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PEC sobre a Reforma Administrativa: entenda as alterações propostas!

Diante da necessidade de diminuição das despesas do Poder Público e da magnitude dos impactos que os gastos com pessoal representam para os cofres públicos, há algum tempo vem se ventilando sobre a possibilidade de realização de uma Reforma Administrativa no país.

O assunto ganhou força nos últimos meses e no dia 03 de setembro de 2020 foi pulicado o texto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Reforma Administrativa que prevê novos vínculos jurídico funcionais para os servidores públicos e a modernização organizacional da Administração Pública. 

A Reforma tem influência direta nas regras atuais para ingresso e permanência em cargos públicos, por isso, vamos entender os contornos dessa PEC e quais as mudanças estão sendo propostas para o futuro da Administração Pública.  

Fases da PEC da Nova Administração Pública 

De acordo com a Proposta de Emenda à Constituição, ocorrerão três fases no Congresso Nacional para que haja a completa implementação da Reforma Administrativa, quais sejam:

Fase 1 – Apresentação e tramitação da PEC ao Congresso Nacional:  

É a fase atual, em que haverá a tramitação do texto apresentado pelo Ministério da Economia na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Além do rigoroso procedimento de tramitação de uma Emenda à Constituição, que requer aprovação de 3/5 dos membros de ambas as Casas Legislativas em 2 turnos de votação, seu texto ainda pode ser objeto de alteração pelos parlamentares. Se aprovada nos termos em que foi apresentada, a Reforma segue para as fases 2 e 3. 

Fase 2 – Conjunto de Projetos de Leis Ordinárias e Complementares:  

A imagem acima exemplifica alguns projetos de Leis Ordinárias e Complementares a serem criadas para regulamentar as disposições trazidas pela PEC da Reforma Administrativa, bem como para garantir o melhoramento da gestão pública e realizar os ajustes na legislação anterior, que será afetada pelas novas regras trazidas pela Emenda Constitucional.

Fase 3 – Projeto de Lei Complementar do Novo Serviço Público: 

A PEC traz a previsão de uma Lei Complementar Federal, que funcionará como uma espécie de Estatuto Jurídico dos Servidores Públicos, vinculativo para todas as esferas da federação. Atualmente, União, Estados, DF e Municípios possuem, cada um, Estatutos dos Servidores próprios, que respeitam apenas as balizas constitucionais.

A Lei Complementar do Novo Serviço Público vai regulamentar as carreiras, a remuneração, os direitos e deveres do serviço público, nacionalmente, podendo os Estados, DF e Municípios criarem leis próprias para suplementar essa Lei, no que couber. 

O que não será objeto de alteração com a Reforma Administrativa 

Na apresentação da Proposta de Emenda à Constituição, o Ministério da Economia garantiu que os temas a seguir não serão objeto de alteração pela Reforma: 

1 – O Regime Jurídico dos atuais servidores não sofrerá alterações com a Reforma Administrativa:

Ficam valendo as novas regras apenas para os novos servidores, desde a entrada em vigor das novas disposições.  

Quando se fala em atuais servidores, pressupõe-se que a pessoa já tomou posse no cargo público. Provavelmente, se não houver regra de transição ou decisão judicial em sentido contrário, os aprovados em concurso público que não forem nomeados até a data da aprovação da PEC da Reforma Administrativa não serão enquadrados no conceito de servidor público atual, sendo, portanto, atingidos pelas novas regras. 

Dessa forma: 

A) A estabilidade dos servidores que já ingressaram no serviço público continua nos mesmos termos previstos atualmente na Constituição; 

B) Os vencimentos dos servidores atuais não serão reduzidos; 

2 – Serão mantidos os institutos e as normas do atual Regime Jurídico que são consideradas condizentes com os objetivos da reforma:

Portanto, permaneceram valendo as seguintes premissas: 

A) Ingresso por meio de concurso público: meio impessoal, aberto e competitivo de contratação; 

B) Atratividade do serviço público: busca atrair o interesse dos profissionais de excelência para ingressar e se manter no serviço público; 

C) Continuidade do serviço público: manutenção da prestação de serviço, mesmo com a troca de governo; 

D) Transparência das informações: disponibilização dos dados do serviço público para qualquer cidadão, inclusive a remuneração dos servidores; 

E) Impessoalidade: garantia de segurança jurídica em todos os atos administrativos, que são regidos pelo devido processo administrativo; 

F) Missão do serviço público: sempre servir à população. 

