências científicas sobre desenvolvimento infantil.
Discussão e Tese
???? A Turma analisou se a ausência da fórmula no rol da ANS afastaria a obrigação contratual. Concluiu que o parâmetro decisivo, em casos envolvendo crianças em desenvolvimento, é a existência de diretriz terapêutica validada pela Conitec, que avalia segurança, eficácia e custo-efetividade, dando lastro técnico à cobertura.
⚖️ O acórdão destacou que a fórmula é parte integrante do tratamento nutricional de risco, não se tratando de suplemento opcional. Operadoras não podem negar cobertura quando a tecnologia é reconhecida como essencial pelo SUS, sob pena de violar boa-fé, função social do contrato e proteção integral da criança.
Como será Cobrado em Prova
???? A classificação do produto como “alimento” pela Anvisa não impede sua cobertura por plano de saúde quando a finalidade é terapêutica e reconhecida por diretrizes públicas de saúde.
✅ Correto. A natureza formal da categoria não afasta sua função clínica.
???? A operadora pode negar cobertura da fórmula de aminoácidos por não constar do rol da ANS.
❌ Errado. O uso está respaldado por incorporação ao SUS e diretriz Conitec, elementos suficientes para impor cobertura.
Versão Esquematizada
| ???? Plano de saúde – Neocate |
| ???? Diretriz Conitec + SUS → cobertura obrigatória ???? Rol da ANS → irrelevante quando há tecnologia essencial ???? Classificação como alimento não impede cobertura ???? Limitação etária: 0–24 meses |
Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia a saber se a operadora do plano de saúde tem a obrigação de cobertura de fórmula à base de aminoácidos prescrita para o tratamento da beneficiária diagnosticada com alergia à proteína do leite de vaca.
No caso, a criança beneficiária do plano foi diagnosticada com “enterocolite, reflexo gastroenofogico e angroedema em decorrência de alergia à proteína do leite de vaca (CID R63-8), necessitando utilizar leite de aminoácidos (Neocate) 10 (dez) latas por mês, conforme laudo médico”. A operadora do plano de saúde indeferiu o pedido de cobertura por ausência de previsão no contrato e no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Com efeito, a fórmula à base de aminoácido – Neocate – é registrada na Anvisa na categoria de alimentos infantis.
No entanto, de acordo com os registros da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), a fórmula nutricional à base de aminoácidos foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da Portaria n. 67/2018 do Ministério da Saúde, como tecnologia em saúde para tratamento de crianças de 0 a 24 meses diagnosticadas com alergia à proteína do leite de vaca (APLV).
Infere-se, portanto, que, embora, de fato, não se trate de um medicamento, a fórmula à base de aminoácidos constitui, em circunstâncias como a analisada, tecnologia em saúde reconhecida pela Conitec como diretriz terapêutica para crianças de 0 a 24 meses, diagnosticadas com APLV, considerando, sobretudo, o alerta do Ministério da Saúde acerca da importância do aleitamento para a saúde e o bom desenvolvimento das crianças menores de 2 anos de idade, com a orientação, inclusive, de que até os 6 meses nenhum outro tipo de alimento, senão o leite, lhes seja oferecido.
Nessa toada, a despeito de não constar do rol da ANS, considerando a recomendação positiva da Conitec e a incorporação da tecnologia em saúde ao SUS, desde 2018, deve ser mantido a obrigação de cobertura da fórmula à base de aminoácidos – Neocate -, observada, todavia, a limitação do tratamento até os 2 (dois) anos de idade
2. Despejo – encargos locatícios vencidos e vincendos
Destaque
Nas ações de despejo com cobrança, devem ser incluídas na condenação todas as prestações sucessivas vencidas no curso do processo até a desocupação, independentemente de pedido expresso.
REsp 2.091.358-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma.
Conteúdo-Base
???? CPC, art. 323 (prestações sucessivas são incluídas no pedido, mesmo sem declaração expressa).
???? Lei 8.245/1991 (encargos locatícios como prestações periódicas).
???? CPC, art. 322 §2º (interpretação lógico-sistemática do pedido).
???? Em locações, aluguéis e acessórios vencem periodicamente, permitindo condenação automática das parcelas posteriores ao ajuizamento.
???? O pedido não se limita ao capítulo final da inicial: tudo o que decorre lógica e juridicamente da narrativa integra a pretensão.
???? Evita-se multiplicidade de ações e garante-se efetividade da tutela.
Discussão e Tese
???? O STJ rejeitou a visão formalista de que seria necessário pedir, um a um, todos os encargos posteriores, afirmando que a estrutura da petição deve ser compreendida de maneira lógico-sistemática. A causa de pedir aponta para inadimplemento contínuo, o que abrange naturalmente parcelas futuras.
⚖️ A Turma reforçou que o art. 323 do CPC positivou entendimento histórico do Tribunal: em relações de trato sucessivo, a condenação se estende automaticamente às parcelas vencidas no curso do processo, preservando coerência da tutela e evitando decisões incompletas.
Como será Cobrado em Prova
???? Nas cobranças locatícias, somente podem ser incluídas na condenação as parcelas vencidas durante o processo se estiverem expressamente discriminadas na inicial.
❌ Errado. O art. 323 dispensa pedido pormenorizado: a inclusão é implícita. O fundamento para a condenação das parcelas vencidas após o ajuizamento é o caráter sucessivo da obrigação locatícia, que permite interpretação sistemática do pedido.
Versão Esquematizada
| ???? Despejo – prestações sucessivas |
| ???? Art. 323 CPC → inclusão automática ???? Pedido interpretado sistematicamente ???? Evita múltiplas ações ???? Abrange vencidas até a desocupação |
Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia em definir se é possível incluir na condenação todos os encargos locatícios vencidos e vincendos até a efetiva desocupação do imóvel, mesmo aqueles não discriminados de forma pormenorizada na petição inicial.
Na origem, trata-se de ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança de aluguéis e acessórios da locação. O Tribunal a quo indeferiu pedido de inclusão, na condenação, das prestações periódicas relativas aos encargos locatícios vencidos no curso da demanda, sob o fundamento de que tal providência exigiria pedido pormenorizado na inicial ou no curso da demanda.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a pretensão exposta na petição inicial deve ser analisada a partir de uma interpretação lógico-sistemática, que leva em conta todo o conteúdo da exordial, e não apenas o capítulo destinado à formulação dos pedidos.
