Artigo

PCRS – Questões de Direito Penal comentadas – prova de Delegado do Rio Grande do Sul

 

1 – Considerações Iniciais

Estes são os comentários das questões 1 a 10 do concurso de 2018 de Delegado de Polícia Civil do Rio Grande do Sul.

Analisaremos, aqui, as questões 1 a 10 de Direito Penal aplicadas no referido concurso, com estudo da possibilidade de recurso e comentários em relação a cada uma das alternativas.

 

2 – Questões Comentadas de Direito Penal

2.1 – QUESTÃO 01

 

Analise as assertivas a seguir, de acordo com a classificação doutrinária dos crimes:

  1. Os crimes formais também podem ser definidos como crimes de resultado cortado.
  2. O crime de furto é classificado como crime instantâneo, porém há a possibilidade de um crime de furto ser considerado, eventualmente, crime permanente.

III. O crime de lesão corporal grave em decorrência da incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias é classificado, em relação ao momento consumativo, como um crime a prazo.

  1. Pode-se dizer que o crime de tráfico de drogas, previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, é um exemplo de crime de perigo abstrato e unissubjetivo.

Quais estão corretas?

  1. A) Apenas I
  2. B) Apenas II
  3. C) Apenas III e IV
  4. D) Apenas I, II e III.
  5. E) I, II, III e IV.

 

Comentários

Gabarito: letra E.

O item I está correto. Os crimes formais também podem ser denominados crimes de resultado cortado.

O item II está correto. O crime de furto é classificado, via de regra, como crime instantâneo. Entretanto, ele está dentre os delitos denominados como eventualmente permanentes, ou seja, em determinados casos ele pode ser permanente, como é o caso de furto de energia elétrica.

O item III está correto. O crime de lesão corporal grave em decorrência da incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias realmente pode ser denominado crime a prazo. Isto porque sua consumação depende do decurso de determinado lapso temporal

O item IV está correto. Segundo a posição majoritária, o tráfico de drogas, previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, é crime de perigo abstrato, isto é, não é preciso demonstrar o perigo concreto que a exposição à venda de cocaína, por exemplo, apresenta. Além disso, ele pode ser denominado de crime unissubjetivo ou de concurso eventual. Um só indivíduo pode cometer o delito.

Entendo que todos os itens estão corretos, o que leva à conclusão de ser correta a alternativa E.

 

2.2 – QUESTÃO 02

 

Em relação ao crime de invasão de dispositivo informático, analise as seguintes

assertivas, com base na Lei, doutrina e jurisprudência majoritárias:

  1. A conduta incriminada pelo artigo 154-A do Código Penal somente permite seu processamento, através de ação penal pública condicionada à representação, em toda e qualquer hipótese, por expressa disposição legal.
  2. Aquele que aproveita a ausência momentânea de um colega de trabalho em sua mesa para acessar o computador dele, que ficou ligado e sem nenhum tipo de dispositivo de segurança, tendo acesso a fotos intimas de tal colega, pratica o crime de invasão de dispositivo informático.

III. O crime é considerado pela doutrina como um crime formal, portanto a simples invasão de computador alheio, desde que o objetivo seja obter, adulterar ou destruir dados ou informações ou instalar vulnerabilidades, para obter vantagem ilícita, já configura o tipo penal, sem a necessidade de que algum prejuízo econômico efetivamente ocorra.

  1. Isolda, namorada de Juca, desconfiada de uma suposta traição, instalou um código malicioso no computador dele, para ter controle remoto da máquina. Com isso, passou a monitorar a navegação de Juca na internet, ela praticou o crime de invasão de dispositivo informático qualificado.

Quais estão corretas?

  1. A) Apenas II e IV.
  2. B) Apenas III e IV.
  3. c) Apenas I, II e III.
  4. D) Apenas I, III e IV.
  5. E) I, II, III e IV.

 

Comentários

Gabarito: letra B.

O item I está incorreto. O artigo 154-B do Código Penal dispõe que: “Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos.”

O item II está incorreto. É elementar do crime previsto no artigo 154-A do Código Penal que a invasão se dê “mediante violação indevida de mecanismo de segurança”. Sem que haja violação indevida de mecanismo de segurança, não se configura o crime.

