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MP 961 – Limite de dispensa, antecipação de pagamento e ampliação do RDC

Olá, pessoal! Acabou de ser publicada a MP 961/2020, que autoriza pagamentos antecipados nas licitações e nos contratos, adequa os limites de dispensa de licitação e amplia o uso do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

Essencialmente, a MP faz três modificações MUITO importantes:

  1. permite a realização de pagamentos antecipados nas licitações e contratos;
  2. altera os limites de dispensa de licitação;
  3. amplia a possibilidade de utilização do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC.

A MP 961, entretanto, não modifica expressamente a Lei de Licitações ou o RDC. Nesse caso, eu diria que a MP faz algo semelhante ao Decreto 9.412/2018, que atualizou os valores das modalidades de licitação, mas sem alterar a redação da Lei de Licitações.

Isso porque a sua vigência será temporária, valendo apenas durante o período do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

Contudo, diferentemente da MP 926/2020, que criou regras específicas de licitação para as ações destinadas apenas ao combate da pandemia, essa nova MP vale durante a pandemia, mas não se limita apenas às contratações decorrentes diretamente do combate à Covid (Corona Virus Disease ou “Doença do Coronavírus”). Assim, a sua aplicação é “temporal”, independentemente da finalidade das contratações (vou explicar isso adiante).

Então, vamos separar o nosso artigo em partes, para tratar dos seguintes temas:

  1. novos limites de dispensa de licitação;
  2. pagamentos antecipados;
  3. ampliação da utilização do RDC;
  4. abrangência e aplicação da MP 961/2020;
  5. possibilidade de cobrança em concursos públicos;
  6. texto integral da MP 961/2020.

Nós também gravamos um vídeo completo sobre esse assunto:

1) Novos limites de dispensa de licitação

Com a MP, a dispensa de licitação por baixo valor, prevista nos incisos I e II do caput do art. 24 da Lei 8.666/1993, aplica-se até o limite de:

a) para obras e serviços de engenharia: até R$ 100.000,00 (cem mil reais), desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou, ainda, para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; e

b) para outros serviços e compras: até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e para alienações, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez.

Portanto, os valores definidos na Lei 8.666/1993 (15 mil e 8 mil, respectivamente) e no Decreto 9.412/2018 (33 mil e 17,6 mil) não serão aplicados durante o período de vigência da calamidade pública. Os valores, durante esse período, serão de 100 mil e 50 mil, respectivamente para obras e serviços de engenharia e compras e demais serviços.

Vale lembrar que esses são os mesmos valores previstos na Lei 13.303/2016 para as empresas estatais.

2) Pagamentos antecipados

Expressamente, a Lei de Licitações não chega a proibir o pagamento antecipado de despesas. Até há previsão no art. 65, II, “c”, de que as alterações não podem promover a “antecipação do pagamento”. Porém, nesse caso, não se está dizendo que não se pode pagar um serviço antes de sua liquidação, mas apenas que a alteração não poderá antecipar o pagamento para um momento anterior ao pactuado inicialmente.

Porém, as normas financeiras vedam a realização, em regra, de pagamentos antecipados. Isso porque o ciclo da despesa pública costuma seguir a ordem de empenho, liquidação e pagamento.

Tal disposição decorre de previsão dos arts. 60 a 64 da Lei 4.320/1964. Além disso, no âmbito federal, o Decreto 93.872/1986 também prevê regras sobre as etapas de despesa pública.

Contudo, já se admitia a realização de pagamentos antecipados em casos excepcionais. O tema chegou a ser abordado pelo TCU, nos acórdãos 3614/2013 – Plenário e 1565/2015 – Plenário, este último com a seguinte ementa: “a antecipação de pagamento somente deve ser admitida em situações excepcionais, devidamente justificadas pelo interesse público e observadas as devidas cautelas e garantias”.

Entretanto, o tema ainda era fruto de bastante debate.

Dessa forma, para evitar discussões, a MP 961/2020 passa a dispor expressamente que:

Art. 1º Ficam autorizados à administração pública de todos os entes federativos, de todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos:

II – o pagamento antecipado nas licitações e nos contratos pela Administração, desde que:

a) represente condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço; ou

b) propicie significativa economia de recursos;

§ 1º Na hipótese de que trata o inciso II do caput, a Administração deverá:

I – prever a antecipação de pagamento em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta; e

II – exigir a devolução integral do valor antecipado na hipótese de inexecução do objeto.

§ 2º Sem prejuízo do disposto no § 1º, a Administração poderá prever cautelas aptas a reduzir o risco de inadimplemento contratual, tais como:

I – a comprovação da execução de parte ou de etapa inicial do objeto pelo contratado, para a antecipação do valor remanescente;

II – a prestação de garantia nas modalidades de que trata o art. 56 da Lei nº 8.666, de 1993, de até trinta por cento do valor do objeto;

III – a emissão de título de crédito pelo contratado;

IV – o acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte, por representante da Administração; e

V – a exigência de certificação do produto ou do fornecedor.

§ 3º É vedado o pagamento antecipado pela Administração na hipótese de prestação de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra.

