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XVIII EXAME DA OAB (segunda fase) – Comentários à prova de Direito Penal

Olá, pessoal

Boa noite!

Neste artigo vou comentar a prova prático-profissional aplicada pela FGV neste último domingo, referente ao XVIII Exame da OAB – DIREITO PENAL.

A prova teve um bom nível, mas nada fora da realidade. Quem estudou no Estratégia Concursos se saiu bem, COM CERTEZA!

Todos os temas foram trabalhados no nosso curso para a segunda fase do XVIII Exame da OAB. Em relação à peça processual, chegamos a trabalhar um modelo QUASE IDÊNTICO, como vocês verão nos comentários abaixo.

De toda forma, não verifico possibilidade de recurso contra o gabarito oficial. Vamos aos comentários:

1 – PEÇA PRÁTICO-PROFISSIONAL

Durante o carnaval do ano de 2015, no mês de fevereiro, a família de Joana resolveu viajar para comemorar o feriado, enquanto Joana, de 19 anos, decidiu ficar em sua residência, na cidade de Natal, sozinha, para colocar os estudos da faculdade em dia. Tendo conhecimento dessa situação, Caio, vizinho de Joana, nascido em 25 de março de 1994, foi até o local, entrou sorrateiramente no quarto de Joana e, mediante grave ameaça, obrigou-a a praticar com ele conjunção carnal e outros atos libidinosos diversos, deixando o local após os fatos e exigindo que a vítima não contasse sobre o ocorrido para qualquer pessoa.

Apesar de temerosa e envergonhada, Joana contou o ocorrido para sua mãe. A seguir, as duas compareceram à Delegacia e a vítima ofertou representação. Caio, então, foi denunciado pela prática como incurso nas sanções penais do Art. 213 do Código Penal, por duas vezes, na forma do Art. 71 do Estatuto Repressivo. Durante a instrução, foi ouvida a vítima, testemunhas de acusação e o réu confessou os fatos. Foi, ainda, juntado laudo de exame de conjunção carnal confirmando a prática de ato sexual violento recente com Joana e a Folha de Antecedentes Criminais (FAC) do acusado, que indicava a existência de duas condenações, embora nenhuma delas com trânsito em julgado.

Em alegações finais, o Ministério Público requereu a condenação de Caio nos termos da denúncia, enquanto a defesa buscou apenas a aplicação da pena no mínimo legal. No dia 25 de junho de 2015 foi proferida sentença pelo juízo competente, qual seja a 1a Vara Criminal da Comarca de Natal, condenando Caio à pena privativa de liberdade de 10 anos e 06 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado. Na sentença consta que a pena base de cada um dos crimes deve ser aumentada em seis meses pelo fato de Caio possuir maus antecedentes, já que ostenta em sua FAC duas condenações pela prática de crimes, e mais 06 meses pelo fato de o acusado ter desrespeitado a liberdade sexual da mulher, um dos valores mais significativos da sociedade, restando a sanção penal da primeira fase em 07 anos de reclusão, para cada um dos delitos.

Na segunda fase, não foram reconhecidas atenuantes ou agravantes. Afirmou o magistrado que atualmente é o réu maior de 21 anos, logo não estaria presente a atenuante do Art. 65, inciso I, do CP. Ao analisar o concurso de crimes, o magistrado considerou a pena de um dos delitos, já que eram iguais, e aumentou de 1/2 (metade), na forma do Art. 71 do CP, justificando o acréscimo no fato de ambos os crimes praticados serem extremamente graves. Por fim, o regime inicial para o cumprimento da pena foi o fechado, justificando que, independente da pena aplicada, este seria o regime obrigatório, nos termos do Art. 2o, § 1o, da Lei no 8.072/90. Apesar da condenação, como Caio respondeu ao processo em liberdade, o juiz concedeu a ele o direito de aguardar o trânsito em julgado da mesma forma.

Caio e sua família o (a) procuram para, na condição de advogado (a), adotar as medidas cabíveis, destacando que estão insatisfeitos com o patrono anterior. Constituído nos autos, a intimação da sentença ocorreu em 07 de julho de 2015, terça-feira, sendo quarta-feira dia útil em todo o país.

