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Segregação de funções: princípio da Nova Lei de Licitações.

O princípio da Segregação de funções no âmbito das contratações públicas decorre do arcabouço de princípios basilares da administração, dentre os quais a impessoalidade, moralidade e eficiência destacam-se como precursores daquele.

Trata-se, portanto, de precaução que visa a evitar não somente fraudes, mas sobretudo riscos de conflitos de interesses, preterição de falhas e continuidade de erros.

Conceito do Princípio da Segregação de funções:

A doutrina leciona que:

A rigor, trata-se de princípio inerente ao controle interno, que estabelece o dever de assegurar a separação de atribuições entre servidores distintos nas várias fases de um determinado processo, em especial as funções de autorização, aprovação, execução, controle e contabilização das operações.

No âmbito das contratações públicas, o princípio da segregação de funções objetiva prevenir erros, omissões, fraudes e o uso irregular de recursos públicos por meio da repartição de funções essenciais para a formação e o desenvolvimento das contratações, impedindo que um mesmo agente público seja responsável por atividades incompatíveis, tais como executar e fiscalizar uma mesma atividade.[1]

segregação de funções, separação, especialização, atribuições.

Previsão na Nova Lei de Licitações e Contratos:

Nesse sentido, a Lei 14.133/21 trouxe o princípio da Segregação de funções como norma expressa:

Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:

[…]

§ 1º A autoridade referida no caput deste artigo deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.

§ 2º O disposto no caput e no § 1º deste artigo, inclusive os requisitos estabelecidos, também se aplica aos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração.

Diante disso, o referido princípio é premissa que deve orientar a atividade administrativa no âmbito das contratações públicas em sentido amplo, seja durante as etapas procedimento licitatório seja na atuação externa de fiscalização por outros órgãos.

Principais áreas nas quais deve incidir a Segregação de funções:

Assim, destaca-se precipuamente que gerir um órgão público com transparência e eficiência demanda a devida especialização e a segregação entre as funções de controle e as diversas áreas administrativas (como finanças, contabilidade, recursos humanos, guarda patrimonial, licitação, etc.) e entre o empenho, a liquidação (recebimento), o pagamento e a conferência (conformidade) nas despesas realizadas.

Inobstante sua relevância, diz respeito a um tema ainda sob intensa discussão nos órgãos de controle, de modo que não há rol taxativo de atividades e funções sobre as quais deve incidir a segregação, de maneira que compete à avaliação interna do Administrador.

A partir dessas ponderações, cumpre citar o trecho de artigo publicado na Revista do Tribunal de Contas da União acerca do citado princípio e sua relevância para a Administração Pública:

[…] Ademais, ao apartar as funções e não facultar que um único servidor seja responsável pleno por todas as fases ou estágios mais críticos (sensíveis) da execução das despesas, cria-se, metaforicamente, um ambiente hígido de “policiamento” ostensivo-dissuasório no qual as tarefas executadas por um agente público são subsequentemente acompanhadas e fiscalizadas por outro, inibindo condutas ilícitas e/ou antieconômicas[2].[…]

Exemplos das diversas aplicações da Segregação de funções pelo Tribunal de Contas da União e pelos órgãos de controle:

É possível observar que o Tribunal de Contas da União tem aplicado o referido princípio ao longo dos anos e de forma bastante incisiva em alguns momentos, conforme segue:

A segregação de funções é princípio básico do sistema de controle interno que consiste na separação de funções, nomeadamente de autorização, aprovação, execução, controle e contabilização das operações”. (Portaria nº 63/96, de 27/02/96 – Manual de Auditoria do TCU)

Não designar, para compor comissão de licitação, o servidor ocupante de cargo com atuação na fase interna do procedimento licitatório. (Acórdão TCU nº 686/2011 – Plenário)

Considera-se falta de segregação de funções, o Chefe do Setor de Licitações e Contratos elaborar o projeto básico e atuar no processo como Pregoeiro. (CGU, relatório RELATÓRIO nº 174805/2005)

Considera-se falta de segregação de funções quando o pregoeiro e a equipe de apoio à licitação realizam trabalhos de comissão de recebimento dos materiais. (CGU, relatório RELATÓRIO nº 174805/2005)

Devem ser segregadas as atividades de requisição, autorização, utilização e controle. (Acórdão TCU nº 4.885/2009 – 2ª Câmara)