O art. 323 do CPC estabelece que, nas ações que tiverem por objeto cumprimento de obrigação em prestações sucessivas, estas serão consideradas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor. Por conseguinte, tal dispositivo é aplicável às prestações periódicas relativas aos encargos locatícios, de modo que deve ser considerado implícito o pedido de condenação às parcelas vencidas no curso da demanda.
Conclui-se que as prestações periódicas relativas aos encargos locatícios vencidos após o ingresso em juízo até a efetiva desocupação do imóvel devem ser incluídas na condenação, independentemente de pedido pormenorizado do autor na inicial ou no curso da demanda.
3. Dano moral coletivo – trote universitário
Destaque
Declarações ofensivas proferidas em trote universitário, dirigidas a grupo restrito e divulgadas por terceiros, não configuram dano moral coletivo, pois não atingem valores transindividuais.
REsp 2.060.852-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma.
Conteúdo-Base
???? CF, art. 5º V e X (proteção individual aos direitos da personalidade).
???? CDC, arts. 81 e 82 (interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos).
???? Lei 7.347/1985 – art. 1º (ACP exige ofensa a interesse transindividual).
???? Dano moral coletivo requer violação séria a valores fundamentais compartilhados por grupo social amplo.
???? Conteúdo jocoso atingiu grupo restrito de calouros em evento privado.
???? Repercussão digital posterior decorreu de terceiros, e não da conduta ativa do agente.
???? Impactos variáveis entre indivíduos impedem caracterização de ofensa coletiva uniforme.
Discussão e Tese
???? A Turma destacou que, embora moralmente reprováveis, as falas ocorreram em contexto limitado, sem pretensão ou potencial intrínseco de atingir a coletividade. A mera viralização posterior não transforma um fato restrito em dano transindividual.
⚖️ O Tribunal também reforçou que dano moral coletivo não se presume: exige demonstração de abalo significativo à ordem social ou a valores essenciais do grupo. Aqui, os efeitos foram personalíssimos e heterogêneos, recomendando tutela individual, não coletiva.
Como será Cobrado em Prova.
???? A aferição da existência de dano moral coletivo depende de demonstração objetiva de afetação a valores transindividuais e não se confunde com reprovação social do ato.
✅ Correto. Esse critério foi aplicado para afastar o caráter coletivo da lesão. Por exemplo, declarações ofensivas dirigidas a grupo específico e restrito não configuram dano moral coletivo quando viralizam na internet — a viralização por terceiros não amplia a natureza do ato nem gera lesão coletiva presumida.
Versão Esquematizada
| ???? Dano moral coletivo – trote |
| ???? Requer lesão a valor transindividual ???? Fato restrito + repercussão por terceiros → não basta ???? Impactos pessoais heterogêneos ???? Tutela adequada = responsabilidade individual |
Inteiro Teor
A controvérsia restringe-se a determinar se as declarações proferidas por veterano durante trote universitário, dirigidas a grupo de calouros e posteriormente divulgadas em redes sociais por terceiros, podem configurar dano moral coletivo.
Na ocasião, sob o pretexto de apresentar o hino da instituição, calouros do curso de medicina foram conduzidos por um ex-aluno do mesmo curso, convidado para participar do trote universitário, a entoar juramento com palavreado vulgar de conteúdo misógino, sexista e pornográfico.
Em razão de tal fato, o Ministério Público ajuizou ação civil pública para condenação do ex-aluno ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.
O dano moral coletivo constitui instituto jurídico de aplicação excepcional, que demanda demonstração rigorosa de efetiva lesão aos valores fundamentais compartilhados pela coletividade, não se confundindo com mera reprovação moral de determinada conduta.
| Para a caracterização do dano moral coletivo, impõe-se a presença cumulativa dos seguintes elementos: (i) conduta antijurídica; (ii) lesão a interesse transindividual; (iii) nexo de causalidade; e (iv) gravidade objetiva da lesão. |
A mera capacidade de mobilização da opinião pública digital não constitui parâmetro juridicamente idôneo para aferir a gravidade objetiva da lesão exigida para caracterização do dano coletivo, sob pena de banalização do instituto.
O segundo elemento (lesão a interesse transindividual) exige demonstração de ofensa a valores fundamentais compartilhados pela coletividade, com potencial de abalar a ordem social ou atingir direitos de grupos determinados.
No caso sob análise, as manifestações foram dirigidas a grupo específico e restrito de estudantes universitários, em evento privado, sem intenção inicial de divulgação ampla. A posterior repercussão em redes sociais decorreu de ação de terceiros, circunstância não provocada diretamente pelo ex-aluno.
É fundamental reconhecer que os efeitos das declarações na esfera pessoal devem ser analisados casuisticamente, em relação a cada um dos participantes do evento. Nem todos necessariamente sofreram o mesmo impacto, devendo-se considerar: a percepção individual do contexto; o grau de constrangimento efetivamente experimentado; a capacidade de discernimento sobre a natureza das manifestações; e a participação voluntária no evento.
Assim, embora o conteúdo das declarações seja moralmente reprovável e mereça censura social, os fatos descritos – contexto jocoso, participação voluntária dos envolvidos, ausência de reação negativa imediata e direcionamento a grupo específico e restrito – evidenciam que a tutela jurídica adequada se situa no plano da responsabilidade individual, não configurando lesão a interesse transidividual apta a ensejar reparação coletiva.
4. Execução de alimentos – morte do menor e transmissibilidade das parcelas vencidas
Destaque
Os alimentos vencidos e não pagos integram o patrimônio do alimentando e, por isso, são transmissíveis aos herdeiros, cabendo sucessão processual, e não sub-rogação.
Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma.
Conteúdo-Base
???? CC, arts. 1.784 e 1.997 (transmissão da herança; responsabilidade por dívidas do falecido dentro das forças da herança).
???? CPC, arts. 110 e 778 (sucessão processual; exequibilidade de créditos patrimoniais).
???? Lei 5.478/1968, art. 15 (execução de alimentos; natureza do crédito).
???? Súmula 277/STJ (alimentos vencidos são dívida certa, líquida e exigível).
???? A obrigação alimentar possui natureza personalíssima apenas quanto ao direito de ser alimentado futuramente.
???? Uma vez vencidas, as parcelas se convertem em crédito patrimonial, desvinculado do vínculo familiar.
???? Herdeiros sucedem o alimentado apenas quanto ao crédito já formado; não há sub-rogação “no direito de ser alimentado”.
Discussão e Tese
???? O STJ destacou que a morte do alimentando extingue a obrigação alimentar futura, mas não elimina direitos já incorporados ao patrimônio do falecido. Parcelas vencidas representam crédito certo, com natureza patrimonial plena, e sua transmissibilidade decorre da própria lógica da sucessão, evitando enriquecimento ilícito do devedor.
