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Gabarito TCU Lei Anticorrupção – Comentário e recursos

Olá, pessoal! Agora, vamos comentar as duas questões da Lei Anticorrupção, que foram cobradas na disciplina de Sistema Normativo Anticorrupção, no concurso do Tribunal de Contas da União – TCU, organizado pela FGV.

São duas questões complicadas. Vou sugerir um recurso na questão 49, conforme indicado a seguir.

Vamos aos comentários.

48. (FGV – TCU/2022) Por meio de inquérito civil promovido pelo Ministério Público Federal, constatou-se que a sociedade empresária Orangeland Indústria e Comércio Ltda. tinha a prática de criar empresas em situação de sobreposição de endereço, como subterfúgio para burlar o fisco e os credores em geral. A inquisa, conforme contrato social acostado, apurou ainda que a sociedade empresária foi constituída em 18/07/2011, pelos sócios Ares (50%) e Hermes (50%), sendo certo que Ares é um dos filhos de conhecido líder de organização criminosa, possuindo intenso envolvimento com as atividades do grupo, além de atuar como pessoa interposta do seu pai, Zeus. Ares figura como sócio de cinco empresas: OrangeCar Veiculos e Peças Ltda., Apolo Laranjal S/A, Orange Plastic Indústria e Comércio Ltda., Orangeland Indústria e Comércio Ltda. e Orange Plastic Industrial Ltda. Com relação à interposição de pessoas, ficou apurado que Hermes, genro de Zeus (casado com Ártemis), apesar de constar como sócio formal da Orange Imports e Comércio Ltda., empresa fantasma, ocupa apenas o cargo de diretor da OrangePlastic Indústria e Comércio Ltda., sendo este um dos “laranjas” qualificados do Grupo Orange, sob o comando de Zeus. O contrato social é assinado e testemunhado por Atena, que atuava na área técnica, especialmente contábil, responsável por instrumentalizar formalmente a constituição de diversas empresas fantasmas do grupo, entre elas, a Orangeland Indústria e Comércio Ltda. A materialidade e autoria do crime de falsidade ideológica foram comprovadas mediante sentença do Juízo da 1ª Vara Federal de São Paulo. Em 11/02/2020, enquanto as atividades investigadas seguiam em pleno desenvolvimento, o acervo angariado fundamentou o ajuizamento de Ação Civil Pública em desfavor das pessoas físicas e jurídicas mencionadas, onde a Orangeland Indústria e Comércio Ltda. foi condenada, diante do reconhecimento de que foi única e simplesmente criada para ocultar e branquear seus reais ganhos, sonegando e ludibriando a Receita Federal, o que gerou um prejuízo ao erário na monta de R$ 527.869.928,06, juntamente com as demais empresas do Grupo Orange. Concluiu-se que a sociedade empresária apenas existiu formalmente para encobrir transações do grupo, configurando-se o cometimento de ato lesivo ao património público previsto no Art. 5º, inciso V, da Lei nº 12.846/2013 (“dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional”). Sobre a hipótese e a aplicação da Lei nº 12.846/2013, é correto afirmar que:

a) diferentemente do que acontece na improbidade, na Lei Anticorrupção as sanções não são mero corolário da procedência do pedido, onde sua dosimetria compete ao julgador, considerando os elementos que cercam cada caso;

b) o rol do Art. 173, § 5°, da Constituição da República de 1988 é taxativo, vedando a elaboração de leis disciplinando a responsabilização das pessoas jurídicas pela prática de atos diversos das hipóteses nele veiculadas;

c) para o ajuizamento da ação seria imprescindível a apuração prévia dos fatos por meio de um procedimento administrativo, o que decorreria de obrigação imposta pela Lei Anticorrupção;

d) a Lei Anticorrupção tem como objeto a responsabilização subjetiva, administrativa e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública;

e) a procedência do pedido da ação pode levar à dissolução compulsória da pessoa jurídica, desde que evidenciado que a sociedade empresária seja uma empresa paper company, usada para dificultar as atividades de investigação e fiscalização tributária.

