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O que é o “plea bargain” proposto por Sérgio Moro?

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Olá, pessoal

Para quem não me conhece ainda, meu nome é Renan Araujo e sou professor aqui no Estratégia Concursos, lecionando as matérias de Direito Penal e Processual Penal.

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Neste artigo vamos falar um pouco sobre o instituto da “plea bargain”, citado no Projeto Anticrime apresentado pelo Ministro Sérgio Moro na última segunda-feira, 04.02.19.

Para ler o projeto, clique aqui.

1. O que é o “plea bargain”?

“Plea bargain” é uma expressão utilizada para designar uma barganha, um acordo entre acusador e investigado/acusado, de forma solucionar um caso penal sem a necessidade do processo penal, evitando o ajuizamento de denúncia ou, caso já tenha sido ajuizada, promovendo o encerramento rápido do processo.

Tal instituto é bastante comum nos Estados Unidos e, em geral, em países adeptos da common law.

Tecnicamente, o projeto não cita “plea bargain”, falando em “solução negociada”. São acordos entre o acusador e o suposto infrator, por meio do qual este aceita receber, desde logo, uma sanção penal, cumprindo ainda determinadas condições e, em troca, não há ajuizamento de denúncia pelo Ministério Público ou, em já tendo havido denúncia, o processo é encerrado desde logo, com aplicação imediata da pena, naturalmente em patamar inferior àquela que o acusado receberia ao final do processo.

São, portanto, duas “soluções negociadas”:

  • Acordo de não-persecução penal – Acordo entre infrator e MP, antes do ajuizamento de denúncia, para evitar o processo;
  • Acordo penal – Acordo entre acusador (MP ou querelante) e acusado, durante o processo, após o recebimento da denúncia ou queixa e antes da instrução, para evitar o prosseguimento do processo.

Falaremos, inicialmente, sobre o acordo de não-persecução penal:

Vejamos o que consta no projeto:

“Art. 28-A. Não sendo o caso de arquivamento e tendo o investigado confessado circunstanciadamente a prática de infração penal, sem violência ou grave ameaça, e com pena máxima inferior a quatro anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições, ajustadas cumulativa ou alternativamente:

I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público;

IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito;

e V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada

Como se vê, a proposta prevê a inclusão do art. 28-A no CPP, instituindo como solução negociada o “acordo de não-persecução penal”.

Os pressupostos para a proposição, pelo MP, do acordo de não-persecução penal, são:

  • Tratar-se de infração penal (crimes ou contravenções penais, portanto), sem violência ou grave ameaça à pessoa, e com pena máxima inferior a quatro anos;
  • O acordo deve se mostrar necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime;
  • Preenchimento de algumas condições, como reparação do dano à vítima, renúncia voluntária a bens e direitos que sejam instrumentos, produtos ou proveitos do crime, dentre outras, cumulativamente ou alternativamente.

Trata-se, portanto, de um acordo entre o Ministério Público e o suposto infrator, por meio do qual este (infrator) confessa a imputação que lhe é feita e o MP, de outra banda, propõe uma solução capaz de restabelecer a paz social, sem a necessidade de se proceder ao ajuizamento de denúncia e invocar a prestação jurisdicional por meio do processo penal, sempre custoso e moroso.

Esta solução, frise-se, não engloba a aplicação de pena privativa de liberdade ao investigado. A rigor, a solução acabará sendo, no mais das vezes, vantajosa ao infrator, já que, em se tratando de prestação de serviços à comunidade, esta se dará por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços.

Naturalmente que deve haver algum tipo de atrativo para o suposto infrator. Todo e qualquer acordo pressupõe que as partes abram mão de uma parte do seu “direito”. No acordo de não-persecução penal, enquanto o infrator aceita receber, desde logo, uma sanção penal, abrindo mão das garantias do processo penal, inclusive da possibilidade de se beneficiar de eventual prescrição, o Estado-acusação, por intermédio do MP, abre mão da aplicação de uma eventual pena privativa de liberdade que poderia vir a ser aplicada ao final do processo.

É bem verdade que a proposta, tal como apresentada, só se aplica a infrações penais nas quais provavelmente já não seria aplicada uma pena privativa de liberdade, pois a proposta estabelece o acordo de não-persecução penal apenas para crimes cuja pena máxima seja INFERIOR a 04 anos de privação da liberdade, sem violência ou grave ameaça à pessoa. Em casos tais, em havendo condenação, o infrator acabaria, quase sempre, sendo agraciado com a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos.

Vê-se, portanto, que este é um verdadeiro acordo “ganha-ganha”. Tanto o investigado quanto o Estado saem ganhando. Este por economizar tempo e dinheiro diante da desnecessidade do processo penal; aquele por sofrer consequências menos severas do que aquelas que provavelmente receberia ao final do processo penal.

Esta proposta em muito se assemelha à transação penal, instituto previsto no art. 76 da Lei 9.099/95. Todavia, a transação penal somente é cabível para as infrações penais de menor potencial ofensivo (todas as contravenções penais e crimes cuja pena máxima não exceda a 02 anos).