⚖️ A Turma também afastou a tese de “sub-rogação”, esclarecendo que herdeiros não passam a ocupar o lugar do menor como titulares de uma relação alimentar — o que seria juridicamente impossível —, mas apenas recebem crédito patrimonial cuja exigibilidade já estava consolidada. Assim, devem ser incluídos no polo ativo da execução.
Como será Cobrado em Prova
???? A morte do alimentando extingue não apenas as prestações futuras, mas também as vencidas e não pagas, por terem natureza personalíssima.
❌ Errado. Somente as prestações futuras se extinguem; as vencidas são crédito patrimonial transmissível.
???? Ao suceder o alimentando, os herdeiros passam assumem posição de credores alimentares para fins de prestações futuras.
❌ Errado. Trata-se de sucessão patrimonial, não sub-rogação na relação alimentar.
Versão Esquematizada
| ???? Alimentos – morte do credor |
| ???? Futuras: extinguem-se ???? Vencidas: crédito patrimonial transmissível ???? Sucessão processual → herdeiros ingressam na execução ???? Evita enriquecimento ilícito do devedor |
Inteiro Teor
O direito à prestação alimentar é personalíssimo do alimentando, o que enseja a impossibilidade de outrem reclamar a continuidade da obrigação, quando falecido o alimentando.
No caso, no entanto, não se cuida de pretensão de suceder o alimentando no direito de ser alimentado, de forma a receber as prestações que se venceriam após a sua morte, mas de sucessão em decorrência de falecimento do credor dos alimentos, no que tange às parcelas vencidas.
Com efeito, os alimentos vencidos e não pagos no curso da execução configuram crédito do alimentado, incorporando-se ao seu patrimônio, sendo, portanto, transmissível aos seus herdeiros.
O fundamento para essa compreensão reside no reconhecimento de que a prestação alimentar vencida já representa um direito consolidado do credor, não mais dependendo de vínculo de dependência, afetivo ou familiar, com o devedor. Negar essa possibilidade significaria reduzir a obrigação alimentar a um vínculo meramente moral, desprovido de eficácia patrimonial, o que contraria não apenas a função social da obrigação alimentar, mas também a lógica do sistema jurídico que reconhece como crédito transmissível qualquer valor vencido e não quitado.
Ou seja, constituindo crédito de cunho patrimonial, os alimentos vencidos perdem o caráter personalíssimo, sendo cabível a transmissão, à luz dos dispositivos que regem a sucessão processual.
5. Embargos à execução – petição nos autos principais e instrumentalidade
Destaque
A apresentação de embargos à execução por simples petição nos autos principais constitui vício sanável, não erro grosseiro, desde que o ato cumpra sua função e seja regularizado sem prejuízo ao contraditório.
REsp 2.206.445-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma.
Conteúdo-Base
???? CPC, art. 914 §1º (embargos = ação autônoma distribuída por dependência).
???? CPC, art. 915 (prazo de 15 dias).
???? CPC, art. 277 (instrumentalidade das formas – vício sanável sem prejuízo).
???? CF, art. 5º LV (contraditório e ampla defesa).
???? Embargos à execução são ação incidental autônoma, mas a forma não prevalece sobre a finalidade quando o contraditório é preservado.
???? Se a petição é tempestiva, expressa inequívoca intenção de embargar e permite ciência do exequente, o ato atinge sua finalidade.
???? Regularização posterior supre a distribuição autônoma e afasta prejuízo.
Discussão e Tese
???? A Corte avaliou se o descumprimento formal da distribuição por dependência deveria invalidar a defesa. Observou que o executado apresentou tempestivamente petição contendo todos os requisitos dos embargos, possibilitando resposta do credor e suspendendo o curso da execução. Assim, a finalidade do ato foi atingida, e não havia prejuízo.
⚖️ O Tribunal enfatizou que erros procedimentais não podem gerar extinção automática quando a irregularidade é corrigível e a essência do contraditório foi garantida. A distinção entre vício sanável e erro grosseiro deve ser guiada pelo impacto no equilíbrio processual — inexistente no caso.
Como será Cobrado em Prova
???? A apresentação de embargos nos autos principais é erro grosseiro, que impede aplicação da instrumentalidade das formas.
❌ Errado. É vício sanável, pois o ato cumpriu a função de instaurar a defesa e foi tempestivamente corrigido.
???? A ausência de prejuízo ao contraditório é elemento decisivo para permitir regularização de defesa processual apresentados de forma inadequada.
✅ Correto. Esse é o critério determinante para aplicação do art. 277 do CPC.
Versão Esquematizada
| ???? Embargos à execução – vício sanável |
| ???? Petição tempestiva nos autos principais ???? Finalidade atingida → contraditório preservado ???? Regularização posterior admitida ???? Instrumentalidade das formas (CPC 277) |
Inteiro Teor
A controvérsia busca definir se a protocolização de embargos à execução nos próprios autos da ação executiva, em desconformidade com o art. 914, § 1º, do CPC, configura erro grosseiro insuscetível de correção pelo princípio da instrumentalidade das formas, ou se tal vício procedimental pode ser sanado quando o ato, embora formalmente irregular, alcança sua finalidade essencial e é posteriormente regularizado dentro de prazo razoável.
Os embargos à execução, disciplinados nos arts. 914 e seguintes do Código de Processo Civil, constituem ação incidental autônoma, mediante a qual o executado pode se opor à execução forçada de título extrajudicial. Sua natureza jurídica de ação impõe, em princípio, o cumprimento rigoroso do procedimento estabelecido em lei, notadamente a distribuição por dependência prevista no § 1º do art. 914.
No caso, embora o embargado tenha adotado procedimento formalmente irregular ao protocolar simples petição nos autos da execução, em vez de distribuir ação autônoma, manifestou inequivocamente sua intenção de embargar a execução dentro do prazo legal de quinze dias estabelecido pelo art. 915 do CPC. Ainda, a petição inicial cumpriu integralmente sua função essencial de comunicar aos exequentes a oposição tempestiva e de interromper o curso da execução.
Considerando que a parte utilizou o instrumento processual adequado (?) para impugnar a execução e o fez tempestivamente, mostra-se apropriada a aplicação dos princípios da instrumentalidade e da economia processual, permitindo-se a regularização mediante posterior distribuição por dependência. A essência da manifestação defensiva foi preservada, não havendo comprometimento dos direitos fundamentais envolvidos.