Comentário: o enunciado dessa questão é gigante, mas contribui muito pouco com a resolução da prova. Por isso, vamos direto para as opções. Ademais, a questão foi elaborada com base no REsp 1.803.585 do STJ.

a) Errado. Não há diferença entre a Lei de Improbidade – LIA e a Lei Anticorrupção – LAC nesse caso. Nas duas normas, cabe ao juiz (lembrando que também existem sanções administrativas) realizar a dosimetria da sanção. Por exemplo, o art. 7º da LAC prevê os elementos que serão considerados na aplicação das sanções, enquanto o art. 12 da LIA prevê que a aplicação das sanções ocorrerá “de acordo com a gravidade do fato” e o art. 17-C, IV, dispõe sobre o que o juiz levará em consideração na dosimetria da sanção. Assim, nas duas situações, o juiz (ou administrador, no caso das sanções administrativas da LAC) fará a dosimetria da pena.

b) Errado. O art. 173, § 5º, da CF dispõe que “a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. O dispositivo não limita as formas de responsabilização, definindo apenas que a lei estabelecerá formas de responsabilização compatíveis com a natureza da pessoa jurídica.

Ademais, na visão do STJ (REsp 1.803.585):

O rol do art. 173, § 5º, da CF/88 não é taxativo (mas apenas prescreve um mínimo de responsabilização), de modo que não veda a elaboração de leis, disciplinando a responsabilização das pessoas jurídicas pela prática de atos diversos das hipóteses nele veiculadas, como é o caso da Lei Anticorrupção.

c) Errado. O processo administrativo de responsabilização é imprescindível para aplicação das sanções administrativas da LAC. Contudo, para as sanções judiciais, não existe obrigatoriedade de processo administrativo prévio. De acordo com o STJ (REsp 1.375.840):

5. Não merece acolhimento a alegação de que a instauração de processo administrativo é “conditio sine qua non para apurar eventual infração à Lei nº 12.846/2013”, tese que a recorrente baseia no art. 18 da Lei 12.846/2013, segundo o qual, “Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial. 6. O preceito invocado na verdade vai em sentido oposto, positivando o consagrado princípio da independência das instâncias, não explicando a recorrente de que modo se poderia justificar o inverso.  

Por fim, no REsp 1.803.585 o STJ informou que “é pacífico na doutrina e na jurisprudência que os procedimentos administrativos prévios (tais como, os inquéritos policial e civil) são dispensáveis para a propositura de ações judiciais, já que possuem um valor probatório relativo”.

d) Errado. A responsabilidade é do tipo objetiva (LAC, art. 1º, caput).

e) Certo. Por fim, o Acórdão do REsp 1.803.585 consignou que:

10. Aponta-se nas razões recursais ofensa ao art. 5º, V, da Lei 12.486/2013, sob o argumento de que “a paper company que dificulta atividades de investigação e fiscalização tributária não lesa o patrimônio público” (fls. 473-474, e-STJ). 11. A previsão do art. 5º, V, da Lei 12.486/2013, que caracteriza como ato atentatório contra o patrimônio público nacional a conduta consistente em “dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos”, abrange a constituição das chamadas “empresas de fachada” com o fim de frustrar a fiscalização tributária.

Portanto, o termo “paper company” designa o que chamamos de “empresa de fachada”. Nesse caso, cabe a aplicação da sanção de dissolução compulsória da pessoa jurídica, que pode ser aplicada quando:

§ 1º A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado:

I – ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou

II – ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.

Dessa forma, a utilização de empresa de fachada (paper company) é justamente o que permite aplicar a dissolução compulsória da pessoa jurídica.

Gabarito: alternativa E.

