Artigo

O começo de tudo: o dia em que me tornei concurseiro, meio sem querer.

     Fazia muito calor quando cheguei à faculdade naquela quinta-feira. Era somente mais uma tediosa aula de Princípios de Comunicações, umas das muitas matérias do meu curso em que só existiam dois grupos de alunos: os que a amavam e os que a odiavam. Eu era do segundo grupo. Haveria ainda mais três outras aulas naquele dia, mas não me recordo mais quais. Só esta ficou na memória. Também não me pergunte o porquê. Talvez fosse Nilton Lima, o professor, uma cara legal, apesar da matéria que lecionava.

     Desde que entrei na faculdade, no turno da noite, sempre estudei muito e fui um aluno mais do que dedicado, principalmente depois que reprovei Cálculo 1, no primeiro período. Pois é, CDF’s também reprovam. Seria mais uma entre as 6 reprovações que acumulei na minha vida acadêmica. Porém, anotava no caderno até espirro de professor, e o “até a próxima aula”. Até essa quinta-feira.

     Como todo dia fazia, fiz uma “janta” para mim, engoli apressado, apesar de não ter feito nada o dia todo, a não ser estudar e dormir, vesti minhas ceroulas e uma camisa cinza meio fora de moda, coloquei meu delicioso perfume barato e me coloquei no caminho da faculdade, umas duas ou três quadras depois do meu apartamento, lá em Recife. Morava ainda no maravilhoso e singular Residencial Benfica. Saudades daquele tempo bom, mas que não quero viver de novo.

     Como disse, sai apressado. A aula das 18:50h já estava nascendo mais uma vez. E o professor fazia chamada. Maldita chamada. Como dizia um velho amigo: aula ruim, professor tedioso e chamada é a combinação perfeita para o diabo montar uma oficina. Nunca perguntei o que ele queria dizer com isso, mas sorria sempre que escutava. De um jeito ou de outro, achava engraçado.

     Carregando minha pesada bolsa com livros que eu não leria, um caderno que eventualmente eu usaria (a essa altura do curso os professores escreviam pouco no quadro), muitas canetas e um pentel calibre 0.5, meu preferido, cheguei à faculdade. Pouco antes da aula começar, como mandava o figurino do bom aluno. Gostava de escolher as melhores cadeiras da sala: as que ficavam no fundo. O suor na camisa denunciava meu cansaço e minha respiração ofegante. Juntava-se ainda meu calor na cidade que parecia ferver em alguns dias da semana. Recife, ainda assim, te amo.

      Nem apresentei minha faculdade. Peço perdão, leitor. Ela se chama Escola Politécnica de Pernambuco, conhecida carinhosamente como Poli, sílaba tônica no “li”. Alguns teimam em usar no “po”, entretanto.

      Ela fica no bairro da Madalena, próxima ao Sport Club Recife, e ao lado, exatamente ao lado, do Clube Internacional do Recife, famoso por seus balmasquês e festas de finais de semana, especialmente nas sextas-feiras, começando exatamente no horário das aulas na Poli. Por várias vezes as aulas nas salas mais próximas ao clube acabariam mais cedo. No começo da faculdade, eu rezava para as festas começarem antes da aula acabar, era um aluno dedicado, você lembra. Depois dessa quinta-feira, tudo que comecei a querer era que a aula nem começasse.

      Retomemos de onde parei. Falava que havia chegado à Poli, ofegante. Com minha bolsa de mão pesada e prolixa. Por mais que houvesse um caminho mais curto até a sala da próxima aula, eu sempre gostava de passar pelo hall de entrada da faculdade. Era mania mesmo, sem um porquê. Coisas de doido, como queiram. E doido é o que não faltava naquela faculdade.

      Por várias vezes passaria mil vezes pelo hall e não veria nem falaria com ninguém conhecido. Ainda assim passava por lá. Mas sempre acreditei que tudo na vida tem um porquê, até mania de doido. E gostar de passar pelo hall também seria uma.