Vamos aos detalhes!

Para que se admita a realização de pagamento antecipado, a administração terá que justificar a medida e terá que demonstrar pelo menos uma dessas duas situações:

  • que se trata de condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço; OU
  • que o pagamento antecipado propicie significativa economia de recursos;

Para que isso seja possível, a previsão de antecipação de pagamento já deverá constar no edital de licitação ou na documentação de eventual contratação direta. Além disso, será obrigatória a devolução integral do valer pago antecipadamente, caso o objeto não seja executado.

Entretanto, a administração poderá (decisão discricionária) adotar medidas para reduzir o risco de inadimplemento contratual. Sabe como é, né!? Quando se paga antecipado, há o risco de não receber o que foi contratado. Por isso, aqui, a atenção poderá ser redobrada.

Nesse caso, a MP permite que a administração:

(i) comprove a execução de parte ou de etapa inicial do objeto pelo contratado, para a antecipação do valor remanescente – é aquela ideia: “faz um pouco aí para eu ver se dá certo”;

(ii) a prestação de garantia, na forma da Lei de Licitações, mas com valor mais elevado: de até 30% do valor do objeto (na Lei 8.666/93, a garantia é limitada a 5% ou, em casos excepcionais, a 10%);

(iii)  a emissão de título de crédito pelo contratado (os títulos de crédito funcionam também como uma garantia ou como um “cheque”);

(iv) o acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte, por representante da Administração; (exemplo: a mercadoria saiu de um porto em outro país, então a Administração acompanha todo o processo de transporte, para saber se realmente ocorrerá a entrega)

(v) a exigência de certificação do produto ou do fornecedor – não ficou claro qual o tipo de certificação, mas pode ser algum certificado de qualidade, por exemplo.

Por fim, há uma vedação absoluta: não pode ter antecipação se for um contrato de prestação de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra. Um exemplo seriam os contratos de serviço de vigilância, cujo propósito é fornecer os vigilantes para fazer a segurança do órgão. Nesse tipo de situação, não pode ter pagamento antecipado.

3) Ampliação da utilização do RDC

O Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC foi criado pela MP 527/2011 e depois foi convertido na Lei 12.462/2011. Ele institui um regime de licitação específico, teoricamente, mais simplificadas.

Na época, o RDC seria destinado apenas aos grandes eventos esportivos (Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, Copa do Mundo e afins). Porém, a sua aplicação foi significativamente ampliada por diversas outras leis.

Hoje, o RDC se aplica a muitos casos, como as ações do PAC, as obras e serviços de engenharia do SUS, a construção de presídios, as ações de segurança pública, as obras e serviços de engenharia destinadas a melhoria de mobilidade urbana, as obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino e de pesquisa, ciência e tecnologia, etc.

Assim, o RDC não poderia ser aplicada em qualquer tipo de licitação e contratação, mas somente nos casos expressamente autorizados.

É aqui que entra a MP 961/2020, pois ela prevê o seguinte:

Art. 1º Ficam autorizados à administração pública de todos os entes federativos, de todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos:

III – a aplicação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, de que trata a Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, para licitações e contratações de quaisquer obras, serviços, compras, alienações e locações.

Dessa forma, o RDC deixa de ter aplicação “restrita” e passa a ter aplicação ampla. Assim, durante o período de vigência da MP 961/2020, teremos dois regimes licitatórios de aplicação ampla: a Lei 8.666/93 e o RDC.

4) Abrangência e aplicação da MP 961/2020

A MP 961/2020 prevê que:

Art. 2º O disposto nesta Medida Provisória aplica-se aos atos realizados durante o estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

Parágrafo único. O disposto nesta Medida Provisória aplica-se aos contratos firmados no período de que trata o caput independentemente do seu prazo ou do prazo de suas prorrogações.

Perceba que a Norma não limite a sua aplicação apenas ao combate ao Coronavírus. De certa forma, todos os “atos realizados durante o período de calamidade” poderão seguir as regras da MP 961/2020.

Por exemplo, a Administração poderá adquirir computadores para um órgão público utilizando o RDC, mesmo que a contratação não tenha correlação com a pandemia.

Mas professor, por que você tem essa conclusão?

Por dois motivos:

  1. a própria redação da MP não limita a aplicação apenas ao combate ao Coronavírus. A regra estabelecida é apenas temporal, qual seja, a vigência do estado de calamidade, mas não trata da finalidade das contratações;
  2. não haveria sentido criar um limite de valor para dispensa de licitação que fosse específico para o combate ao Coronavírus, já que a MP 926 já havia instituído um caso de dispensa de licitação para as contratações ligadas ao combate ao Coronavírus, mas sem limite de valor. Ora, se a MP 961 fosse apenas para as ações específicas de combate à pandemia, o limite de valor de dispensa de licitação seria “inútil”, já que o caso da MP 926 seria muito mais vantajoso para a administração.

Portanto, a MP 961 poderá ser aplicada a todas as contratações realizadas durante o período de vigência da calamidade pública definida no Decreto Legislativo nº 6/2020, que se aplica até 31 de dezembro de 2020.