O item III está correto. O crime realmente é classificado como crime formal, consumando-se com a simples invasão de computador alheio, se configurado o elemento subjetivo do tipo, consistente no objetivo de obter, adulterar ou destruir dados ou informações ou instalar vulnerabilidades, para obter vantagem ilícita. O prejuízo econômico, se houver, será mero exaurimento do crime.

O item IV está correto. Uma das formas qualificadas do crime se configura com o controle remoto não autorizado do dispositivo, nos termos do § 3º do artigo 154-A do CP.

Corretos os itens III e IV, a resposta é a alternativa B.

 

2.3 – QUESTÃO 03

 

Analise a situação hipotética a seguir:

Crakeison, imputável, sem mais dinheiro para custear o vício em drogas, planejou assaltar transeuntes, em via pública. Pondo em prática seu plano criminoso, abordou as vítimas Suzineide 21 anos, grávida de 08 meses, e Romualdo, marido dela, assim que saíram de um estabelecimento comercial. Apontando para as vítimas um revólver calibre 38, Crakeison ordenou que Romualdo lhe entregasse um aparelho celular, que levava em uma das mãos. Suzineide, assustada, gritou. Diante disso, Crakeison efetuou um disparo contra Suzineide, atingindo o abdômen da grávida. Em um ato continuo, Romualdo conseguiu imobilizar o criminoso, retirando a arma de fogo das mãos dele. Imobilizado, Crakeison foi preso em seguida, não logrando êxito, portanto, na subtração do aparelho celular pretendido. Suzineide foi socorrida, porém, em decorrência das lesões sofridas, ela e o bebê morreram antes de chegarem ao hospital da cidade. Assinale a alternativa que melhor ilustra o enquadramento legal a ser conferido a Crakeison pelo Delegado de Polícia com atribuição para a apreciação do caso, com base no entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal.

  1. A) Latrocínio consumado, agravado pelo fato de ter sido praticado contra mulher grávida.
  2. B) Latrocínio tentado, agravado pelo fato de ter sido praticado contra mulher grávida.
  3. C) Latrocínio consumado, majorado pelo emprego de arma e agravado pelo fato de ter sido praticado contra mulher grávida.
  4. D) Homicídio doloso contra Suzineide, qualificado por motivo torpe, bem como homicídio culposo contra o feto e roubo tentado contra Romualdo, majorado pelo emprego de arma.
  5. E) Homicídio doloso contra Suzineide, qualificado por motivo torpe, agravado pelo fato de ter sido praticado contra mulher grávida, homicídio doloso contra o feto e roubo majorado por emprego de arma contra Romualdo.

Comentários

Gabarito: letra A.

Segundo a Súmula 610 do STF, “há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”. Deste modo, com a morte de Suzineide, decorrente da violência praticada, há latrocínio consumado.

Com relação à majorante de emprego de arma (artigo 157, § 2º, I, do CP, dispositivo atualmente revogado), a posição do STF é a seguinte: “Não se aplicam as majorantes previstas no § 2º do art. 157 do Código Penal à pena base pelo delito tipificado no § 3º.” (HC 94994/SP). Por isso, a alternativa correta é a A.

 

2.4 – QUESTÃO 04

 

Analise a seguinte situação hipoteticamente descrita:

Ratão e Cara Riscada, foragidos do sistema prisional gaúcho, dirigiram-se a uma pacata cidade no interior do Estado. Lá chegando, por volta das 11 horas, invadiram uma residência, aleatoriamente, e anunciaram o assalto à Mindinha, faxineira, que estava sozinha na casa. Amarraram a vitima, trancando-a em um dos quartos do imóvel. Os dois permaneceram por aproximadamente 45 minutos no local, buscando objetos e valores. Quando já estavam saindo, carregando um cofre, ouviram um barulho, que identificaram como sendo uma sirene de viatura policial. Temendo serem presos, empreenderam fuga, sem nada levar. Assim que percebeu o silêncio na casa, Mindinha tentou se desamarrar, porém, acabou se lesionando gravemente, ao tentar fazer uso de uma faca, para soltar a corda que a prendia. Socorrida a vítima e acionada a Polícia Civil, restou esclarecido que a sirene supostamente ouvida pelos assaltantes era a sineta de encerramento de aula de uma escola situada ao lado da residência. Os autores do crime foram descobertos em seguida, já que não conheciam a cidade e acabaram chamando a atenção dos moradores. Assinale a alternativa que corresponde “a melhor tipificação a ser atribuída a Ratão e Cara Riscada.