O equívoco procedimental verificado configura vício de natureza sanável, especialmente quando examinado sob o prisma dos direitos constitucionais de defesa e do princípio da efetividade processual. Os exequentes obtiveram conhecimento imediato da resistência oferecida, sem experimentar prejuízo material algum decorrente da irregularidade formal, enquanto a subsequente correção do procedimento atendeu adequadamente às exigências legais sem afetar o contraditório.
O Tribunal de origem, ao caracterizar a conduta como “erro escusável” e aplicar o princípio da instrumentalidade das formas, demonstrou perfeita sintonia com os valores que informam o sistema processual vigente. A decisão revela equilíbrio adequado entre o respeito às formas legais – que não foi desprezado, mas apenas atenuado, diante das circunstâncias específicas do caso – e a necessidade de evitar formalismos excessivos que comprometam a efetividade do processo.
Ademais, a natureza do erro verificado não se enquadra na categoria de “erro grosseiro” invocada pela parte recorrente. Trata-se, antes, de equívoco procedimental compreensível, praticado por advogado no exercício regular de sua atividade profissional, sem nenhuma intenção de burlar as regras processuais ou causar prejuízo à parte contrária. A aplicação do art. 277 do CPC, longe de representar condescendência indevida com a irregularidade, constitui expressão legítima do princípio da instrumentalidade das formas em sua acepção mais depurada.
6. ECA – Defensoria Pública e prazo em dobro
Destaque
A Defensoria Pública mantém a prerrogativa de prazo em dobro nos procedimentos do ECA, pois a vedação legal do art. 152, §2º do ECA atinge apenas a Fazenda Pública e o Ministério Público.
Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma.
Conteúdo-Base
???? ECA, art. 152 §2º (prazos corridos; vedado prazo em dobro à Fazenda e ao MP — silêncio quanto à Defensoria).
???? LC 80/1994, art. 128 I (prerrogativa do prazo em dobro para a Defensoria).
???? CPC, art. 186 caput (prazo em dobro para manifestações da Defensoria Pública).
???? CF, art. 134 (missão institucional; indeclinabilidade da atuação).
???? A vedação seletiva indica silêncio eloquente do legislador quanto à Defensoria.
???? Defensoria atua sob sobrecarga estrutural e assegura acesso qualificado à Justiça, justificando tratamento processual diferenciado.
???? Isonomia material → tratamento desigual para restaurar paridade de armas.
Discussão e Tese
???? O STJ avaliou alegação de que o ECA, ao vedar prazo em dobro apenas para a Fazenda e o MP, teria excluído a prerrogativa também para a Defensoria. A Corte rejeitou essa leitura, afirmando que a intenção legislativa foi consciente ao não alcançar a Defensoria, preservando sua função de assistência jurídica integral.
⚖️ A Turma reforçou que a igualdade processual exige considerar desigualdades estruturais: a Defensoria lida com volume muito superior de demandas e partes vulneráveis. Assim, o prazo em dobro não é privilégio, mas garantia mínima de isonomia processual.
Como será Cobrado em Prova
???? O art. 152 §2º do ECA, apesar de omitir a Defensoria Pública, revogou tacitamente o prazo em dobro da Defensoria Pública nos procedimentos do ECA.
❌ Errado. O silêncio é intencional: apenas Fazenda e MP foram excluídos.
???? A prerrogativa do prazo em dobro da Defensoria Pública nos procedimentos do ECA decorre do dever institucional de assegurar defesa técnica adequada, especialmente para assistidos vulneráveis.
✅ Correto. Esse fundamento é explicitado no inteiro teor.
Versão Esquematizada
| ???? Defensoria – prazo em dobro no ECA |
| ???? Silêncio eloquente → prerrogativa mantida ???? LC 80 + CPC 186 → base normativa ???? Isonomia material e indeclinabilidade ???? Garantia de paridade de armas |
Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia em saber se o art. 152, § 2º, do ECA, afasta a prerrogativa da Defensoria Pública de contagem em dobro dos prazos processuais, conforme estabelecido nos arts. 128, I, da LC n. 80/1994 e 186, caput, do CPC.
Dispõe o art. 152, § 2º, do ECA que “Os prazos estabelecidos nesta Lei e aplicáveis aos seus procedimentos são contados em dias corridos, excluído o dia do começo e incluído o dia do vencimento, vedado o prazo em dobro para a Fazenda Pública e o Ministério Público”.
Já o art. 128, I, da LC n. 80/1994 assevera que são prerrogativas dos membros da Defensoria Pública “receber, inclusive quando necessário, mediante entrega dos autos com vista, intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição ou instância administrativa, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”.
No mesmo sentido, o art. 186, caput, do CPC, sustenta que a Defensoria Pública “gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais”.
O legislador, ao editar a Lei n. 13.509/2017, que modificou o ECA, vedou expressamente o prazo em dobro apenas à Fazenda Pública e ao Ministério Público, excluindo a Defensoria Pública, o que configura escolha consciente, e não omissão legislativa.
A Defensoria Pública, diferentemente do Ministério Público e da Fazenda Pública, não dispõe da mesma estrutura institucional, recursos humanos e materiais, estando submetida ao princípio da indeclinabilidade, o que gera sobrecarga de trabalho desproporcional que justifica a concessão de prazos diferenciados.
O argumento de violação à isonomia entre as instituições baseia-se em concepção meramente formal de igualdade. A isonomia material exige tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, não configurando a prerrogativa do prazo em dobro privilégio injustificado, mas mecanismo de equalização destinado a garantir paridade real de armas no processo.
Assim, a celeridade dos procedimentos do ECA, embora constitucional e legalmente assegurada, não pode comprometer o direito fundamental ao acesso qualificado à justiça e à ampla defesa.
7. Nova decisão de pronúncia e preclusão
Destaque
A nova decisão de pronúncia, proferida apenas para reincluir crime conexo determinado em acórdão, não reabre prazo recursal para capítulos anteriores já estabilizados pela preclusão temporal.
REsp 2.197.114-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma.
Conteúdo-Base
???? CPP, art. 413 (pronúncia – juízo de admissibilidade).
???? CPP, art. 581 IV (recurso cabível contra a pronúncia).
???? CPP, art. 593 III “d” (competência recursal no Júri; limite de reexame).
???? A pronúncia é ato uno, mas seus capítulos sofrem preclusão consumativa se não impugnados no momento oportuno.
???? Reforma parcial por recurso exclusivo da acusação não revive prazo para teses defensivas já preclusas.
