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Processamento da Informação: Memória e Aprendizagem Aplicada a Concursos Públicos

As provas estão cada vez mais difíceis: basta comparar questões atuais às de 10 anos atrás. A concorrência é muito maior: compare número de inscritos em concurso. Nos últimos 15 anos, experimentamos a profissionalização na oferta de ensino para concursos e a ampla disseminação de informações sobre oportunidades em concursos públicos, o que atraiu muito mais interessados nas carreiras públicas.

A conclusão natural é a de que temos que estudar cada vez mais. Não que isso seja mentira, mas entendo que é minha função – como professor – proporcionar uma aprendizagem efetiva. Quanto mais efetivo for o processo para a assimilação de conteúdos, maior a probabilidade de êxito, mais curto poderá ser este longo caminho.

Compreender o processo de aprendizagem é importante para que o aluno procure adotar as melhores técnicas de estudo e para que nós, professores, façamos uso correto e assertivo das ferramentas na transmissão do conteúdo. Nos últimos 100 anos, experimentamos forte evolução no campo da neurociência e da psicologia cognitiva. Conceitos como memória de trabalho, memória de longa duração, carga cognitiva e plasticidade cerebral são úteis para que possamos adotar melhores estratégias de aprendizagem. Não obstante, ainda há muito a ser estudado e compreendido acerca de um dos aspectos mais ricos da nossa inteligência, que é a capacidade de aprender. 

A aprendizagem

A aprendizagem pode ser entendida como o processo de codificação e armazenamento de conteúdo na memória de longo prazo, de modo que possa ser resgatado e aplicado futuramente quando desejarmos ou quando necessário. Para a neurociência, a aprendizagem envolve a capacidade de os neurônios se regularem conforme os estímulos externos, agregando novos dados às informações já armazenadas na memória. O cérebro se adapta, se molda conforme armazena novos dados codificados.

De forma simples, a aprendizagem é o processo de transformar o conteúdo absorvido pela memória de trabalho (também conhecida como de curto prazo) em memória de longo prazo.

Vamos compreender melhor esses conceitos de memória.

Caminho necessário para aprendizagem: da memória de trabalho à de longo prazo

A memória é um complexo sistema que permite registrar, reter e recuperar experiências. Em um primeiro momento, somos expostos a diversas informações, com as quais podemos interagir e por um breve período lembrar, contudo, rapidamente esqueceremos. Esse é o conceito de memória de trabalho, compreendido como a forma que armazenamos o conteúdo recebido para que seja utilizado de forma imediata e que, em poucos segundos, será descartado. A memória de trabalho é operada por intermédio de estímulos sensoriais, auditivos ou visuais

O garçom vai até a mesa, ouve os pedidos. Sem anotá-los, direciona-se até a cozinha e repassa o pedido no sistema de controle do restaurante. Após – e, portanto, sem precisar interagir mais com aquela informação -, o conteúdo é descartado. Após finalizados os pratos, precisará consultar o sistema para saber a que mesa levar os pratos recém feitos.

Naturalmente, para o manejo da informação na memória de trabalho ela não deve ser longa, sob pena de não ser armazenável.

Caso na mesma mesa tenhamos muitos pedidos, o garçom poderá chegar à cozinha sem lembrar de todos. Em situações como essa, intuitivamente, ele recorre a um caderninho.

Há, entretanto, garçons que ouvem dezenas de pedidos e repassam todos eles corretamente à cozinha. Como isso se dá? É inteligência? Sim, a de manter a memória de trabalho, revisitando a informação durante a interação. Não é a memória de trabalho que se alonga, mas a interação com ela é maior. Assim, enquanto se desloca para a cozinha, mentalmente, o garçom repete para si mesmo os pedidos feitos. Isso pode ocorrer inclusive de forma inconsciente, por estímulos ou pela relevância que damos à informação.

Contudo, o aprendizado em si se dá a nível da memória de longo prazo.

A memória de longo prazo é consequência da formação de uma rede estruturada de informações. De acordo com neurocientistas, é necessário modificar a estrutura e as funções das sinapses dentro do cérebro. A formação de memória se dá pela capacidade de o cérebro se adaptar, receber marcas da informação codificada. Assim, o nosso cérebro torna-se único: reúne as informações já retidas às novas. Nosso cérebro está em constante construção, conforme o conhecimento que adquirimos.