  1. A) Roubo tentado qualificado pela lesão corporal grave sofrida pela vítima.
  2. B) Roubo tentado qualificado pela lesão corporal grave e majorado pelo concurso de agentes e restrição da liberdade da vítima.
  3. C) Roubo tentado majorado por concurso de agentes e restrição da liberdade da vítima.
  4. D) Ambos não responderão pelo crime de roubo, pois ocorreu aquilo que a doutrina compreende como sendo uma desistência voluntária pelos agentes.
  5. E) De acordo com a doutrina, pode-se dizer que, diante da ocorrência de um obstáculo erroneamente suposto, ambos respondem por tentativa abandonada ou qualificada.

Comentários.

Gabarito: letra C.

O crime de roubo ocorreu, na forma tentada. A consumação não ocorreu por circunstâncias alheias à vontade dos agentes, que confundiram a sineta da escola com a sirene de viaturas policiais. Só qualifica o roubo a lesão corporal grave que decorra da violência cometida pelos agentes, o que não foi o caso. Incidem as majorantes do concurso de pessoas e de restrição da liberdade da vítima. Deste modo, entendo correta a alternativa C.

 

2.5 – QUESTÃO 05

 

Analise as seguintes situações hipotéticas, e assinale a alternativa correta.

  1. A) Viriato amordaça Gezilda, para que ela não grite por socorro. Em seguida, pratica conjunção carnal com ela, sem perceber que a vítima está se engasgando devido à mordaça utilizada por ele. Gezilda, que é maior de idade e capaz, morre sufocada. Viriato deverá responder por estupro e homicídio culposo, em concurso material.
  2. B) Zezão aborda a vítima Vitinha, maior de idade e capaz, em via pública, arrasta-a para um terreno abandonado. Ao perceber que será estuprada, Vitinha entra em luta corporal com Zezão e acaba sendo morta, porque Zezão efetuou um disparo, empregando uma arma de fogo que levava consigo. Em seguida, Zezão realiza atos sexuais com Vitinha. Nessa hipótese, Zezão responderá tão somente pelos crimes de estupro e homicídio qualificado, em concurso material.
  3. C) Beraldo aborda a vítima Zequinha, 11 anos de idade, em via pública, levando-o para um edifício em construção, oferecendo a ele dinheiro e doces, para que fizesse sexo oral em Beraldo. Após o ato, com medo de ser identificado, Beraldo mata Zequinha com uma pedrada na cabeça. Beraldo deverá responder pelo crime de estupro de vulnerável, qualificado pela morte de Zequinha.
  4. D) Tiburcio, imputável, tio de Adalgisa, 09 anos de idade, em uma ocasião em que foi visitar a irmã, mãe da menor, aproveitou-se de um momento em que esteve sozinho com Adalgisa, tirou a roupa da menina, pedindo que fizesse poses sensuais, fotografando-a em tal condição. No mesmo dia, porém, mais tarde, oferecendo a ela doces, fez com que praticasse sexo oral nele. Tibúrcio responderá pela prática de estupro de vulnerável, em concurso material com o crime previsto no artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ambos os delitos em suas formas majoradas pela condição de ser tio da menor.
  5. E) Tyrapele, cirurgião plástico, anestesiou a paciente Suzi, 25 anos e, em seguida, praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com ela, aproveitando-se de que Suzi estava inconsciente e sem condições de oferecer resistência. Nesse caso, praticou o crime denominado violação sexual mediante fraude.

Comentários.

Gabarito: letra D.

A alternativa A está incorreta, Viriato praticou estupro qualificado pelo resultado morte.

A alternativa B está incorreta, pois Zezão deve responder pelo homicídio e pelo crime de vilipêndio a cadáver.

A alternativa C está incorreta. Beraldo praticou o delito de estupro de vulnerável e pelo crime de homicídio doloso. Ele só responderia pelo estupro qualificado pelo resultado morte em caso de crime preterdoloso, ou seja, se a morte tivesse sido causada por imprudência, negligência ou imperícia.