???? Só há reabertura se o capítulo for alterado objetivamente, o que não ocorreu em relação às qualificadoras e pedidos de impronúncia originalmente rejeitados.
Discussão e Tese
???? O Tribunal analisou se a reinclusão de crime conexo, determinada por acórdão, obrigaria o juízo de origem a redigir nova pronúncia com eficácia substitutiva total, reabrindo todos os prazos e permitindo a rediscussão de capítulos já estabilizados. Destacou-se que a “unidade da pronúncia” existe para garantir coerência interna, e não para extinguir preclusões já consolidadas.
⚖️ O STJ esclareceu que a defesa, ao não recorrer da primeira pronúncia sobre qualificadoras e teses como legítima defesa ou desclassificação, conformou-se com tais capítulos. A nova decisão apenas cumpriu a ordem de reinclusão do crime conexo, sem alterar fundamentos anteriores — motivo pelo qual a preclusão se mantém. Permitir reabertura ilimitada enfraqueceria a segurança jurídica e criaria reformatio in pejus indireta.
Como será Cobrado em Prova
???? A nova pronúncia substitui integralmente a anterior e reabre prazo recursal para todos os capítulos, ainda que apenas um ponto tenha sido modificado.
❌ Errado. Apenas capítulos efetivamente alterados podem ser objeto de novo recurso; os demais continuam preclusos. A estabilização dos capítulos não impugnados na primeira pronúncia decorre da preclusão temporal e impede a rediscussão posterior, mesmo diante de nova decisão motivada por recurso exclusivo da acusação.
Versão Esquematizada
| ???? Júri – segunda pronúncia |
| ???? Alteração parcial → não reabre prazo geral ???? Preclusão consumativa preservada ???? Unidade funcional ≠ anulação de preclusões ???? Somente capítulos modificados admitem novo recurso |
Inteiro Teor
A controvérsia consiste em definir se a nova decisão de pronúncia, em cumprimento a acórdão que determinou apenas a reinclusão de crime conexo, possui eficácia substitutiva plena, autorizando a reabertura do prazo recursal para todos os capítulos, ou se sua eficácia é limitada aos pontos efetivamente alterados, preservando-se a preclusão temporal quanto às matérias inalteradas.
A decisão de pronúncia, prevista no art. 413 do CPP, encerra a fase de admissibilidade da acusação no procedimento do Tribunal do Júri e é impugnável por recurso em sentido estrito nos termos do art. 581, IV, do CPP. O regime da preclusão no processo penal impõe à parte o dever de se insurgir contra todos os pontos desfavoráveis no momento processual oportuno, sob pena de estabilização formal da decisão.
No caso, a decisão superveniente não apenas reintegrou o delito conexo de tráfico ilícito de entorpecentes à peça acusatória, mas reavaliou integralmente a denúncia, reafirmando e, por vezes, reformulando o enquadramento jurídico-penal das condutas descritas, bem como o substrato probatório que lhe dá suporte. Ao proceder a essa reapreciação global, o juízo de origem consolidou, em ato único e exauriente, todos os elementos necessários à submissão do acusado ao Tribunal do Júri, conferindo à nova deliberação eficácia substitutiva plena em relação à anterior.
A tese defensiva assenta-se na premissa de que a pronúncia, por ser ato jurisdicional uno, teria sua eficácia condicionada à versão mais recente proferida nos autos, razão pela qual a anulação da decisão originária implicaria, automaticamente, a abertura de novo prazo para interposição de recurso contra todos os seus capítulos.
Essa compreensão, no entanto, não se sustenta à luz do regime jurídico da preclusão. A unidade da pronúncia é conceito funcional: visa a preservar a coerência lógica e a integralidade do juízo de admissibilidade da acusação, mas não se presta a extinguir a estabilização formal decorrente da inércia recursal. Assim, a reforma parcial do ato, motivada por recurso exclusivo de uma das partes, não autoriza, por si só, a rediscussão de capítulos que permaneceram inalterados e já haviam sido objeto de preclusão consumativa.
Na hipótese em exame, a qualificadora de homicídio, o pedido de impronúncia em razão da legítima defesa e a desclassificação para homicídio culposo constaram de forma idêntica na decisão originária, contra a qual a defesa não se insurgiu. Inexistindo qualquer modificação substancial nesse ponto específico, não há motivo para reabrir a dialeticidade recursal. O sistema processual não admite a tese de que a repetição de matéria já estabilizada possa ser tratada como inovação capaz de gerar novo prazo, sob pena de esvaziar-se a função estabilizadora da preclusão.
A preclusão, aqui, não é mero tecnicismo processual. Constitui instrumento de segurança jurídica e de equilíbrio na litigância penal, impondo às partes o dever de manifestar-se no momento adequado sobre todos os aspectos da decisão que lhes sejam desfavoráveis. O seu afastamento somente se justificaria diante de alteração objetiva e relevante no conteúdo da imputação – como a inclusão, nesta segunda pronúncia, do crime de tráfico de drogas -, circunstância que, efetivamente, poderia ensejar nova insurgência defensiva. No tocante às demais teses defensivas, contudo, a defesa conformou-se expressamente ao deixar de recorrer quando lhe foi dada a primeira oportunidade, razão pela qual a nova decisão, ao apenas reproduzir o mesmo fundamento, não reabre prazo já consumado.
Ademais, cumpre destacar esse entendimento também se harmoniza com a lógica subjacente à vedação da reformatio in pejus indireta. Nessa linha, a orientação consolidada pelo STJ afasta a possibilidade de que a reforma parcial da decisão de pronúncia, motivada por recurso exclusivo de uma das partes, enseje reabertura do prazo recursal em relação a capítulos não modificados e já alcançados pela preclusão.
Nesse cenário, admitir que a impugnação defensiva, manejada apenas contra a segunda pronúncia, pudesse afastar matérias não impugnadas na primeira pronúncia implicaria reduzir o alcance da vantagem obtida pelo órgão acusador com o provimento de seu recurso.
8. Indenização mínima – exigência de valor na denúncia
Destaque
É inviável fixar indenização mínima por danos morais com base no art. 387, IV, do CPP quando a denúncia não indica o valor pretendido, pois isso impede contraditório e congruência.
AgRg no REsp 2.217.743-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma.
Conteúdo-Base
???? CPP, art. 387 IV (indenização mínima depende de pedido expresso).
???? CPP, art. 3º (aplicação complementar do CPC).
???? CPC, art. 292 V (necessidade de indicar o valor do pedido).
