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SEFAZ-PE – Comentários às questões de Direito Penal (RECURSO de última hora!)

Olá, pessoal

Estou aqui agora para atualizar o artigo sobre as questões cobradas pela FCC na última prova para a SEFAZ-PE.

Anteriormente eu havia dito não haver possibilidade de recurso. Contudo, encontrei um julgado RECENTÍSSIMO do STF (publicado em 30.09.14) no qual a Corte entende que o “peculato de uso” se enquadraria no conceito de “desvio” exigido pelo tipo penal do art. 312. Assim, embora a questão peça resposta “de acordo com a Doutrina”, não custa nada tentar o recurso!

Seguem abaixo os comentários sobre as questões da prova.

(FCC – 2014 – SEFAZ/PE – Auditor)

Radegunda, auditora fiscal, utilizou um automóvel que lhe estava confiado pela Administração pública para levar sua filha para a escola e, na volta, para fazer compras domésticas no supermercado, restituindo em seguida o carro intacto e com o tanque de combustível completo. Na mais precisa terminologia técnica, com a posição doutrinária dominante é correto afirmar que houve

(A) furto de uso impunível enquanto tal.

(B) peculato-furto em tese penalmente punível.

(C) apropriação indébita impunível enquanto tal.

(D) furto em tese penalmente punível.

(E) peculato de uso penalmente impunível enquanto tal.

COMENTÁRIOS: O CP não dispõe expressamente a respeito do chamado “peculato de uso”. O CP prevê, apenas, as modalidades “peculato-desvio”, “peculato-apropriação” e “peculato-furto” (além dos peculatos “mediante erro de outrem” e “peculato culposo”). O “peculato de uso” é uma criação doutrinária cuja finalidade é afastar a tipificação da conduta daquele que apenas utiliza o bem público em proveito próprio (sem o intuito de desviá-lo para seu patrimônio).

O STF, seguindo uma linha doutrinária, já havia se manifestado sobre essa hipótese específica e entendeu que, neste caso, restaria configurado o “peculato de uso”, que à semelhança do “furto de uso”, não geraria reflexos penais, eis que é indispensável, para a caracterização do peculato, o elemento subjetivo consistente na intenção de agregar o bem, valor ou dinheiro ao patrimônio do agente ou de terceiro.

Vejamos:

(…) É indispensável a existência do elemento subjetivo do tipo para a caracterização do delito de peculato-uso, consistente na vontade de se apropriar DEFINITIVAMENTE do bem sob sua guarda.

(…) (STF. 1ª Turma. HC 108433 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/06/2013)

Entretanto, em julgado RECENTÍSSIMO, o STF se valeu de parcela da Doutrina que entende que o termo “desviar”, um dos núcleos do tipo de peculato, significa “desviar a finalidade”, ou seja, dar ao bem, valor ou coisa finalidade DIVERSA daquela que deveria ser dada.

Vejamos:

(…) O peculato desvio caracteriza-se na hipótese em que terceiro recebe armas emprestadas pelo juiz, depositário fiel dos instrumentos do crime, acautelados ao magistrado para fins penais, enquadrando-se no conceito de funcionário público. 2. In casu, Juiz Federal detinha em seu poder duas pistolas apreendidas no curso de processo-crime em tramitação perante a Vara da qual era titular. Ao entregar os armamentos a policial federal desviou bem de que tinha posse em razão da função em proveito deste, emprestando-lhe finalidade diversa da pretendida ao assumir a função de depositário fiel. 3. O artigo 312 do Código Penal dispõe: “Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa”. 4. É cediço que “o verbo núcleo desviar tem o significado, nesse dispositivo legal, de alterar o destino natural do objeto material ou dar-lhe outro encaminhamento, ou, em outros termos no peculato-desvio o funcionário público dá ao objeto material aplicação diversa da que lhe foi determinada, em benefício próprio ou de outrem. Nessa figura não há o propósito de apropriar-se, que é identificado como animus rem sibi habendi, podendo ser caracterizado o desvio proibido pelo tipo, com simples uso irregular da coisa pública, objeto material do peculato.” (BITTENCOURT, Cezar. Tratado de direito penal. v. 5. Saraiva, São Paulo: 2013, 7ª Ed. p. 47). 3. É possível a atribuição do conceito de funcionário público contida no artigo 327 do Código Penal a Juiz Federal. É que a função jurisdicional é função pública, pois consiste atividade privativa do Estado-Juiz, sistematizada pela Constituição e normas processuais respectivas. Consequentemente, aquele que atua na prestação jurisdicional ou a pretexto de exercê-la é funcionário público para fins penais. Precedente: (RHC 110.432, Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18/12/2012). 4. A via estreita do Habeas Corpus não se preza à discussão acerca da valoração da prova produzida em ação penal. É que, nos termos da Constituição esta ação se destina a afastar restrição à liberdade de locomoção por ilegalidade ou por abuso de poder. 5. Recurso desprovido.