Mudanças propostas pela PEC da Reforma Administrativa 

As mudanças mais significativas do texto da primeira fase da Reforma, que serão aplicadas a todos os Poderes de todos os entes da federação, são as seguintes: 

1 – Extinção do Regime Jurídico Único e Criação de Novos Vínculos 

O Regime Jurídico Único é a obrigatoriedade de os entes e entidades da Administração adotarem apenas um regime de trabalho para reger a relação jurídico funcional de seus servidores, podendo ser o regime celetista (CLT) ou estatutário (Estatutos próprios).  

A PEC da Reforma Administrativa prevê a extinção do Regime Jurídico Único e a criação de 5 vínculos, adequando as novas regras ao tipo de cargo e à forma de ingresso do servidor no cargo. Eles deverão ser adotados por todos os entes da federação e são divididos da seguinte forma: 

Ingresso Por Concurso  

Atualmente, os servidores que ingressam no serviço público por meio de concurso público são submetidos a um período de 3 anos de estágio probatório e, ao final, adquirem a garantia de estabilidade no cargo. Na proposta, haverá regras diferentes para os ocupantes de cargo típico de Estado e ocupantes de cargos de apoio administrativo. 

A) Cargo Típico de Estado:  

Ainda não foram definidos quais são os cargos típicos de Estado. A definição virá posteriormente, por meio de Lei Complementar, a ser criada na Fase 2 da Reforma.

Via de regra, cargos típicos de Estado são ocupados por servidores que exercem atividades estatais que não podem ser delegadas, como a segurança pública, as atividades de fiscalização e controle, os cargos de Juiz, Promotor, Delegado, entre outros. Provavelmente, cargos como Analista e Técnico Administrativo dos órgãos públicos não entraram nessa definição, mas apenas os cargos de alto escalão das carreiras.  

Para esses cargos, serão exigidos 2 anos do chamado Vínculo de Experiência – que será explicado em breve. Continuará existindo a garantia da estabilidade após 3 anos de serviço e as possibilidades de desligamento seguem sendo por meio de sentença judicial, por cometimento de infração disciplinar e pela avaliação de desempenho insuficiente.

B) Cargo por prazo indeterminado

Essa é uma das maiores novidades da Reforma AdministrativaPara os cargos que não forem considerados como típicos de Estado, ou seja, os cargos de apoio técnico e administrativo, será exigido 1 ano de Vínculo de Experiência e não haverá a garantia da estabilidade. Portanto, poderá haver a perda do cargo em outras situações, além das já previstas atualmente.  

As novas hipóteses de desligamento desse servidor serão definidas por meio de Lei, a ser criada na fase 2 da Reforma. O Ministério da Economia já adianta que o vínculo poderá terminar por situações como extinção do cargo por conta da evolução tecnológica ou alteração das necessidades do órgão público. 

C) Empregos Públicos:  

Para ingressar em empresa pública ou sociedade de economia mista, o regime trabalhista continua sendo o da CLT. Não há nenhuma alteração nesse ponto. 

Ingresso por seleção simplificada 

Atualmente, já é autorizada pela Constituição a dispensa de concursos públicos para algumas contratações na Administração Pública, como para os funcionários temporários e para os cargos em comissão. Essas regras continuam válidas, mas com algumas alterações: 

A) Cargo por prazo determinado:  

Esse tipo de contratação existe atualmente no serviço público para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. O texto da PEC, em linhas gerais, repete as possibilidades já existentes, e acrescenta a viabilidade de utilização de contrato por prazo determinado para realização de atividades ou procedimentos sob demanda.  

Haverá ainda uma flexibilização nos requisitos para a contratação de servidores temporários, que será regulada por meio de Lei, na Fase 2 da Reforma Administrativa. 

B) Cargo de Liderança e Assessoramento:  

O texto da PEC da Reforma Administrativa dispõe que os cargos de liderança e assessoramento serão destinados exclusivamente para atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas.

Em regra, eles substituirão os cargos comissionados e as funções gratificadas, que atualmente são destinados para função de direção, chefia e assessoramento. A inclusão das atribuições técnicas é uma novidade nesse ponto, mas é necessário um maior esclarecimento do que seriam essas atribuições, na prática.

Outra novidade, é que o governo fala em realização de uma seleção simplificada para o preenchimento desses cargos de liderança e assessoramento, que atualmente são de livre nomeação e exoneração. 

2 – Criação do Vínculo de Experiência 

A PEC prevê a extinção do atual estágio probatório e a incorporação do chamado Vínculo de Experiência, que será uma etapa do concurso público em que é verificada a aptidão para o exercício do cargo.

O Vínculo de Experiência funcionará como uma espécie de trainee, com prazo de 2 anos para os Cargos Típicos de Estado, e 1 ano para os cargos por prazo indeterminado, não havendo direito automático ao cargo pleiteado. Ao final desses prazos, haverá a classificação final dos aprovados no concurso público, e os mais bem avaliados no Vínculo de Experiência serão efetivados. 