???? Precedente: REsp 1.986.672/SC (Terceira Seção) (pedido + valor como requisitos cumulativos).
???? A indenização mínima não é automática: depende de pedido específico e quantificado, para viabilizar defesa técnica.
???? Falta de quantificação viola contraditório, ampla defesa e congruência.
???? Dano moral in re ipsa não dispensa indicação do valor.
Discussão e Tese
???? O STJ analisou se o pedido genérico do MP — sem indicação do valor — seria suficiente para autorizar indenização mínima. Destacou que, embora a jurisprudência admita presunção do dano moral, a fase postulatória deve respeitar o sistema acusatório, exigindo precisão mínima para impedir condenações-surpresa.
⚖️ A Turma reforçou que o valor pretendido permite calibrar contraditório, impugnação e eventual acordo, além de servir de limite para o julgamento. Sem essa indicação, não há como aplicar o art. 387, IV, sob pena de esvaziar garantias estruturais do processo penal.
Como será Cobrado em Prova
???? A presunção do dano moral in re ipsa não dispensa a indicação do valor mínimo pretendido para fins do art. 387, IV.
✅ Correto. A presunção dispensa instrução sobre o dano, mas não dispensa formulação completa do pedido (com valor). A exigência de indicação do valor nos pedidos de condenação por dano moral em processo penal decorre da aplicação subsidiária do CPC, que exige pedido quantificado para assegurar contraditório e delimitar a condenação.
Versão Esquematizada
| ???? Indenização mínima – CPP 387 IV |
| ???? Pedido deve conter valor ???? Dano in re ipsa não afasta necessidade de quantificação ???? Ausência de valor → impede condenação ???? Garantias: contraditório, defesa e congruência |
Inteiro Teor
A discussão consiste em saber se, para a fixação de indenização por danos morais com fundamento no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, é necessário, além do pedido expresso na denúncia, a indicação do valor pretendido, para que não haja violação ao princípio do contraditório e ao sistema acusatório.
No que tange ao tema, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.986.672/SC, firmou o entendimento de que “a possibilidade de presunção do dano moral in re ipsa, à luz das específicas circunstâncias do caso concreto, dispensa a obrigatoriedade de instrução específica sobre o dano. No entanto, não afasta a exigência de formulação do pedido na denúncia, com indicação do montante pretendido.
“Assim, a fixação de valor indenizatório mínimo por danos morais, nos termos do art. 387, IV, do CPP, exige que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, com a indicação do valor pretendido, nos termos do art. 3º do CPP c/c o art. 292, V, do CPC/2015.” (REsp 1.986.672/SC, Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, DJe de 21/11/2023).
No caso, embora o Ministério Público Estadual tenha realizado pedido de indenização expresso na denúncia, não se observa a indicação do valor mínimo necessário para a reparação do dano almejado, o que, como visto, viola o princípio do contraditório e impossibilita a fixação da indenização requerida.
Desse modo, “apesar da existência, na denúncia, de pedido expresso de fixação de indenização a título de reparação mínima pelos danos morais causados à vítima em decorrência dos delitos […], não consta qualquer indicação do quantum indenizatório pretendido, o que inviabiliza o acolhimento do pleito ministerial, sob pena de violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, da congruência e do sistema acusatório” (AgRg no REsp 2.089.673/RJ, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 5/12/2023).
9. Júri – novo julgamento e vedação à inovação probatória
Destaque
No novo julgamento do Júri, motivado pela cassação do primeiro veredicto por decisão manifestamente contrária à prova dos autos, é vedada qualquer inovação probatória, inclusive a oitiva de testemunha inédita.
REsp 2.225.331-RJ, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma.
Conteúdo-Base
???? CPP, art. 593 III “d” e §3º (novo julgamento limitado ao mesmo acervo probatório).
???? CPP, art. 402 (preclusão para arrolamento de testemunhas).
???? CPP, art. 155 (decisão baseada em provas produzidas no processo).
???? O novo Júri não substitui a ação penal: é revisão excepcional do primeiro julgamento.
???? Permitir testemunhas novas alteraria o cenário probatório e violaria a paridade de armas.
???? A regra de que o recurso só pode ser usado uma vez reforça a vedação à ampliação do material probatório.
Discussão e Tese
???? O Tribunal enfatizou que o art. 593 III “d” visa apenas garantir que os jurados revisitem a prova já apreciada, agora em novo julgamento, quando o primeiro veredicto destoou flagrantemente do conjunto fático. A finalidade do dispositivo não é refazer a instrução, mas assegurar que o mesmo material probatório seja novamente submetido ao Conselho de Sentença.
⚖️ Ao tentar introduzir testemunha não arrolada na fase do art. 402, a parte buscava transformar o novo Júri em processo inédito, afastando o limite recursal e possibilitando reestruturação estratégica da narrativa. O STJ rejeitou a pretensão para proteger a coerência do sistema recursal e evitar nulidades decorrentes da violação ao contraditório e da quebra de isonomia.
Como será Cobrado em Prova
???? No novo Júri autorizado pelo art. 593 III “d” do CPP (novo julgamento por decisão contrária à prova dos autos), pode-se ampliar o acervo probatório para aperfeiçoar a busca da verdade real.
❌ Errado. O novo julgamento deve reproduzir exatamente a prova já submetida aos jurados, não podendo incluir testemunhas inéditas. A razão pela qual testemunhas novas são vedadas é que sua inclusão criaria um cenário probatório diferente daquele que fundamentou a cassação, transformando o novo julgamento em processo autônomo. A limitação existe para impedir subversão do regime recursal e preservar a equivalência entre julgamentos.
Versão Esquematizada
| ???? Júri – segundo julgamento |
| ???? Novo Júri = reexame, não nova instrução ???? Testemunhas inéditas → preclusão (art. 402) ???? Risco: transformação em processo novo ???? Art. 593 III “d” limita inovação probatória |
Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de se ouvir, no segundo julgamento do Tribunal do Júri, testemunha que não participou do primeiro julgamento, anulado por ser manifestamente contrário a prova dos autos.
O Superior Tribunal de Justiça repudia a invocação do princípio da busca da verdade real como forma de se vilipendiar regras que asseguram o devido processo legal, principalmente no que se refere à produção da prova, a fim de, sobretudo, respeitar-se a paridade de armas no processo penal.
Por conseguinte, diversas regras previstas no Código de Processo Penal impõem balizas para a produção da prova, muitas delas estabelecendo marcos temporais para o exercício de tal mister. Conforme já anotou esta Corte, “o direito à prova no processo penal não é absoluto e está sujeito a limitações temporais” (REsp 2.101.578/RS, Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, DJEN de 20/12/2024).