Com base nas informações acima expostas e naquelas que podem ser inferidas do caso concreto, redija a peça cabível, excluída a possibilidade de Habeas Corpus, no último dia do prazo para interposição, sustentando todas as teses jurídicas pertinentes. (Valor: 5.00 pontos)

COMENTÁRIOS:

A peça exigida foi uma APELAÇÃO, uma peça que trabalhamos bastante em nosso curso. No nosso simulado foram apresentadas seis propostas de peças prático-profissionais e, destas seis, três exigiam a elaboração de uma apelação. Alguns poderiam achar que se trata de um enfoque exagerado nesta peça, mas a FGV acaba de comprovar nossa tese: apelação é uma peça muito cobrada e, portanto, deve haver foco total por parte do candidato.

No mérito da peça a FGV exigiu conhecimento sobre o entendimento jurisprudencial consolidado a respeito da inexistência de continuidade delitiva no delito de estupro, quando as condutas são praticadas num mesmo contexto fático e contra a mesma vítima (Ver, por todos, STJ: REsp 1230525/DF). Neste caso, deve ser considerada a existência de crime único (BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte especial. Volume 4. Ed. Saraiva, 9º edição. São Paulo, 2015, p. 59).

Falamos bastante sobre isso, tanto na aula 07 (p. 05) quanto no nosso simulado (rodadas práticas). Aliás, na nossa rodada prática nº 01 (aula 11.1), eu apresentei como proposta uma situação QUASE IDÊNTICA à que foi cobrada pela FGV no XVIII Exame da OAB. Na proposta eu criei uma situação de estupro em que o agente havia praticado coito vagínico e, também, atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Segue, abaixo, um trecho da proposta apresentada na aula 11.1:

“Ricardo foi denunciado por dois delitos de estupro, em concurso material (art. 213 c/c art. 69 do CP), ocorridos no dia 05.01.2010, na cidade de Porto Alegre-RS. Segundo narra a denúncia, Ricardo, então com 19 anos de idade, utilizando-se de grave ameaça, teria constrangido Joana, de 25 anos, à prática de conjunção carnal consistente em coito vagínico. Durante o ato sexual, porém, Ricardo teria submetido Joana à prática de outros atos libidinosos diversos do coito vagínico, como sexo oral. (…)”

Nessa questão o aluno era desafiado a elaborar uma apelação, tendo como um dos fundamentos a inexistência de concurso material (no caso cobrado pela FGV o Juiz havia considerado continuidade delitiva), e sim de crime único.

Ou seja, quem estudou no Estratégia Concursos simplesmente “ganhou” a peça processual.

A FGV exigiu que o candidato impugnasse, ainda, a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Primeiramente, em razão da utilização de ações penais em curso como “maus antecedentes” para majoração da pena-base, já que isso viola o princípio da presunção de não culpabilidade (súmula 444 do STJ). Vimos isso no nosso curso (aula 04, p. 37) e também abordamos o tema no nosso simulado (aula 11.1, questão 09).

O candidato deveria impugnar, ainda em relação à pena-base, a majoração decorrente do fato de o “acusado ter desrespeitado a liberdade sexual da vítima”. Ora, em todo crime de estupro há desrespeito à liberdade sexual da vítima, pois esse é um elemento inerente ao próprio tipo penal, de maneira que não pode ser utilizado como fundamento para fixação da pena acima do mínimo legal. Sobre o tema, aula 04, p. 38.

Posteriormente, o candidato deveria sustentar a necessidade de reconhecimento das atenuantes da confissão espontânea e da menoridade. Em relação a esta última, o magistrado havia deixado de aplica-la pelo fato de o agente ser, no momento da sentença, maior de 21 anos. Contudo, para estes fins, deve ser considerada a idade do agente no momento da prática delituosa, nos termos do art. 65, I do CP (aula 04, p. 44).

Ainda em relação à dosimetria da pena, o candidato deveria requerer, de forma subsidiária, caso mantida a continuidade delitiva, a aplicação do patamar mínimo de aumento (1/6), nos termos do art. 71 do CP. Isso porque o entendimento jurisprudencial é no sentido de que o aumento deverá variar de acordo com a quantidade de crimes praticados em continuidade delitiva, e não de acordo com a gravidade dos delitos (Ver, por todos, HC 175918/SP – STJ).