A alternativa D está correta. Tibúrcio deve responder por ambos os delitos, praticados, inclusive, em ocasiões distintas.

A alternativa E está incorreta. Tyrapele cometeu o crime de estupro de vulnerável.

 

2.6 – QUESTÃO 06

 

Em relação aos crimes contra o patrimônio, assinale a alternativa correta, de acordo com entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores.

  1. A) Tadeuzinho, menor, subtraiu uma bicicleta de alto valor comercial. Após pinta-la, vendeu-a para Espertinhus, contando a respeito da origem ilícita do objeto. Nessa hipótese, não está configurada a receptação, porque o tipo penal exige que a coisa adquirida seja produto de crime anterior e não de ato infracional, como é o caso.
  2. B) Astolfo, proprietário de um açougue clandestino, adquiriu, para vender em seu estabelecimento comercial, diversos bois abatidos, que deveria saber serem produto de subtração. Carneiro Ticiani, agropecuarista, nesta condição, adquiriu uma carga de gado nelore, que deveria saber ser produto de furto. Este responderá pelo crime de receptação de animal semovente de produção, com pena de reclusão de 02 a 05 anos e multa. Aquele responderá pelo crime de receptação qualificada, com pena de reclusão de 03 a 08 anos e multa.
  3. C) Ligeirinhus subtraiu a bolsa de Maria Sussa, enquanto ela dormia, em um ônibus interurbano. Assim agindo, praticou o crime de roubo mediante violência imprópria, porque se aproveitou de situação na qual a vítima não possuía qualquer capacidade de resistência.
  4. D) Folgadus, imputável, subtraiu o talão de cheques de seu pai, 59 anos, preencheu uma cártula, assinou-a e efetuou vultosas compras em estabelecimento comercial. Folgadus não responde, em tese, por nenhum crime, em função da regra de imunidade absoluta, prevista no artigo 181 do Código Penal.
  5. E) Santina, 60 anos, conheceu Larapius pela internet, passando a manter com ele relacionamento amoroso. Alegando dificuldades financeiras, Larapius pediu que Santina depositasse para ele elevada quantia em dinheiro, para que pudesse ir até ela. Após o depósito, o perfil da rede social foi desativado e Santina descobriu que tinha sido vítima de um scam A conduta de Larapius se amolda ao crime de estelionato majorado, por ter sido praticado contra idosa.

Comentários.

Gabarito: letra E.

A alternativa A está incorreta, pois grande parte da doutrina entende que a receptação não exige ação punível, o que abrangeria o ato infracional. A matéria é divergente, sendo que a maioria da doutrina entende que o artigo 171, § 4º, permite a configuração se o ilícito anterior for ato infracional (§ 4º – A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa).

A alternativa B também está incorreta, pois ambos os casos envolvem a receptação de animal, prevista no artigo 180-A do CP, norma especial que prevalece em relação à receptação do artigo 180. Assim, para ambos a pena será de 2 a 5 anos de reclusão e multa.

A alternativa C descreve a prática de um crime de furto. O roubo impróprio ocorre quando o agente subtrai a coisa alheia móvel, depois de ele ter, por qualquer meio, reduzido a vítima à impossibilidade de resistência.

A alternativa D seria incorreta. Entretanto, entendo que está correta. Incide no caso a chamada escusa absolutória, causa pessoal de isenção de pena, prevista no artigo 181, I, do CP. Já foi cobrada questão semelhante no concurso de Juiz Substituto do TJPA (2009, FGV, questão 31, sendo considerada correta a alternativa E):

Há meses José Pereira vinha insistindo com seu pai para que lhe comprasse roupas novas de grifes da moda. Seu pai, Manoel Pereira, negava todos esses pedidos sob o argumento de que as roupas pretendidas por José eram muito mais caras do que outras equivalentes. Manoel dizia que, se José desejasse roupas caras, criasse vergonha na cara e conseguisse um emprego, pois já tinha quase trinta anos de idade e ainda dependia economicamente de seus pais. Indignado com a insensibilidade de seu pai, José arranca uma folha do talão de cheques de seu pai, falsifica a assinatura deste e saca todo o dinheiro que havia na conta – o salário do mês inteiro –, utilizando-o para adquirir as roupas desejadas. Assinale a alternativa que indique a pena a que, por esse ato, José está sujeito.