No rito do Tribunal do Júri, as testemunhas devem ser arroladas na fase do art. 402 do CPP, sob pena de preclusão. No caso, no primeiro julgamento, foram indicadas as testemunhas na fase do mencionado dispositivo legal. Procedida à cassação do veredicto popular pelo Tribunal a quo, postulou-se a inclusão de testemunha inédita, desconhecida durante a instrução e na fase do Plenário, a fim de que fosse ouvida pelos jurados.
Contudo, para além da discussão sobre a possibilidade de se admitir a oitiva de testemunha em Plenário, não arrolada na fase do art. 402 do Código de Processo Penal pelas partes, o caso em exame revela peculiaridade que impede a sua admissão.
É que a renovação do julgamento, determinado em razão do provimento ao recurso de apelação interposto com fundamento no de art. 593, III, d, do Código Processo Penal, deve ter como parâmetro e limite as provas que foram submetidas aos jurados no julgamento anulado anteriormente.
Isso porque, a regra do art. 593, III, d, § 3º, do CPP, ao admitir a realização de novo julgamento quando a decisão dos jurados for considerada manifestamente contrária à prova dos autos, reclama sejam os jurados submetidos ao mesmo cenário probatório, não se admitindo nenhum tipo de inovação, uma vez que o objetivo dessa regra é possibilitar, uma única vez, a revisão do que foi decidido. Assim, se admitida a ampliação do acervo probatório, como autorizou o Tribunal de origem, se terá um novo e inédito julgamento e não a renovação do primeiro.
Além disso, a previsão de que esse recurso poderá ser utilizado apenas uma vez, contida na parte final do referido dispositivo, será inobservada, porque, em relação à nova quadra probatória, então ampliada, haverá a possibilidade de ocorrer apenas um julgamento, sem a possibilidade de recurso, pois, a toda evidência, já manejado.
Assim, a admissão da referida testemunha ocasionará indevida violação ao devido processo legal.
Nesse sentido, “Quando o tribunal dá provimento ao apelo das partes para determinar a realização de um novo julgamento, pelo fato do primeiro veredicto ter sido considerado manifestamente contrário à prova dos autos, não se pode admitir que haja inovação no conjunto probatório que será levado ao conhecimento do novo Conselho de Sentença, sob pena de se desvirtuar a regra recursal prevista no artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal, mormente em razão da norma contida na parte final do § 3º do referido dispositivo, que impede a segunda apelação motivada na alegação em análise” (RHC 120.356/SP, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe de 22/4/2020).
10. Cadeia de custódia – extravio de mídias
Destaque
É nulo o laudo pericial quando o conteúdo original das mídias utilizadas na perícia se torna inacessível à defesa por falha de armazenamento, comprometendo contraditório e paridade de armas.
RHC 218.358-PI, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma.
Conteúdo-Base
???? CPP, arts. 158-A a 158-F (rastreabilidade e integridade da prova).
???? CPP, art. 159 (acesso da defesa ao material pericial).
???? CF, art. 5º LV (contraditório e ampla defesa).
???? A cadeia de custódia exige preservação íntegra dos vestígios — inclusive digitais.
???? O extravio impede replicação do exame, inviabilizando contraprova.
???? Quebra de custódia não depende de adulteração: basta a impossibilidade de acesso ao material original.
Discussão e Tese
???? O STJ afirmou que, embora não houvesse indícios de manipulação nas mídias, a falta do material original impossibilitou verificar metodologias, replicar simulações e contestar o laudo; isso atingiu o núcleo do contraditório. Em provas digitais, o dever de conservação é ainda mais rigoroso.
⚖️ Como o laudo pericial foi produzido sem contraditório prévio, a falha estatal de armazenamento comprometeu toda a fase instrutória. A defesa ficou impossibilitada de exercer sua paridade técnica e científica, tornando o laudo juridicamente inválido.
Como será Cobrado em Prova
???? Ainda que não haja sinais de adulteração, se a mídia original for extraviada, o laudo pericial respectivo torna-se imprestável como prova.
✅ Correto. Sem acesso à íntegra, o contraditório é impossibilitado e ocorre quebra da cadeia de custódia. A inaplicabilidade do laudo decorre da impossibilidade de contraprova, pois o material original é essencial à reprodutibilidade técnica do exame. A falha de custódia impede fiscalização científica da prova.
Versão Esquematizada
| ???? Cadeia de custódia – mídias |
| ???? Falta de acesso = quebra de custódia ???? Defesa sem contraprova → nulidade ???? Prova digital exige maior rigor ???? Laudo dependente do material original |
Inteiro Teor
Cinge-se a controvérsia a determinar se é nula a prova pericial baseada em mídias cujo conteúdo integral se tornou inacessível à defesa.
O objetivo central da normatização da cadeia de custódia no Código de Processo Penal foi assegurar a autenticidade, integridade e confiabilidade da prova, desde o momento de sua coleta até o seu descarte final, mediante a adoção de um procedimento padronizado de documentação, controle e rastreabilidade.
A quebra da cadeia de custódia se caracteriza pela ocorrência de falhas em um ou mais elos do procedimento de rastreamento, controle e preservação da prova – seja de natureza física ou digital – comprometendo, de forma direta, sua integridade, autenticidade e/ou confiabilidade, podendo ensejar sua exclusão do processo.
Nesse ponto, registre-se que a particularidade do presente caso não se dá por existência de possível adulteração ou manipulação da prova a ponto de invalidá-la, já que inexistem dados que indiquem tais falhas, mas, sim, por ausência dos elementos originais que se extraviaram após a regular confecção dos respectivos laudos e incorporação aos autos.
O extravio do material periciado evidencia a ausência de adequado armazenamento e conservação da prova, impedindo o acesso à íntegra do conteúdo utilizado na elaboração dos laudos periciais, o que pode configurar, à luz do Código de Processo Penal, vício procedimental. Deve-se, portanto, avaliar as consequências fáticas e jurídicas dessa irregularidade no caso concreto, especialmente quanto ao seu potencial de violar direitos e garantias fundamentais.
Nesse norte, esclarece-se que não é sempre que a ausência de mídia ou gravação caracterizará a quebra da cadeia de custódia. A caracterização de tal vício dependerá da análise do caso concreto, considerando-se, sobretudo, a essencialidade da mídia para a reconstituição fidedigna do iter probatório e para assegurar a possibilidade de contraprova pela parte.