Por fim, o candidato deveria requerer a fixação do regime semiaberto. Isso porque a fixação do regime fechado se deu com base na gravidade abstrata do delito (o simples fato de se tratar de crime hediondo), tendo o STF declarado a inconstitucionalidade da obrigatoriedade do regime inicial fechado para crimes hediondos. Assim, a fixação do regime inicial fechado dependeria de fundamentação concreta (STF, HC 111.840/ES), Vide aula 10, p. 41.

2 – QUESTÕES DISCURSIVAS

QUESTÃO N° 01

No dia 02 de março de 2008, Karen, 30 anos, funcionária do caixa do Supermercado Rei, subtraiu para si a quantia de R$ 700,00 (setecentos reais) do estabelecimento, ao final de seu expediente. No dia seguinte, percebendo a facilidade ocorrida no dia anterior, Karen voltou a subtrair determinada quantia do caixa do supermercado. Ainda na mesma semana, a funcionária, com o mesmo modus operandi, subtraiu, por mais duas vezes, valores pertencentes ao estabelecimento comercial. Ocorre que as condutas de Karen foram filmadas e os vídeos foram encaminhados para o Ministério Público, que ofereceu denúncia pela prática do crime descrito no Art. 155, § 4o, inciso II, do Código Penal, por quatro vezes, na forma do Art. 71 do mesmo diploma legal. Em 20 de abril de 2008 a denúncia foi recebida, tendo o feito seu regular processamento, até que, em 25 de abril de 2012, foi publicada decisão condenando Karen à pena final de 02 anos e 06 meses de reclusão e 12 dias multa, substituída por restritiva de direitos. Para cada um dos crimes foi aplicada a pena mínima de 02 anos de reclusão e 10 dias multa, mas fixou o magistrado a fração de 1/4 para aumento da pena, em virtude do reconhecimento do crime continuado. As partes não interpuseram recurso de apelação.

Considerando que não existe mais possibilidade de interposição de recurso da decisão, responda aos itens a seguir.

A) Qual a tese defensiva a ser alegada, de modo a impedir que Karen cumpra a pena que lhe foi aplicada? Fundamente. (Valor: 0,65)

B) Quais as consequências jurídicas do acolhimento dessa tese? Aquela condenação poderá ser considerada para efeito de reincidência futuramente? (Valor: 0,60)

COMENTÁRIOS:

a) O candidato deveria sustentar a prescrição. Isso porque, em relação aos crimes continuados (concurso de crimes em geral), a prescrição de cada um dos delitos é calculada de forma isolada, sem o acréscimo decorrente da continuidade delitiva, nos termos do art. 119 do CP. Em se tratando de pena fixada em 02 anos, tendo havido trânsito em julgado para a acusação, a prescrição da pretensão punitiva ocorrerá em 04 anos. Como entre o recebimento da denúncia e a sentença já havia transcorrido mais de 04 anos, ocorreu a prescrição da pretensão punitiva retroativa.

b) Considerando o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, a consequência será a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, IV do CP.

QUESTÃO 02

No dia 10 de fevereiro de 2012, João foi condenado pela prática do delito de quadrilha armada, previsto no Art. 288, parágrafo único, do Código Penal. Considerando as particularidades do caso concreto, sua pena foi fixada no máximo de 06 anos de reclusão, eis que duplicada a pena base por força da quadrilha ser armada. A decisão transitou em julgado. Enquanto cumpria pena, entrou em vigor a Lei no 12.850/2013, que alterou o artigo pelo qual João fora condenado. Apesar da sanção em abstrato, excluídas as causas de aumento, ter permanecido a mesma (reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos), o aumento de pena pelo fato da associação ser armada passou a ser de até a metade e não mais do dobro.

Procurado pela família de João, responda aos itens a seguir.

A) O que a defesa técnica poderia requerer em favor dele? (Valor: 0,65)

B) Qual o juízo competente para a formulação desse requerimento? (Valor: 0,60)

COMENTÁRIOS:

a) Neste caso, a defesa deveria requerer a aplicação da lei nova, por ser mais benéfica (retroatividade da lei penal benéfica), nos termos do art. 2º, § único do CP. Isto porque a lei nova prevê, para esta circunstância (tratar-se de quadrilha armada), um aumento máximo de metade, enquanto a lei anterior estabelecia que a pena seria aplicada em dobro.

b) O requerimento deve ser formulado perante o Juízo da Execução Penal, por já ter havido o trânsito em julgado, nos termos do art. 66, I da LEP e súmula 611 do STF.