Devem ser designados servidores diferentes para as funções desuprido e responsável pelo atesto das despesas realizadas nas prestações de contas, em observância ao princípio da segregação de funções, de modo que o agente público que ateste a realização da despesa não seja o mesmo que efetue o pagamento. (Acórdão TCU nº 3.281/2008 – 1ª Câmara)

A administração não deve nomear, para a fiscalização e acompanhamento dos contratos, servidores que tenham vínculo com o setor financeiro da unidade, sobretudo, aqueles que são diretamente responsáveis pelo processamento da execução da despesa. (Acórdão TCU nº 4.701/2009 – 1ª Câmara)

O fiscal de contrato e seu substituto devem ser designados mediante Portaria, em cumprimento ao disposto no art. 67 da Lei nº 8.666/1993, considerando que os servidores que executam o orçamento não devem ser designados para fiscal de contrato. (Acórdão TCU nº 1.131/2006-TCU-1ª Câmara)

Evitar que responsáveis por comissões de licitações sejam também responsáveis pelas áreas de suprimento envolvidas. (Acórdãos TCU nº 1.449/2007 e nº 2.446/2007 – 1ª Câmara)

Designar servidores distintos para as funções de “Encarregado do Setor Financeiro” e de “Responsável pela Contabilidade”, que devem ser segregadas. (Acórdão TCU nº 2.072/2007-1ª Câmara e IN/ SFC nº 01/2001)

A atribuição, ao pregoeiro, da responsabilidade pela elaboração do edital cumulativamente às atribuições de sua estrita competência afronta o princípio da segregação de funções adequado à condução do pregão, inclusive o eletrônico, e não encontra respaldo nos normativos legais que regem o procedimento. (Acórdão nº 3.381/2013 – Plenário.)

É vedado o exercício, por uma mesma pessoa, das atribuições de pregoeiro e de fiscal do contrato celebrado, por atentar contra o princípio da segregação das funções. (Acórdão nº 1.375/2015 – Plenário.)

A participação de servidor na fase interna do pregão eletrônico (como integrante da equipe de planejamento) e na condução da licitação (como pregoeiro ou membro da equipe de apoio) viola os princípios da moralidade e da segregação de funções. (Acórdão nº 1.278/2020 – Primeira Câmara.)

Desafios na aplicação do princípio da Segregação de funções:

Todavia, em determinados cenários, devido às restrições de pessoal, é necessário conciliar funções, por vezes concentrando-as no mesmo agente em etapas diferentes do processo de contratação pública.

Diante dessa dificuldade prática, os especialistas e estudiosos do tema sintetizam[3] que seria justificável esse tipo de acúmulo especialmente se (1) tal atuação ocorrer relativamente a processos de contratação distintos; ou (2) ainda que envolvendo um mesmo processo, o agente atue por meio de uma equipe/colegiado, não tomando decisões isoladamente a respeito de determinada fase/etapa, o que poderia potencializar a ocultação de erros/fraudes.

Salienta-se que o conjunto de atribuições exercido pelo agente no curso de um mesmo processo administrativo de contratação constitui fator determinante a ser examinado a fim de verificar eventual violação ao princípio da segregação de funções, em caso de tais atuações fragilizarem o controle, permitindo a ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.

Portanto, se após esse sopesamento a administração concluir pela impossibilidade de efetiva segregação, respeitadas as premissas básicas destacas anteriormente, é preciso ofertar motivação indicando as razões fáticas determinantes dessa opção (limitação do quadro e inviabilidade de adotar opção diversa) e, na medida do possível, reforçar mecanismos já existentes de fiscalização, a exemplo das atividades de controle interno.

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[1] GUIMARÃES, Edgar e SAMPAIO, Ricardo. Dispensa e inexigibilidade de licitação: Aspectos jurídicos à luz da Lei nº 14.133/2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 29.

[2] DA SILVA, Magno Antônio. O princípio da segregação de funções e sua aplicação no controle processual das despesas: uma abordagem analítica pela ótica das licitações públicas e das contratações administrativas. Revista do TCU. Set/Dez 2013. p.47. Disponível em:< file:///C:/Users/angariani/Downloads/68-Texto%20do%20artigo-130-1-10-20150916%20(2).pdf>

[3] https://zenite.blog.br/nova-lei-de-licitacoes-e-a-segregacao-de-funcoes/

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