No caso em exame, a ausência da íntegra das gravações e imagens relativas ao dia do sinistro, bem como das simulações realizadas, comprometeu a adequada análise técnica necessária à eventual produção de contraprova. A impossibilidade de acesso às fontes originais fragilizou, no caso, a tentativa de contestação ou complementação do trabalho pericial, resultando na inefetividade do contraditório, na violação da ampla defesa e na quebra da paridade de armas entre as partes.
Havia o dever jurídico de conservação do objeto original da prova. Em se tratando especialmente de prova de natureza cautelar, produzida, excepcionalmente, sem observância do contraditório prévio das partes, realizada em procedimento submetido a controle judicial diferido, faz-se ainda mais relevante assegurar, em momento processualmente oportuno, notadamente durante a fase instrutória, a possibilidade de a parte opor-se adequadamente a essa prova, de apresentar, inclusive, uma contraprova.
Portanto, diante da constatada falha no armazenamento das mídias e gravações, deve ser reconhecida a quebra de cadeia de custódia e a consequente nulidade dos respectivos laudos periciais.
11. CRC – ronda virtual sem necessidade de ordem judicial
Destaque
O uso de software de ronda virtual (CRC) para localizar pornografia infantil em redes P2P dispensa autorização judicial, pois acessa apenas dados expostos voluntariamente pelos usuários.
Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma.
Conteúdo-Base
???? ECA, art. 190-A (infiltração virtual exige ordem judicial e direcionamento a alvo).
???? MCI – Lei 12.965/2014, art. 10 §3º (dados cadastrais → acesso direto pela autoridade).
???? Lei 8.069/1990, art. 241-B (armazenamento/divulgação de pornografia infantil).
???? CRC funciona como cliente P2P, acessando ambiente público, sem violar sigilo ou privacidade.
???? Infiltração exige personificação e entrada em ambiente restrito — o CRC não faz isso.
???? Requisição de dados cadastrais do IP pode ser feita diretamente à operadora.
Discussão e Tese
???? O Tribunal explicou que o CRC não invade computadores nem intercepta comunicações; apenas detecta arquivos e IPs expostos em redes P2P, às quais qualquer usuário pode ter acesso. Por isso, não se trata de medida invasiva sujeita à reserva jurisdicional.
⚖️ A Turma diferenciou claramente “ronda virtual” de infiltração policial: enquanto esta demanda direção a suspeito e ordem judicial, aquela é monitoramento geral e impessoal em ambiente aberto. Também ficou reafirmado que dados cadastrais, por não revelarem conteúdo de comunicação, podem ser requisitados diretamente.
Como será Cobrado em Prova
???? A ronda virtual com CRC caracteriza infiltração digital e exige ordem judicial nos termos do art. 190-A do ECA.
❌ Errado. CRC opera em ambiente aberto e não ingressa em espaço privado.
???? A polícia pode requisitar dados cadastrais vinculados ao IP identificado pelo CRC sem ordem judicial, por serem dados não protegidos pela reserva de jurisdição.
✅ Correto. A distinção entre dados cadastrais e dados de conteúdo é legalmente expressa.
Versão Esquematizada
| ???? CRC – ronda virtual |
| ???? Redes P2P = ambiente público ???? Não é infiltração → dispensa ordem judicial ???? Dados cadastrais → requisição direta ???? Base legal: MCI 10§3º / ECA 190-A |
Inteiro Teor
A atividade de rastreamento na internet realizada pela polícia civil, por meio do uso de um software de busca contínua da Child Rescue Coalitio (CRC), que age de forma oculta, consiste em rastrear arquivos compartilhados em redes de troca ponto a ponto (P2P). Esse software opera em ambiente aberto da internet e busca por arquivos com palavras-chave sensíveis, como termos relacionados à pornografia infantil e podem identificar o IP que compartilha tais arquivos.
O monitoramento de IPs em redes P2P ocorre em ambiente virtualmente público, no qual os participantes voluntariamente compartilham arquivos e expõem seus endereços lógicos (IPs) a todos os usuários da rede. Para o usuário operador de um programa P2P, os IPs dos outros componentes são visíveis e configuram informação de fonte aberta.
Não se trata, portanto, de invasão a espaço privado ou interceptação de comunicações que exigiria prévia autorização judicial, mas de coleta de informações disponíveis em ambiente compartilhado. O software utilizado pelos investigadores opera como qualquer outro cliente P2P, acessando apenas informações que qualquer usuário da rede poderia obter.
Essa atividade não se confunde com a figura prevista no art. 190-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, inserida pela Lei n. 13.441/2017. A infiltração policial na internet, nos termos do ECA, consiste em uma técnica especial de investigação em que um agente policial oculta sua real identidade e se passa por criminoso, a fim de ingressar em ambiente virtual fechado, buscando alvos, suspeitos da prática de crimes.
Dessa forma, a atividade de rastreamento na internet realizada pela polícia civil, por meio do uso de um software de busca contínua da Child Rescue Coalitio (CRC), trata-se de ronda contínua que não se direciona a pessoas determinadas, diferentemente do procedimento da infiltração policial. Além disso, o software policial atua em rede aberta, em que o compartilhamento do IP dos usuários é pressuposto da comunidade e é fato de conhecimento de todos os seus usuários, razão pela qual não se aplica a exigência de prévia ordem judicial, nos termos do art. 190-A, I, do ECA.
No caso, os elementos que sustentam a denúncia pelo crime tipificado no art. 241-B da Lei n. 8.069/1990 foram obtidos após busca e apreensão domiciliar, a qual foi autorizada judicialmente com base na apresentação, pela autoridade policial, de indícios de autoria obtidos a partir de ronda virtual realizada por meio de software policial especializado.
Também não há ilegalidade na atuação da autoridade policial que, depois de identificar o IP do suspeito com base no software policial de ronda virtual contínua, requisita diretamente aos provedores de internet as informações cadastrais daquele usuário.
Isso porque, a Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) estabelece proteções diferenciadas para diferentes categorias de dados, sendo mais rigorosa quanto ao conteúdo das comunicações e mais flexível quanto aos dados cadastrais objetivos. Conforme expressamente previsto em seu art. 10, § 3º da Lei n. 12.965/2014, o acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço é permitido diretamente às autoridades administrativas competentes, sem necessidade de ordem judicial.
Portanto, a legislação diferencia os dados cadastrais, que podem ser requisitados diretamente pela autoridade policial, dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet, que dependem de autorização judicial.
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