Toda semana, a mesma família vai ao mesmo restaurante e, com pouquíssimas variações, pede os mesmos pratos. O garçom, atencioso ao cliente frequente e pela repetição, lembra-se dos pedidos feitos nas semanas anteriores a ponto de sugerir à família o “mesmo pedido de sempre”.

Esse processo de formação da memória de longo prazo – que resulta na aprendizagem – é, ainda, um tanto misterioso. Não temos clareza científica de como ocorre. Fato é que a importância que damos à informação, gosto, motivações pessoais e a repetição são decisivos para que a informação seja estruturada numa rede.

Estudos recentes indicam que a formação da memória de longo prazo passa por três etapas: repetição, elaboração e consolidação. Pela repetição somos expostos a diferentes fontes sobre o mesmo conteúdo, de modo a fortalecer os conhecimentos e registros já existentes. Por elaboração entende-se a associação que fazemos com as informações já existentes. É, de certo modo, a experiência. Assim, quem traz alguma bagagem, tem melhor capacidade de aprender novos conteúdos e registrá-los permanentemente. Pela consolidação entende-se o processo biológico de alteração das ligações entre os neurônios com acúmulo de proteínas e outras substâncias para robustecer as sinapses.

Enfim, a aprendizagem é justamente essa adaptação do cérebro (plasticidade cerebral) pela codificação da informação nos neurônios e o fortalecimento das sinapses. O aprendizado implica em alterações químicas, anatômicas e fisiológicas no cérebro.

Tendo isso como premissa, a partir de experimentos e também das percepções da psicologia cognitiva, foram desenvolvidas estratégias para tornar o processo de aprendizagem mais eficaz. Justamente neste ponto, há interesse tanto de quem estuda (para melhor estudar) como de quem ensina (para melhor ensinar). 

Recursos para formação da memória de longo prazo

O papel dessas técnicas de formação da memória de longo prazo é potencializar a aprendizagem, de modo que o aluno tenha melhor controle sobre o processamento, armazenamento e recuperação da informação. São diversos os recursos, alguns menos eficazes, outros mais. Mais do que isso, para diferentes pessoas, o mesmo recurso pode ter eficácia distinta. 

Fato é que a informação precisará ser classificada, organizada, conectada e armazenada juntamente com as informações já existentes. Além disso, quanto mais diversificada for a experiência, melhor será assimilada e consolidada.

Entre todas as técnicas, destacam-se:

1) Repetição. A depender de como é feita, pode ser pouco efetiva e demorada. De toda forma proporciona trabalhar a mesma informação por diferentes perspectivas. Ao estudar, a revisão é a técnica de repetição por excelência.

2) Evocação expandida. Constitui técnica de repetição da informação a ser memorizada em intervalos de tempo que aumentam gradativamente. Em concursos públicos se fala muito em curva do esquecimento e de retenção e o uso de revisões periódicas como forma de reduzir o efeito do esquecimento ou de maximização da retenção. Quem não ouviu falar em revisão de 24h, de 7 dias e de 1 mês?!

3) Mnemônicos. A associação de um conjunto de informações, imagens, frase cômica ou frase rimada é de grande relevância para introjetar informação no longo prazo. Quem não lembra do SOCIDIVALPLU, CAPACETE DE PM ou do LIMPE?!

4) PQRST. É uma técnica que amplia a quantidade de neurônios utilizados para potencializar o aprendizado. Em síntese:

  • Preview – leitura inicial do conteúdo;
  • Question – perguntas sobre o material lido;
  • Read – nova leitura do mesmo material;
  • State – síntese do material lido;
  • Test – teste de compreensão e de memorização.

5) Referência. É a técnica que permite acessar o conteúdo aprendido por intermédio de uma palavra, imagem ou frase de referência. Muitos alunos estudam fazendo grifos. Se bem feitos – leia-se: de forma objetiva, pontual – ao revisar a leitura de uma palavra destacada ou da primeira frase grifada, você é capaz de lembrar da informação completa antes de concluir a leitura dos destaques. A referência vai muito além, e pode ser representada por uma imagem, por uma uma fotografia mental da página em que se encontra o conteúdo ou até mesmo pela ligação emocional com aquele conteúdo cobrado na questão do último concurso que você fez e não foi aprovado por uma questão. 