  1. a) Detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, pois praticou o crime de exercício arbitrário das próprias razões.
  2. b) Reclusão, de um a cinco anos, e multa, pois praticou o crime de falsificação de documento particular.
  3. c) Reclusão de um a três anos, e multa, pois praticou o crime de falsidade ideológica em documento particular.
  4. d) Reclusão, de um a cinco anos, e multa, pois praticou o crime de estelionato.
  5. e) Não está sujeito a pena alguma.

A alternativa E estaria correta, pois se pode considerar que o sujeito usou o perfil como meio de enganar a idosa. Entretanto, há casos em que a jurisprudência vem entendendo que a disposição de bens pela pessoa durante o relacionamento amoroso, com a notícia dos fatos após o término da relação, não demonstra a ocorrência de estelionato. Vejamos um caso julgado pelo TJRS: “ESTELIONATO. AUSÊNCIA DE INDUZIMENTO EM ERRO. DELITO NÃO CARACTERIZADO. ABSOLVIÇÃO. A característica primordial do estelionato é o engodo usado, para induzir ou manter a vítima, ou o recebedor, em erro, obtendo-se, assim, a vantagem patrimonial. Sem este induzimento ou manutenção não há o crime. Foi o que ocorreu no caso em tela. Como retrata a prova, não houve qualquer ação de induzimento ou manutenção da pessoa que recebeu os cheques. Nem mesmo vantagem patrimonial. O que aconteceu, e a prova bem afirma isto, foi que o apelante e a pretensa vítima tinham um relacionamento amoroso. Durante este tempo, o recorrente dava-lhe cheques, para pagar as suas despesas. Terminado o relacionamento, o acusado tentou reavê-los, não conseguindo. E, desta forma, sustou seus pagamentos. Ora, se alguém tentou ser esperto, eu penso que foi a pretensa ofendida, pois, como ela mesmo declarou, “tentou compensar os cheques depois do término do namoro¿. Ou seja, sem qualquer motivo para tê-los em tese (o relacionamento amoroso que o precedia terminara), quis aproveitar a oportunidade de, estando com os cheques em mãos, depositá-los em seu favor. DECISÃO: Apelação defensiva provida. Unânime. (Apelação Crime Nº 70031917040, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 29/10/2009)”.

Quanto a essa questão, entendo ser cabível recurso, em relação às divergências quanto à alternativa A (apesar de pedir entendimento majoritário, a divergência parece ser considerável) e quanto à alternativa E (apesar de o enunciado trazer elementos do estelionato amoroso, não considerado crime pela jurisprudência, poderia ser o caso de verdadeiro crime, caso se considere que não havia relacionamento amoroso algum).

 

2.7 – QUESTÃO 07

 

Desatentus conduzia, distraidamente seu veículo automotor, não percebendo quando o sinal fechou para sua passagem. Acabou atropelando Azaradus, na faixa de segurança, quando este atravessava a via pública, juntamente com sua esposa e três filhos menores. Desatentus fugiu do local, porque não possuía carteira de habilitação. Azaradus, socorrido por populares, acabou falecendo no hospital. Assinale a alternativa INCORRETA de acordo com a situação hipotética descrita.

  1. A) Na hipótese, Desatentus responderá por homicídio culposo de trânsito, nos termos do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, havendo majorantes e agravantes a serem a ele imputadas.
  2. B) Em caso de condenação, o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade a ser imputado a Desatentus será o semiaberto.
  3. C) Se a morte de Azaradus ocorresse porque o médico que o atendeu no hospital errou, de acordo com a teoria da imputação objetiva, esse erro médico, poderia, a depender de sua extensão, excluir o nexo causal, imputando-se o resultado morte apenas ao médico.
  4. D) Em caso de condenação, não caberá a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos por ter sido crime praticado com violência à pessoa.
  5. E) Em relação à esposa e os três Filhos menores de Azaradus, Desatentus não responderá pela tentativa do crime previsto no art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro.

Comentários.

Gabarito: letra D.