(RHC 103559, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 19/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-190 DIVULG 29-09-2014 PUBLIC 30-09-2014)

Tudo bem que a questão pede que se responda “conforme a Doutrina dominante” (que de fato entende que o peculato “de uso” não se enquadraria no conceito de “desvio”, já que entende que o “desvio”, neste caso, pressupõe o animus rem sibi habendi), mas é inegável a relevância do entendimento do STF sobre a questão, inclusive por citar a Doutrina do prof. Cézar Roberto Bitencourt.

Portanto, a ALTERNATIVA CORRETA É A LETRA E, mas CABERIA RECURSO!!

(FCC – 2014 – SEFAZ/PE – Auditor)

Chilperico, auditor fiscal, exigiu para si dez mil reais de propina de uma contribuinte para não implicá-la em dada responsabilização tributária, usando aquele o dinheiro para uma viagem turística à Disneylândia. Acabou condenado à pena de 2 anos de reclusão e pagamento de 10 dias-multa pelo crime de concussão (Código Penal, art. 316, caput, pena mínima). Enquanto isso, seu irmão gêmeo Clotário, também auditor fiscal, exigiu indevidamente um pagamento de mil reais de ICMS de outro contribuinte, acabando Clotário condenado por excesso de exação e suportando a pena final de 3 anos de reclusão e pagamento de 10 dias-multa (Código Penal, art. 316, parágrafo 1o, pena mínima). Aregunda, mãe dos gêmeos, ficou perplexa. Fosse ela uma jurista, e apenas com esses dados, em princípio, sua irresignação teria fundamento teórico mais preciso em um importante postulado que estrutura toda a legislação das penas no direito brasileiro, qual seja a ideia de

(A) legalidade.

(B) proporcionalidade.

(C) individualização.

(D) pessoalidade.

(E) dignidade humana.

COMENTÁRIOS: O fundamento da questão reside na aparente ausência de proporcionalidade nas condenações. Na verdade, a ausência de proporcionalidade residiria na própria cominação das penas em abstrato, vejamos:

Concussão

Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.

Excesso de exação

Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)

Percebe-se, assim, que para uma conduta mais grave (exigir PROPINA), a Lei prescreve pena MÍNIMA mais branda. A conduta menos grave (cobrar tributo sabidamente excessivo, sem desviá-lo em proveito próprio) possui previsão de pena mínima mais elevada.

A irresignação, contudo, não pode se voltar contra a sentença, pois em ambas fora fixada pena mínima.

De toda sorte, a alternativa que melhor responde a questão é a letra B, ou seja, violação ao princípio da proporcionalidade.

Portanto, a ALTERNATIVA CORRETA É A LETRA B.

(FCC – 2014 – SEFAZ/PE – Auditor)

Na lei penal brasileira, NÃO é causa extintiva da punibilidade

(A) a retratação cabal do querelado, antes da sentença, na calúnia e na difamação.

(B) o perdão judicial, no peculato mediante erro de outrem.

(C) a reparação integral do dano, no peculato culposo, quando precedente à sentença irrecorrível.

(D) a retratação ou declaração da verdade, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, no falso testemunho ou falsa perícia.

(E) a declaração, confissão e o pagamento espontâneos das contribuições, valores, importâncias e informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal, na apropriação indébita previdenciária.

COMENTÁRIOS: A resposta da questão é letra B. Não há, na Lei Penal, qualquer previsão de extinção da punibilidade pelo perdão judicial em relação ao crime de peculato mediante erro de outrem.

Por outro lado, a previsão de extinção da punibilidade específica em relação aos crimes contra a honra, pela retratação do agente, possui fundamento nos arts. 107, VI c/c 143 do CP.

A reparação integral do dano, no peculato culposo, também gera extinção da punibilidade, desde que seja anterior à sentença irrecorrível, nos termos do art. 312, §3º do CP.

Da mesma forma, o art. 342, §2° do CP prevê que, em relação ao delito de falso testemunho ou falsa perícia, caso o agente se retrate ou declare a verdade antes da sentença, no próprio processo em que ocorreu o crime, o fato deixa de ser punível (extinção da punibilidade).

Por fim, no crime de apropriação indébita previdenciária, a declaração, confissão e o pagamento espontâneos das contribuições, valores, importâncias e informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal, gera a extinção da punibilidade, conforme consta no art. 168-A, §2° do CP.

Portanto, a ALTERNATIVA CORRETA É A LETRA B.

Bons estudos!

Prof. Renan Araujo

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