Essas técnicas – no ato de estudar – impactam decisivamente a memória de trabalho, gerando estímulos suficientes para que o conteúdo transcenda para a memória de longo prazo. Assim, quanto mais técnicas forem empregadas, maior o estímulo e mais rico será o processo de aprendizagem. 

Carga Cognitiva: equilíbrio para correto estímulo pelo professor

O educador também deve ficar atento ao uso desses recursos para facilitar o processo de estudo. Há, contudo, um risco: a falta de equilíbrio no uso da carga cognitiva.

A carga cognitiva é a atividade mental a que estará sujeita a memória de trabalho. Lembre-se: tudo começa pela memória de trabalho. Sob o aspecto intrínseco, essa carga envolve a natureza do conteúdo (ex. dificuldade, volume de detalhes, etc.). Sob o aspecto extrínseco, discute-se o modo como a informação é apresentada. A adoção de uma carga cognitiva ineficaz pode minar a aprendizagem. Exemplos: em um conteúdo complexo, o professor trabalha com slides repletos de citações; ou em um assunto repleto de expressões técnicas, o professor não explica previamente os conteúdos base.

A carga cognitiva deve ser adequada, de modo a pautar a estruturação da informação, conduzindo o aluno para o limite do seu máximo esforço de processamento, mas não além dele. Naturalmente, o aluno não pode sentir-se ocioso no processo de aprendizagem, mas não pode sentir-se sobrecarregado, incapaz de perceber os conteúdos apresentados.

Além disso, é natural que o aluno perceba numa mesma aula trechos dessa carga cognitiva extrínseca ora ineficaz, ora adequada. O mais importante é que esta predomine sobre aquela.

No processo de aprendizagem, tanto a carga cognitiva intrínseca como a carga cognitiva extrínseca ineficaz devem ser baixas. E como vencer uma prova complexa, cuja carga cognitiva intrínseca é altíssima? Deve-se começar com uma carga cognitiva intrínseca baixa e aumentar gradativamente após aprendizagem de base.

O professor, para buscar o equilíbrio no processo de transmissão da informação, deve ser valer:

  • do aumento gradativo da carga cognitiva intrínseca até o limite do que é necessário para o fim pretendido. Dito de outro modo: formar a base do conteúdo e aprofundar conforme o grau de complexidade das questões do concurso.
  • tornar a revisão um processo continuado, tanto para atender à repetição como para a evocação expandida. Por exemplo, ministrar um mesmo conteúdo sob diferentes perspectivas, combinando aulas teóricas, de resolução de questões, a partir de casos práticos. São formas de proporcionar a construção do aprendizado por diferentes fontes de estímulo.
  • uso de recursos como mnemônicos, especialmente para aquilo que precisa ser memorizado e não há, para tal, outro recurso mais efetivo.
  • uso intenso de referenciais. O uso de imagens em slides, a construção do conteúdo por meio de exemplos ou até mesmo do storytelling podem ser recursos excepcionais no processo de assimilação do conteúdo.

Nesse ponto, cabe um complemento. Uma preocupação para quem estuda, por exemplo, fazendo associações a partir de palavras-chave é lembrar das próprias palavras chaves na “hora H”. Pela forma como as provas de concurso são aplicadas, não deve ser uma preocupação. Talvez a exceção seja as provas orais. Em provas objetivas e discursivas temos o enunciado. Ele trará, em alguma medida, as informações para desencadear o processo de busca da informação junto à memória de longo prazo por meio de referências. Em provas objetivas podemos, ainda, “jogar com as alternativas” para buscar a associação correta, capaz de acessar a memória.

Conclusão

É importante conhecer a base do processo de aprendizagem para compreender que um bom desempenho em uma prova não é trivial. É fruto de muito esforço, da experiência acumulada, do grau e da capacidade de buscar estímulos quando somos submetidos à carga de conteúdos.

Além disso, ter claras as técnicas farão compreender a importância de nos valermos de todas elas. É um erro ignorar o processo de revisão, por exemplo. É equivocado não variar entre os recursos didáticos à disposição. E mais do que isso, é necessário entrar nessa empreitada ciente de que, além de todo o esforço que será necessário, é preciso resiliência.

E a nós, professores, por melhores que nossas aulas possam ser, sempre há algo novo ou a mais que possa ser feito para otimizar o processo de aprendizagem.

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Forte abraço,

Prof. Ricardo Torques

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