Desatentus cometeu o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, nos termos do artigo 302, caput, e seu § 1º, III, do Código de Trânsito Brasileiro. Por ser o crime culposo, não incide a vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. A alternativa correta é a letra D.

 

2.8 – QUESTÃO 08

 

Vitalina quer matar o marido Aderbal, envenenado. Coloca veneno no café com leite que acabou de preparar para ele. Enquanto aguardava o marido chegar na cozinha, para tornar a bebida, distraiu-se e não percebeu que a filha Ritinha entrou no local e tomou a bebida, preparada para o pai. Ritinha, socorrida pela mãe, morre a caminho do hospital. Nessa hipótese, considerando o Código Penal e a doutrina, assinale a alternativa correta.

  1. A) Vitalina deverá responder por homicídio culposo, já que não teve a intenção de matar a filha.
  2. B) Na hipótese de Vitalina vir a ser condenada, o juiz sentenciante poderá aplicar a ela o perdão judicial.
  3. C) Vitalina deverá responder por homicídio doloso, restando configurada situação denominada de aberratio ictus por acidente.
  4. D) Vitalina não responderá por homicídio, em razão de ter havido aberratio ictus.
  5. E) Vitalina responderá por homicídio doloso, restando configurada situação de aberratio ictus por erro no uso dos meios de execução.

Comentários.

Gabarito: letra C.

A alternativa correta é a C, sendo que houve aberratio ictus por acidente, ou seja, Vitalina, por um acontecimento fortuito e inesperado (apesar de previsível), acabou matando a filha, quando pretendia matar o marido.

Não se trata de erro dos meios de execução, pois não foi a própria Vitalina quem errou e entregou o alimento envenenado por engano à filha.

 

2.9 – QUESTÃO 09

 

A respeito da execução da pena privativa de liberdade, analise as assertivas a seguir, de acordo com a Lei de Execução Penal, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a doutrina majoritária, respectivamente.

  1. Em relação ao trabalho do preso, e possível afirmar que o trabalho externo é autorizado aos condenados que cumprem pena no regime fechado, desde que em serviços ou obras públicas, que poderão ser realizados por órgãos da administração direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as medidas contra fuga e em favor da disciplina, ou seja, com escolta.
  2. A necessidade de respeito à integridade física e moral do preso fez com que, atualmente, o entendimento jurisprudencial seja pela impossibilidade do uso de algemas, a menos que haja resistência e fundado receio de fuga ou perigo à integridade física do preso, o que não inclui riscos à integridade física de terceiras pessoas, pois, nesse caso, serão cabíveis outras providências.

III. É possível aplicar-se o regime disciplinar diferenciado ao preso provisório ou ao condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização terrorista.

Quais estão corretas?

  1. A) Apenas I.
  2. B) Apenas II.
  3. C) Apenas III.
  4. D) Apenas I e III.
  5. E) I, II e III.

Comentários.

Gabarito: letra D.

O item I transcreve o que está previsto no artigo 36, caput, da Lei de Execução Penal: “Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.” Por isso, está correto.

O item II está incorreto, sendo a matéria tratada pela Súmula Vinculante nº 11: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.” Como se vê, o entendimento do STF inclui a integridade física alheia, ou seja, de terceiros.

O item III está correto, vejamos o que diz o § 2º do artigo 52 da LEP: “§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.” A organização terrorista é uma organização criminosa.

 

2.10 – QUESTÃO 10

 

A respeito das condutas incriminadas pela Lei nº 9.613/1998, denominada Lei de Lavagem de Dinheiro, analise as assertivas que seguem:

  1. De acordo com o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, o crime de lavagem de bens, direitos ou valores, praticado na modalidade de ocultação, tem natureza de crime permanente, logo, a prescrição somente começa a contar do dia em que cessar a permanência.
  2. O crime de lavagem de bens, direitos ou valores é composto por três fases: a colocação (placement), a ocultação (layering) e a integração (integration), devendo todas estarem configuradas para o enquadramento da conduta na figura criminosa.

III. A pena será aumentada de um a dois terços, quando forem constatadas várias transações financeiras, soma de grandes valores e, além disso, houver prova de que o sujeito integre organização criminosa.

Quais estão corretas?

  1. A) Apenas I.
  2. B) Apenas II.
  3. C) Apenas III.
  4. D) Apenas I e III.
  5. E) I, II e III.

Comentários.