QUESTÃO 03

Fernando foi pronunciado pela prática de um crime de homicídio doloso consumado que teve como vítima Henrique. Em sessão plenária do Tribunal do Júri, o réu e sua namorada, ouvida na condição de informante, afirmaram que Henrique iniciou agressões contra Fernando e que este agiu em legítima defesa. Por sua vez, a namorada da vítima e uma testemunha presencial asseguraram que não houve qualquer agressão pretérita por parte de Henrique.

No momento do julgamento, os jurados reconheceram a autoria e materialidade, mas optaram por absolver Fernando da imputação delitiva. Inconformado, o Ministério Público apresentou recurso de apelação com fundamento no Art. 593, inciso III, alínea ‘d’, do CPP, alegando que a decisão foi manifestamente contrária à prova dos autos. A família de Fernando fica preocupada com o recurso, em especial porque afirma que todos tinham conhecimento que dois dos jurados que atuaram no julgamento eram irmãos, mas em momento algum isso foi questionado pelas partes, alegado no recurso ou avaliado pelo Juiz Presidente.

Considerando a situação narrada, esclareça, na condição de advogado(a) de Fernando, os seguintes questionamentos da família do réu:

A) A decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos? Justifique. (Valor: 0,60)

B) Poderá o Tribunal, no recurso do Ministério Público, anular o julgamento com fundamento em nulidade na formação do Conselho de Sentença? Justifique. (Valor: 0,65)

COMENTÁRIOS:

a) Não, a decisão dos jurados não foi manifestamente contrária à prova dos autos, pois fundamentada em provas constantes nos autos, qual sejam, as alegações do acusado e de sua namorada. Assim, não é possível afirmar que a decisão é contrária à prova dos autos.

b) Não, pois esta nulidade não foi alegada pelo MP em sua apelação. O Tribunal, ao julgar recurso da acusação, deve se ater às teses sustentadas no recurso, não podendo reconhecer nulidade não arguida pela acusação (súmula 160 do STF). Além disso, no rito do Tribunal do Júri, o efeito devolutivo das apelações fica adstrito aos fundamentos de sua interposição (súmula 713 do STF). Como o MP fundamentou sua apelação apenas na suposta contrariedade da decisão à prova dos autos (art. 593, III, d do CPP), não alegando nulidade posterior à denúncia (art. 593, III, a do CPP), o Tribunal ad quem não poderia reconhecer a nulidade.

QUESTÃO 04

John, primário e de bons antecedentes, foi denunciado pela prática do crime de tráfico de drogas. Após a instrução, inclusive com realização do interrogatório, ocasião em que o acusado confessou os fatos, John foi condenado, na forma do Art. 33, § 4o, da Lei no 11.343/06, à pena de 1 ano e 08 meses de reclusão, a ser cumprido em regime inicial aberto. O advogado de John interpôs o recurso cabível da sentença condenatória. Em julgamento pela Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, a sentença foi integralmente mantida por maioria de votos. O Desembargador revisor, por sua vez, votou no sentido de manter a pena de 01 ano e 08 meses de reclusão, assim como o regime, mas foi favorável à substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, no que restou vencido. O advogado de John é intimado do acórdão.

Considerando a situação narrada, responda aos itens a seguir.

A) Qual medida processual, diferente de habeas corpus, deverá ser formulada pelo advogado de John para combater a decisão da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça? (Valor: 0,65)

B) Qual fundamento de direito material deverá ser apresentado para fazer prevalecer o voto vencido? (Valor: 0,60)

COMENTÁRIOS:

a) A defesa deverá interpor embargos infringentes contra a parte da decisão relativa à substituição da pena, nos termos do art. 609, § único do CPP, por se tratar de decisão não unânime desfavorável ao acusado.

b) A defesa deverá sustentar a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, tendo em conta o fato de que restou provado que o acusado é primário e de bons antecedentes, inclusive tendo sido aplicado o privilégio (na verdade, causa de diminuição de pena) do §4º do art. 33 do Lei 11.343/06. Não há mais, atualmente, vedação à substituição da pena por restritivas de direitos em relação ao delito de tráfico privilegiado. A previsão teve sua eficácia suspensa por Resolução do Senado Federal, após a declaração de sua inconstitucionalidade pelo STF.

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Bons estudos!

Prof. Renan Araujo

[email protected]

PERISCOPE: @profrenanaraujo

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