Aliás, em se tratando de infração de menor potencial ofensivo, e sendo cabível a transação penal, não será cabível o acordo de não-persecução penal. Além desta vedação, também existem outras situações que geram a impossibilidade de oferecimento da proposta. Vejamos o que consta no projeto:

“Art. 28-A (…) § 2º Não será admitida a proposta nos casos em que:

I – for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;

II – for o investigado reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, salvo se insignificantes as infrações penais pretéritas;

III – ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e

IV – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.”

Importante destacar que o acordo não faz coisa julgada material, ou seja, o descumprimento das condições firmadas pelo infrator acarretará a rescisão do acordo, com posterior ajuizamento de denúncia por parte do MP. Tal consequência também já é prevista no que tange à transação penal (súmula vinculante 35).

Por fim, mas não menos importante, é imperioso ressaltar que não se trata de um acordo sub-reptício, clandestino, celebrado nos porões do sistema penal, de forma a rasgar garantias, pisar na Constituição, e estabelecer um Estado de exceção. De forma alguma. O projeto prevê claramente que o acordo será celebrado pelo MP, pelo investigado e por seu DEFENSOR (advogado ou defensor público), motivo pelo qual não há que se falar em acordos desassistidos.

Mais: o acordo deverá ser homologado pelo Juiz, que pode determinar a reformulação da proposta e até mesmo recusar a homologação, caso não atenda os requisitos legais ou não sejam adequadas ou suficientes as condições acordadas.

Uma vez cumprido o acordo, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

Bom, agora vamos ao acordo penal.

O projeto prevê a inclusão do art. 395-A no CPP, com a seguinte redação:

“Art. 395-A. Após o recebimento da denúncia ou da queixa e até o início da instrução, o Ministério Público ou o querelante e o acusado, assistido por seu defensor, poderão requerer mediante acordo penal a aplicação imediata das penas.

§ 1º São requisitos do acordo de que trata o caput deste artigo:

I – a confissão circunstanciada da prática da infração penal;

II – o requerimento de que a pena privativa de liberdade seja aplicada dentro dos parâmetros legais e considerando as circunstâncias do caso penal, com a sugestão de penas em concreto ao juiz; e

III – a expressa manifestação das partes no sentido de dispensar a produção de provas por elas indicadas e de renunciar ao direito de recurso.

Pela redação do dispositivo proposto, fica evidenciado que, aqui, diferentemente do que acontece no acordo de não-persecução penal, é perfeitamente possível a aplicação de pena privativa de liberdade. Na verdade, no acordo penal o acusado aceita receber, desde logo, as penas previstas para o crime praticado (sejam de que natureza forem).

Mas qual o benefício para o acusado? Sim, naturalmente que deve haver algum, caso contrário, por qual razão o acusado abriria mão do processo, abriria mão do direito de produzir suas provas, bem como da possibilidade de prescrição? De fato, existem benefícios, de forma a tornar atrativo o acordo penal também para o acusado (afinal de contas, acordo não se impõe).

O benefício mais evidente está previsto no §2º do proposto art. 395-A:

Art. 395-A (…) § 2º As penas poderão ser diminuídas em até a metade ou poderá ser alterado o regime de cumprimento das penas ou promovida a substituição da pena privativa por restritiva de direitos, segundo a gravidade do crime, as circunstâncias do caso e o grau de colaboração do acusado para a rápida solução do processo.

Assim, apesar de aceitar receber desde logo a pena, o acusado terá sua pena diminuída em até a metade ou poderá ser alterado o regime de cumprimento das penas ou será estabelecida a substituição da pena privativa por restritiva de direitos. O grau de benefício irá variar de acordo com três fatores:

  • Gravidade do crime
  • Circunstâncias do caso
  • Grau de colaboração do acusado para a rápida solução do processo

Assim, em se tratando de um crime concretamente grave, havendo provas fartas para a condenação, bem como havendo uma colaboração ínfima do acusado para a solução rápida do processo, a proposta de acordo contemplará um benefício menos atrativo.

Lado outro, em se tratando de um crime cuja gravidade concreta não seja tão elevada, em não havendo tantas provas em desfavor do acusado, bem como havendo um elevado grau de colaboração do acusado, naturalmente que a proposta trará um benefício mais atrativo ao acusado.

Funciona como qualquer acordo: quanto maiores as chances de sucesso na batalha, menor é a flexibilização; quanto menores as chances de sucesso, maior é a disposição para o acordo.

Explico: se você deve R$ 10.000,00 para uma financeira, inicialmente uma eventual proposta de acordo por parte da financeira não será tão vantajosa, principalmente se você tiver bens penhoráveis. Por qual razão? Existe grande chance de satisfação do crédito.

Por outro lado, se você deve os mesmos R$ 10.000,00 mas não tem qualquer bem penhorável e a dívida está quase prescrevendo, pode se preparar para receber uma proposta de acordo bem vantajosa. Por quê? Porque a financeira não tem muita esperança de receber o que lhe é devido.