O texto da PEC não dá mais detalhes sobre Vínculo de Experiência, portanto, será necessário aguardar as discussões parlamentares e as próximas fases da Reforma, para compreender como se dará esse procedimento.

3 – Regime Previdenciário

A regra do regime previdenciário prevê o Regime Próprio para os servidores que ingressarem no serviço público por meio de concurso (seja cargo típico de Estado ou cargo por prazo indeterminado, bem como no período do Vínculo de Experiência) e Regime Geral para os servidores que ingressarem por seleção simplificada (temporários e cargos de liderança e assessoramento), bem como para os empregados públicos e ocupantes de cargos políticos.  

Nas regras de transição, cria-se a possibilidade de os entes da federação optarem por vincular os servidores ocupantes de cargo por prazo indeterminado, inclusive durante o vínculo de experiência, ao Regime Geral da Previdência Social, por meio de Lei Complementar, que terá prazo de 2 anos para ser criada, contados da data de entrada em vigor da Emenda à Constituição. 

4- Simplificação das Regras de Acumulação de Cargos 

Atualmente, a regra é a vedação de acumulação remunerada de cargos públicos, exceto nos seguintes casos: 

A) dois cargos de professor;  

B) um cargo de professor com outro técnico ou científico;  

C) dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde.

Na nova regra, funcionará da seguinte maneira: 

  • O servidor que ocupar cargo por prazo indeterminado poderá acumular cargos públicos, desde que não haja conflito de interesses e que seja observada a compatibilidade de horários; 
  • Para servidor de carreiras típicas de Estado, persiste a vedação de realização de qualquer outra atividade remunerada, inclusive a acumulação de cargos públicos. Há uma exceção advinda da regra atual, sendo permitida a cumulação de cargos de Estado com o exercício da docência ou de atividade própria de profissional da saúde, observada a compatibilidade de horários. 
  • Durante o período de Vínculo de Experiência, é vedada a realização de qualquer outra atividade remunerada, inclusive a acumulação de cargos públicos, sem exceção. 

5 – Ajustes nas possibilidades de desligamento 

Atualmente, um servidor estável só pode ser desligado do serviço público pelos seguintes motivos:  

A) Sentença judicial transitada em julgado; 

B) Processo administrativo por cometimento de infração disciplinar; 

C) Insuficiência de desempenho em avaliação funcional periódica (essa avaliação não ocorre na prática, pois ela deveria ser regulamentada por Lei Complementar, o que não ocorreu até os dias atuais). 

Novas regras:

Para os futuros servidores ocupantes de cargo típico de Estado e de cargo por prazo indeterminado, a proposta é a permanência das possibilidades já existentes de desligamento, com alguns ajustes.

Exclusivamente para os ocupantes de cargo por prazo indeterminado, haverá a implementação de outras possibilidades de desligamento, a serem previstas por Lei na segunda fase da Reforma Administrativa.  

As possibilidades de desligamento ficam da seguinte maneira: 

  • Sentença judicial transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado (sem a necessidade de trânsito em julgado). Havendo a invalidação da demissão, o servidor será reintegrado, independentemente da existência de vaga; 
  • Processo administrativo por cometimento de infração disciplinar
  • Insuficiência de desempenho em avaliação funcional periódica em razão da obsolescência das atividades relativas às atribuições do cargo público. Essa avaliação deverá ser regulamentada por Lei Ordinária, não sendo mais necessária Lei Complementar para tanto. 
  • Outras hipóteses a serem dispostas em Lei para ocupantes de cargo por prazo indeterminado.

6- Vedações Constitucionais 

A PEC da Reforma Administrativa prevê a eliminação de alguns institutos do ordenamento jurídico, sendo vedada a concessão de: 

Licença-prêmio, licença assiduidade ou outra licença decorrente exclusivamente de tempo de serviço, ressalvada a licença para fins de capacitação: 

Licença-prêmio é o direito do servidor, a cada 5 anos de efetivo serviço, a gozar de 3 meses de licença (atualmente existe em 20 dos 27 Estados brasileiros). Ela e qualquer licença decorrente exclusivamente de tempo de serviço, não poderão mais ser concedidas. 

Aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos:

Veda a possibilidade de um servidor receber os valores retroativos de alguma parcela remuneratória ou indenizatória que deixou de receber no passado.

Férias superiores a 30 dias por ano:

Atualmente apenas as férias dos magistrados e membros do MP são de 60 dias, dos demais servidores já é de 30 dias. 