      Assim que adentrei no hall…..adentrei foi péssimo. Coisa de concurseiro iniciante, que acha que é bonito falar essas palavras exóticas que vêem nos livros de direito. Bom mesmo é falar “emburacar”, como diz o matuto lá na minha terra natal ao entrar em algum lugar. Nem adentrei, nem emburaquei, apenas cheguei no hall. Continuemos.

      O hall era um tipo de “point” onde os alunos se encontravam antes da aula, ou depois dela, ou sem ter aula mesmo, para jogar conversa fora, falar de provas, professores, vida alheia, próxima festa, com quem beijou ou transou (esse último assunto só os homens conversavam ali). Era um lugar democrático. Onde se podia encontrar todo tipo de gente ou figura humana, verdadeiros símbolos da Escola de Engenharia. Daqueles que merecem até tombo patrimonial. Tinha também várias cadeiras, claro. E também dois enormes murais, onde se informava de tudo. De cursos mais que avançados de Engenharia de Software a Calouradas Universitárias em outras faculdades. Havia um mural em cada lado do hall.

      Em um dos murais, encontrei o meu cartaz. Encontrei o cartaz, o bendito cartaz que mudaria o rumo da minha vida naquele dia (fiquei até emocionado ao escrever essa última parte). Estava lá, bem no meio de um dos murais, tímido em meio aos outros tantos cartazes e folhetos colados e atachados, alguns com eventos acontecidos havia meses.

      Era o cartaz que anunciava as inscrições para o concurso do Ministério Público da União, o famoso MPU. “Mas o que seria MPU?”, perguntava eu ao meu eu. Bem, não importa. Importava, sim, a cifra em letras graúdas que lá havia: “Remuneração Inicial: R$ 2.053,84”.

      Era o salário inicial para o cargo de Técnico Administrativo. Sim, salário. Eu não era ainda concurseiro, e tudo que se ganhava pelo trabalho, no meu entendimento, era salário. Subsídio, remuneração, soldo….eram palavras que não constavam no meu vocabulário, nem na minha cultura.

      O que fazia um Técnico Administrativo no MPU? O que era o MPU? Não sabia. E o que isso importava para mim? Nada. Importava era tudo que eu faria se ganhasse tanto dinheiro quanto esses pouco mais de dois mil reais que brilhavam nos meus olhos, parecendo luzes de neon em anúncio de bar de beira de estrada. E os sonhos só aumentavam a cada olhar mais atento no cartaz.

      Para quem se virava com R$ 25,00 por semana em Recife, R$ 2.053,84 mensais era mais que uma fortuna. Iniciava-se a caçada ao tesouro. E eu não desistiria até encontrá-lo.

       Depois daquele cartaz, de ler, decorar e memorizá-lo, ainda fui para as aulas daquela noite, mas meu pensamento vagava em terras distantes, mais do que as ondas LHF, VHF e UHF ensinadas naquela aula podiam alcançar. Nilton Lima era apenas uma pessoa que andava de um lado a outro, segurando papéis em branco, escrevendo coisas estranhas no quadro branco e balbuciando silenciosamente, sem ser ouvido por mim.

      Era o ano de 2004. Eu fazia Engenharia Elétrica de Telecomunicações. Estava, “temporalmente” falando, no sexto período da faculdade. Daqui para frente, saber o que pensava Gilmar Mendes e Eros Grau era muito mais importante do que as descobertas de Grahan Beel, James Clerk Maxwell e Nicola Tesla.

      A jornada que começou numa quinta feira, em Recife, Pernambuco, em 15 de abril de 2004, só acabaria em 02 de julho de 2010, em Pelotas, Rio Grande do Sul. E da melhor maneira possível: acabava de me tornar Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.

      Se existia alguém feliz no mundo naquele dia, esse alguém certamente era eu.
       
      Até a próxima, e bons estudos a todos!

 

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