É a lógica da vida. Não adianta querer que o réu aceite uma proposta de acordo que seja a ele desvantajosa. Ele sempre irá preferir o processo. Para que um acordo seja viável, deve sempre ser bom para todos os envolvidos.

Importante destacar que a vítima não foi deixada de lado. Em havendo vítima, o acordo deve prever valor mínimo para a reparação dos danos por ela sofridos, o que não impede que a vítima ajuíze ação perante o Juízo cível para obter uma indenização complementar.

EXEMPLO: José celebrou acordo penal de aplicação imediata de penas com o MP, pela prática de crime contra Maria. No acordo, ficou acertado que José, além receber as penas relativas ao delito, deveria pagar R$ 20.000,00 a Maria, como valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração. Isso não impede que Maria, entendendo que o prejuízo sofrido foi maior, ajuíze ação perante o Juízo CÍVEL, para obter a complementação da indenização.

Da mesma forma que ocorre no acordo de não-persecução penal, no acordo penal também deve haver homologação pelo Juiz. Inclusive, o Juiz deixará de homologar o acordo se a proposta formulada for manifestamente ilegal ou manifestamente desproporcional à infração ou, ainda, se as provas já existentes nos autos forem manifestamente insuficientes para uma condenação criminal.

Esta parte final joga uma pá-de-cal em qualquer tipo de ilação no sentido de que o acordo acabaria se tornando mecanismo para punição imediata e não regulamentada de pessoas inocentes.

Conclusão precipitada. A uma, porque o Juiz não homologará a proposta nos casos em que verificar que não existem provas suficientes para a condenação; a duas, porque a presença da defesa técnica é indispensável (art. 395-A e seu §6º), cabendo ao defensor esclarecer ao cliente se a proposta é, ou não, vantajosa, de acordo com as circunstâncias de cada caso.

Mas, professor, a Constituição Federal não veda a autoincriminação? Não. Ela veda que alguém seja OBRIGADO a se autoincriminar, exatamente por isso alguns Doutrinadores chamam de “princípio da inexigibilidade de autoincriminação”. Se a autoincriminação espontânea fosse vedada, a confissão seria inconstitucional, e evidentemente não é.

É fundamental ter em mente que se trata de A-COR-DO, de forma que somente será celebrado se houver concordância das partes envolvidas. O projeto prevê, inclusive, que o acusador (MP ou querelante) pode deixar de oferecer proposta com base na gravidade e nas circunstâncias da infração.

Finalizando, não se deve confundir a solução negociada (plea bargain) com a colaboração premiada.

Na solução negociada não há qualquer tipo de exigência quanto à delação de comparsas ou ao fornecimento de informações sobre eventual estrutura criminosa, como acontece na colaboração premiada prevista na Lei de Organização Criminosa, por exemplo (Lei 12.850/13). Vejamos o art. 4º da Lei 12.850/13:

Art. 4o  O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Assim, na colaboração premiada se busca obter algo do colaborador, além da mera confissão, um real proveito prático (localização da vítima, identificação dos comparsas, etc.), motivo pelo qual o benefício pode chegar a ser o perdão judicial (não aplicação da pena).

Na solução negociada sequer se exige que seja crime praticado em concurso de agentes, não sendo necessário que se obtenha do investigado/acusado qualquer informação capaz de resultar em proveito prático. Trata-se de um mero acordo de “confissão negociada”, para evitar o processo ou encerrá-lo ainda em sua fase embrionária.

Como se viu, a solução negociada pode representar algum avanço no sistema processual penal brasileiro, não no que tange à impunidade (isso demanda alteração no sistema de prescrição e no sistema recursal, pelo menos), mas no tocante à celeridade e economia processual, o que se espera traga efeitos positivos com relação à sobrecarga do Judiciário.

Bons estudos!

Prof. Renan Araujo

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Veja os comentários
  • No "plea bargain" o juiz que participa da proposta não deveria ser o mesmo que vai julgar o caso, sob pena de se transformar igual a justiça do trabalho em que há a "proposta do juízo" que eles consigam em ata a parte de que não aceitou. Se o réu não aceita o acordo, logo, o juiz terá mais um processo a julgar, não cumprindo as metas estabelecidas pelo CNJ. E juiz é um ser humano, em tese tendo maior probabilidade a condenar aquela pessoa.
    Rita em 09/02/19 às 07:23
  • Gratidão pelo artigo Professor , gostaria que o senhor comentasse - se for possível - no próximo artigo - a questão da nova legitima defesa apresentada neste projeto do Sergio Moro. Foi noticiado - pela imprensa - que um certo Governador de Estado esteve em Israel , para conhecer e utilizar drones - em favelas - , para abater pessoas que portam fuzis (evitando com que o policial pudesse entrar em confronto - armado - com estes meliantes). Isto pode ser chamado de "legitima defesa preventiva" (interrogação). Grato pela atenção.
    Frederick Gerep Melo Andrade em 08/02/19 às 14:46