Adicional por tempo de serviço, independentemente da denominação adotada:

Ainda existem em alguns Estados e Municípios o chamado anuênio, que corresponde à ampliação do salário do servidor em 1% ao ano, independente de reajuste salarial. 

Aposentadoria compulsória como modalidade de punição:

Essa punição existe hoje apenas para os cargos vitalícios. 

Progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço:

Será criada uma Lei para regulamentar a progressão salarial e a promoção dentro das carreiras. 

Incorporação ao salário de valores referentes ao exercício de cargo em comissão, função de confiança ou cargo de liderança e assessoramento ao cargo efetivo ou emprego permanente:

Isso já é vedado atualmente pela Constituição.

Adicional ou indenização por substituição de servidor, ressalvada a efetiva substituição de cargo em comissão, função de confiança e cargo de liderança e assessoramento; 

Redução de jornada sem redução de remuneração, salvo por limitação de saúde.

7 – Lei Complementar do Novo Serviço Público 

A PEC da Reforma Administrativa prevê a criação de uma Lei Complementar Federal, que trará diretrizes gerais sobre gestão de pessoas para todos os Poderes e todos os entes da federação, a ser criada na Fase 3 da Reforma Administrativa. A ideia é trazer coerência e uniformidade ao sistema de carreiras e cargos do serviço público, pois muitas vezes o mesmo cargo possui diversas discrepâncias a depender do órgão a que pertence. 

Essa Lei funcionará como uma espécie de Estatuto Jurídico Geral dos Servidores Públicos. Não será excluída a competência suplementar dos entes federativos para adequarem as regras às suas peculiaridades regionais e locais. Além disso, até que seja editada a Lei Complementar, os entes federativos exercerão a competência legislativa plena. 

Essa Lei Complementar terá competência para dispor sobre normas gerais a respeito dos seguintes assuntos: 

  • gestão de pessoas;  
  • política remuneratória e de benefícios;  
  • ocupação de cargos de liderança e assessoramento;  
  • organização da força de trabalho no serviço público;  
  • progressão e promoção funcionais;  
  • desenvolvimento e capacitação de servidores;  
  • duração máxima da jornada para fins de acumulação de atividades remuneradas. 

Obs.: a Lei Complementar Geral não se aplicará às carreiras disciplinadas por Lei Complementar específica prevista na Constituição, como a Lei Orgânica da Magistratura e Lei Orgânica do Ministério Público. 

8 – Maior Autonomia Organizacional para o Executivo 

A PEC da Reforma Administrativa aumenta as possibilidades de legislação por meio de Decreto Autônomo por parte do Presidente da República. Isso amplia os poderes e dá maior flexibilidade ao executivo na regulamentação dos cargos. 

O Presidente da República poderá editar decretos para alterar uma série de temas relativos às carreiras, desde que não envolvam aumento de despesa, quais sejam: 

No entanto, quando as alterações acarretarem aumento de despesa, o Congresso Nacional deverá ser obrigatoriamente consultado. 

9 – Demais mudanças  

A PEC traz mais alguns dispositivos, que não estão tão ligados ao servidor público, mas à alteração do modelo de gestão e à abertura de instrumentos de governança pública.  

Além disso, muito se questiona sobre a redução de cargos e da remuneração das carreiras. O texto da PEC não trata especificamente desses assuntos. O Executivo e o Legislativo da União já começam a falar sobre reestruturação das carreiras, mas esses movimentos serão vistos futuramente e por meio de Leis próprias de cada Órgão.  

O texto da PEC ainda é nebuloso em certos aspectos, deixando diversos assuntos para uma regulação futura. É necessário entender os principais pontos que foram apresentados nesse artigo e acompanhar os movimentos políticos em torno das questões mais polêmicas, de forma a garantir que se proceda uma Reforma justa, que equalize as necessidades do poder público e as garantias dos futuros servidores.

Clique aqui para ter acesso à apresentação do Ministério da Economia 

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Veja os comentários
  • Na verdade, minha curiosidade era se a reforma vai permitir que todos os servidores que não exerçam carreira de estado possam ter um segundo emprego, uma vez que a união tem um teto de gastos que não permitirá aumentar seus vencimentos
    leonel em 13/10/20 às 10:25
  • Para mim, acabou o serviço público no Brasil. Eu mesmo que não vou dedicar anos da minha vida estudando para chegar um político e me colocar para fora... melhor iniciativa privada, ao menos o que eu conquistar estará garantido e dependendo apenas dos meus esforços... Parabéns a todos os cursinhos preparatórios para concurso que estão pianinho com essa reforma, espero que a falência seja o horizonte de todos eles...
    Ricardo Alexandre em 09/09/20 às 16:06