49. (FGV – TCU/2022) Sobre o sistema da Lei Anticorrupção, é correto afirmar que:

a) na responsabilização pela Lei Anticorrupção, em que vigora o princípio da especialidade legal, têm incidência as disposições dos Arts. 49-A e 50 do Código Civil, que tratam da responsabilidade dos sócios e da desconsideração da personalidade jurídica;

b) a Lei Anticorrupção prevê a responsabilidade solidária das sociedades consorciadas, bem como daquelas controladoras, controladas ou coligadas, sendo possível marcar todas com a obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado;

c) sendo despida de natureza penal, a Lei Anticorrupção alcança fatos ocorridos antes da sua vigência, desde que haja concorrência com outros fatos praticados posteriormente a 29/01/2014, conexos ou não;

d) decorre da Lei Anticorrupção a possibilidade de se exigir programa de integridade das pessoas jurídicas, diante do estabelecimento de um rol taxativo de documentos de comprovação de habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e trabalhista;

e) a Lei nº 12.846/2013 prevê explicitamente acerca do funcionamento e da prática de política de prevenção e do programa de integridade e incentivo à comunicação de irregularidades por parte das sociedades empresárias.

Comentário: Vamos sugerir um recurso nesta questão.

a) Errado. Na verdade, é justamente o contrário. Em virtude do princípio da especialidade legal, não se aplicam os arts. 49-A e 50 do Código Civil, que tratam da responsabilidade dos sócios e da desconsideração da personalidade jurídica. Nesse caso, a regra aplicável é o art. 14 da Lei Anticorrupção.

Tem uma decisão monocrática do STJ sobre o tema (ARESP 1.940.044) e algumas decisões de tribunais no âmbito do Judiciário, que fundamentam o erro da questão. Porém, achei um pouco “pesado” trazer esse assunto, tendo em vista que há autores que consideram que a previsão do art. 14 da LAC é inconstitucional, assim como há pessoas que defendem que o art. 14 foi revogado tacitamente pelos arts. 133 a 137 do CPC. Leia o artigo a partir da página 17:

https://www.migalhas.com.br/arquivos/2021/11/B46C514C1BC38F_UNIMAR-DESCONSIDPJ-LEIANTICORR.pdf

b) Certo. O art. 4º da LAC dispõe que:

§ 2º As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado.

Assim, de fato, aplica-se a responsabilidade solidária em relação às sociedades controladoras, controladas, coligadas e às entidades consorciadas.

Porém, é possível fazer uma ressalva. No caso de entidades consorciadas, a responsabilidade também será solidária, mas somente “no âmbito do respectivo contrato”. Caso a banca considere que há uma exceção, o item está errado. Assim, caso este seja o gabarito da banca, é possível interpor recurso, utilizando os argumentos da letra A e da letra B.

c) Errado. Por se tratar de norma sancionatória, a Lei Anticorrupção não poderá retroagir. Nesse caso, podemos aplicar as disposições do art. 5º, XL, que prevê que a “lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Segundo Giamundo Neto, Garofano e Castro e Silva:[1]

[…] devido à sua natureza de norma punitiva, há evidente impossibilidade de retroação no tempo dos efeitos da mencionada Lei Federal para fins de imputação de responsabilidades e aplicação de sanções em razão de atos ou fatos ocorridos anteriormente ao início de sua vigência, ou seja, antes do dia 29.01.2014.

A Nota Técnica 671/2020 da CGU também dispõe que:[2]

[…] entende-se que o direito sancionador administrativo deve respeito à proibição de aplicação retroativa de lei de caráter punitivo, motivo pelo qual não se deve permitir que tal efeito ocorra em relação aos fatos ocorridos anteriormente à vigência da LAC, mesmo diante de suas características especiais, conforme supra mencionado.

Logo, a LAC não se aplica a fatos passados.

d) e e) Erradas. A LAC não exige programa de integridade, mas apenas menciona que a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade será levada em conta na aplicação das sanções (art. 7º, VIII). Somente o Regulamento da LAC que prevê regras mais detalhadas sobre o programa de integridade (Decreto 8.420/2019, arts. 41 e 42), mas ainda assim não se trata de “rol exaustivo de documentos”, e os documentos de comprovação citados na letra D tratam da habilitação em licitação.

Gabarito: alternativa B.


É isso aí, pessoal!

Vamos continuando na jornada. Um grande abraço,

Herbert Almeida


[1] http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/RDAdmCont_n.24.01.PDF

[2] https://repositorio.cgu.gov.br/bitstream/1/44788/8/Nota_Tecnica_671_2020.pdf

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