Ademais, a Norma é de alcance nacional, aplicando-se “à administração pública de todos os entes federativos, de todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos”. Logo, a União, os estados, o DF e os municípios, em todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e órgãos constitucionalmente autônomos (ministério público, tribunais de contas, defensorias públicas) poderão seguir as regras da MP 961/2020.

Com efeito, o termo “administração pública” abrange tanto a administração direta como a indireta. Contudo, não há muito sentido em aplicar as regras da MP 961/2020 às empresas estatais, especialmente porque elas já possuem um regime de licitação especial, seguem regras equivalentes ao setor privado em relação aos pagamentos e já se submetem aos mesmos valores previstos na MP para dispensa de licitação. Com isso, acredito que seria mais adequado dizer que a MP 961 se aplica à administração direta, autárquica e fundacional.

5) Possibilidade de cobrança em concursos públicos

Diferentemente da MP 926/2020, que era restrita ao combate à pandemia, a MP 961/2020 terá alcance amplo e, por isso, eu acredito que ela poderá ser objeto de cobrança em questões de concurso, mas com muita restrição.

Por isso, vou deixar algumas sugestões:

  1. não corra estudar essas regras agora, espere até a conversão (ou não) do projeto em lei. Quando isso ocorrer, você poderá estudar o assunto de forma definitiva. Eu recomendo MUITO que você NÃO “corra” logo para a norma atualizada, pois essas MPs quase sempre mudam ou perdem a vigência;
  2. os concursos com editais já publicados, quando retornarem, não poderão cobrar essa norma, exceto se houver republicação. Então, continue estudando “como antes”;
  3. se o seu edital for publicado durante a vigência da MP 961/2020, você terá que ter muito cuidado. Primeiro, procure no edital se a MP consta expressamente. Se ela constar, você terá que estudá-la. Se ela não constar, será muito provável que a banca cobre apenas as regras expressas na Lei 8.666/1993 e no RDC, deixando “de fora” a MP 961/2020. Ainda assim, você terá que ler com bastante atenção o enunciado da questão para identificar a intenção do avaliador.

6) Texto integral da MP 961/2020.

Agora, segue o texto integral da MP 961/2020:

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 961, DE 6 DE MAIO DE 2020

Autoriza pagamentos antecipados nas licitações e nos contratos, adequa os limites de dispensa de licitação e amplia o uso do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1º Ficam autorizados à administração pública de todos os entes federativos, de todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos:

I – a dispensa de licitação de que tratam os incisos I e II do caput do art. 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, até o limite de:

a) para obras e serviços de engenharia até R$ 100.000,00 (cem mil reais), desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou, ainda, para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente; e

b) para outros serviços e compras no valor de até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e para alienações, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;

II – o pagamento antecipado nas licitações e nos contratos pela Administração, desde que:

a) represente condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço; ou

b) propicie significativa economia de recursos; e

III – a aplicação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, de que trata a Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, para licitações e contratações de quaisquer obras, serviços, compras, alienações e locações.

§ 1º Na hipótese de que trata o inciso II do caput, a Administração deverá:

I – prever a antecipação de pagamento em edital ou em instrumento formal de adjudicação direta; e

II – exigir a devolução integral do valor antecipado na hipótese de inexecução do objeto.

§ 2º Sem prejuízo do disposto no § 1º, a Administração poderá prever cautelas aptas a reduzir o risco de inadimplemento contratual, tais como:

I – a comprovação da execução de parte ou de etapa inicial do objeto pelo contratado, para a antecipação do valor remanescente;

II – a prestação de garantia nas modalidades de que trata o art. 56 da Lei nº 8.666, de 1993, de até trinta por cento do valor do objeto;

III – a emissão de título de crédito pelo contratado;

IV – o acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte, por representante da Administração; e

V – a exigência de certificação do produto ou do fornecedor.

§ 3º É vedado o pagamento antecipado pela Administração na hipótese de prestação de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra.

Art. 2º O disposto nesta Medida Provisória aplica-se aos atos realizados durante o estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

Parágrafo único. O disposto nesta Medida Provisória aplica-se aos contratos firmados no período de que trata o caput independentemente do seu prazo ou do prazo de suas prorrogações.

Art. 3º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 6 de maio de 2020; 199º da Independência e 132º da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

Paulo Guedes

Este conteúdo não substitui o publicado na versão certificada.


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Veja os comentários
  • Boa tarde! Parabéns pelo artigo! E com relação ao Estado que já possui Lei de Licitações própria, cujos limites de valores para as modalidades são informados por Decreto Estadual, esse aumento é automático ou precisa de novo Decreto estadual?
    Vitor Souza em 15/07/20 às 14:06
  • PARABENS PROFESSOR, BEM ESCLARECIDO.
    marcos antonio em 13/07/20 às 21:24
  • Top!!!
    Cinara souza em 07/05/20 às 13:04
  • Excelente, Professor!!! Muito obrigada
    Cinara souza em 07/05/20 às 13:03