Gabarito: letra A.

O item I está correto. O STF entende que “O crime de lavagem de bens, direitos ou valores, quando praticado na modalidade típica de ‘ocultar’, é permanente, protraindo-se sua execução até que os objetos materiais do branqueamento se tornem conhecidos. A persistência da ocultação confere plausibilidade ao receio de novos atos de lavagem, bem como afasta a alegação de ausência de atualidade entre a conduta tida como ilícita e o implemento da medida cautelar gravosa.” (RHC 144295/DF).

O item II está incorreto. O crime de lavagem de dinheiro ou de capitais divide-se em três etapas, a de colocação, dissimulação e integração, sendo que basta uma delas para a consumação do delito. Na jurisprudência do STJ, o referido trecho de recente acórdão demonstra este entendimento: “(…) 3. Ainda que a mera ocultação, identificada como a primeira fase do ciclo de lavagem de dinheiro, caracterize o crime descrito no art. 1° da Lei n. 9.613/1998, porquanto o tipo penal não exige, para a sua consumação, as demais etapas para dissimular e reinserir os ativos na economia formal, a conduta, para ser reconhecida como típica, deve estar acompanhada de um elemento subjetivo específico, qual seja, a finalidade de emprestar aparência de licitude aos valores ocultados, em preparação para as fases seguintes, denominadas dissimulação e reintegração. (…)” (STJ, AgRg no AREsp 328229/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 02/02/2016).

O item III está incorreto. A causa de aumento de pena, prevista no artigo 1º, § 4º, da Lei nº 9.613/98, tem o seguinte teor: “§ 4o  A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa.” Como se vê,  não se exige que haja a soma de grandes valores.

 

Espero que as questões comentadas auxiliem na atualização, na elaboração de eventual recurso ou na própria conquista do objetivo profissional. Em breve, a nossa equipe do Estratégia comentará as demais questões.

Um forte abraço,

Prof. Michael Procopio

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja os comentários
  • Em relação a questão 06, item D, a qual o Mestre discorda, entendo eu como incorreta de fato. Data venia, de fato no caso da subtração do talonário seria isento de pena o filho, contudo a falsificação dos cheques para a realização das compras configuraria o crime de estelionato, desta feita seria o agente sim punido pelo referido crime. (observe-se que a questão diz que ele não cometeria crime algum o que não é correto, "Folgadus não responde, em tese, por nenhum crime, em função da regra de imunidade absoluta, prevista no artigo 181 do Código Penal.")
    ISABELLE em 27/05/18 às 22:21
  • O professor está de parabens. Não vejo a hora de colocar o restante das questões com os comentários. Estamos ansiosos professor. Mais uma vez te agradecemos.
    Paulo em 23/05/18 às 20:32
  • Bruno, realmente, cabe inclusive tornozeleira eletrônica para fiscalizar o preso nestas condições.
    Kelly em 23/05/18 às 13:47
  • BRUNO PEREIRA SANTOS, Achei muito pertinente seu entendimento sobre a questão, vai apresentar recurso com tal fundamento?
    Alexandre Bruno em 23/05/18 às 12:18
  • Prezado professor, em relação ao item I da questão 9, gostaria que fizesse uma análise sobre a consideração de estar correta a assertiva, eis que diferente do alegado a questão não reproduziu apenas a literalidade do artigo 37 da LEP, mas trouxe uma "conclusão " de que as medidas contra a fuga e em favor da disciplina é a escolta, única e exclusivamente, por isso considerei errada, alguns acórdãos falam em escolta, mas já achei julgado ratificando trabalho externo concedido mediante supervisão de órgão da administração pública (em serviço de limpeza) para serviço externo de presa do regime fechado. O que parece mais compatível com o princípio da individualização da pena . A própria LEP em outros dispositivos a respeito saída temporária de presos mencionou expressamente que seria necessário escolta, o que não foi feito no artigo 37 , sendo perfeitamente possível outras medidas diferentes da escolta, até porque seria impossível ter policiais para escoltar todos os presos em trabalho externo. Aguardo consideração para interposição de recurso. Grato Bruno P. Santos
    BRUNO PEREIRA SANTOS em 23/05/18 às 06:49