O crime de furto foi alvo de diversas alterações legislativas e entendimentos jurisprudenciais nos últimos anos.
Este artigo tem por objetivo apontar os entendimentos jurisprudenciais essenciais à sua aprovação.
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Vamos lá.
O crime de furto encontra-se previsto no art.155 do Código Penal, in verbis:
Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Nota-se que o tipo penal é composto pelos seguintes elementos: o núcleo subtrair; o especial fim de agir caracterizado pela expressão para si ou para outrem; e objeto da subtração consistir em coisa alheia móvel.
Dessa forma, percebe-se a necessidade do chamado animus furandi, ou seja, a intenção de ter a coisa alheia móvel para si ou para outrem
Se o agente subtrair a coisa, com o objetivo de devolver a coisa alheia móvel logo em seguida, haverá um indiferente penal, consistindo no furto de uso.
Ademais, ressalta-se a necessidade de o objeto consistir em coisa alheia. Nas lições do brilhante doutrinador Rogério Greco(GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 16 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014):
Além de móvel, ou seja, passível de remoção, a coisa, obrigatoriamente, deverá ser considerada alheia, isto é, pertencente a alguém que não aquele que a subtrai. Dessa forma, não se configurará no delito de furto a subtração de: a) res nullius (coisa de ninguém, que jamais teve dono); b) res derelicta (coisa abandonada); e c) res commune omnium (coisa de uso de todos).
No mesmo sentido, entendem os Tribunais:
O réu supôs tratar-se de coisa abandonada pelo proprietário, por ter perdido a utilidade, e tal circunstância afasta a caracterização do delito de furto, já que a expressão coisa alheia inserida no tipo penal não abrange a res derelictae (TJMG, AC 2.0000.00. 354808-3/000, Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho, DJ 17/8/2002).
Encerrando-se os aspectos introdutórios, mister salientar que os Tribunais Superiores, com esteio na teoria da amotio ou apprehensio, posicionam-se no sentido de que o crime de furto se consuma no momento em que a coisa é retirada da esfera de disponibilidade da vítima, ingressando, consequentemente, na do agente, ainda que não tenha ele a posse mansa e pacífica sobre a coisa. Veja-se:
O Superior Tribunal de Justiça adota a teoria da apprehensio rei ou amotio, segundo a qual a consumação do crime de furto dá-se com a simples inversão do título da posse, não sendo, pois, necessário que a coisa saia da esfera de vigilância da vítima, ocorrendo a consumação do delito ainda que haja a retomada da res furtiva, logo em seguida, pela própria vítima ou por terceiro (STJ, AgRg. no AREsp. 296525/DF, Relª Minª Assusete Magalhães, 6ª T., DJe 7/8/2013).
O parágrafo primeiro do artigo 155 elenca uma causa de aumento de pena(majorante) de 1/3(um terço), nos casos em que o crime é praticado durante o repouso noturno.
Em relação ao ponto, destaca-se que o STJ consolidou o entendimento de que para a configuração da majorante basta que o furto ocorra à noite e em situação de repouso, sendo irrelevante, por exemplo, o fato de a vítima estar dormindo ou de o furto ocorrer em via pública. Nesse sentido:
(…)O repouso noturno compreende o período em que a população se recolhe para descansar, devendo o julgador atentar-se às características do caso concreto. 3. A situação de repouso está configurada quando presente a condição de sossego/tranquilidade do período da noite, caso em que, em razão da diminuição ou precariedade de vigilância dos bens, ou, ainda, da menor capacidade de resistência da vítima, facilita-se a concretização do crime. 4. São irrelevantes os fatos das vítimas estarem, ou não, dormindo no momento do crime, ou o local de sua ocorrência, em estabelecimento comercial, via pública, residência desabitada ou em veículos, bastando que o furto ocorra, obrigatoriamente, à noite e em situação de repouso.
(REsp n. 1.979.989/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 22/6/2022, REP DJe de 30/06/2022, DJe de 27/6/2022.)
O art. 155, §§ 4º, 4º-A, 5º, 6º e 7º estabelece hipóteses de furto qualificado, visto que tais parágrafos elevam os patamares mínimo e máximo das sanções penais.
Inicialmente, de suma importância destacar que o STJ admite a figura do furto qualificado-privilegiado.
Assim, se o criminoso for primário e de pequeno valor for a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de 1 (um) a 2/3 (dois terços), ou aplicar somente a pena de multa(art.155, § 2º, do CP), mesmo nos casos de furto qualificado.
Nesse sentido, segue a Súmula 511 do STJ:
É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva
Entretanto, ressalta-se a necessidade de a qualificadora ser de ordem objetiva.
Analisando os dispositivos, nota-se que não se aplica o privilégio, por exemplo, nos casos de furto cometido mediante abuso de confiança(art.155, § 4º, II), visto se tratar de qualificadora de ordem subjetiva.
Eis o questionamento mais relevante da atualidade: é possível a ocorrência do furto qualificado-majorado?
Nota-se que o questionamento envolve a possível aplicação do §1 º juntamente com os §§ 4º, 4º-A, 5º, 6º e 7º, todos do art.155.
O STJ, historicamente, posicionava-se pela não incidência da majorante do repouso noturno nos casos de crime qualificado. Veja-se:
Incide a majorante prevista no art. 155, § 1º, do Código Penal se o delito é praticado durante o repouso noturno, período de maior vulnerabilidade inclusive para estabelecimentos comerciais, como ocorreu in casu (Precedentes). Entretanto, a causa especial de aumento de pena do repouso noturno é aplicável somente às hipóteses de furto simples, sendo incabível no caso do delito qualificado .
(REsp. 940245/RS, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJe 10/3/2008).
No mesmo sentido, segue precedente da 6 ª Turma:
O aumento de pena por ter sido o delito de furto praticado durante o período noturno não incide nos crimes qualificados. Nestes, as penas previstas já são superiores.
(STJ, HC 131391/MA; Habeas Corpus 2009/0047545-5; Rel. Min. Celso Limongi [Des. convocado do TJ/SP], 6ª T., DJe 6/9/2010).
Com o escopo de pacificar qualquer controvérsia, no ano de 2022, mediante a técnica de Recurso Repetitivo – Tema 1087, foi consolidado:
A causa de aumento prevista no § 1° do art. 155 do Código Penal (prática do crime de furto no período noturno) não incide no crime de furto na sua forma qualificada (§ 4°).
STJ. 3ª Seção. REsp 1.890.981-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 25/05/2022 (Recurso Repetitivo – Tema 1087) (Info 738).
Destaca-se que o STJ trouxe como principais fundamentos a posição topográfica dos institutos e o princípio da proporcionalidade.
Em relação ao primeiro fundamento, segundo o STJ, para que a causa de aumento do furto noturno fosse aplicável ao furto qualificado, o legislador deveria ter colocado a regra do § 1º depois das hipóteses de furto qualificado. No entanto, não foi isso que aconteceu.
Ademais, o princípio da proporcionalidade, na sua vertente de proibição do excesso, busca evitar o excesso de punição. Dessa forma, a agravação da pena derivada da incidência da majorante do furto noturno nas hipóteses do furto qualificado resultaria em um desproporcional punição.
Segundo o relator, o ministro João Otávio de Noronha, considerando a pena máxima para a forma qualificada (oito anos), a aplicação da majorante do período noturno levaria a dez anos e oito meses – sanção maior que a do crime de roubo, no qual não se protege apenas o patrimônio, mas também a integridade corporal da vítima.
Apesar de o tema encontrar-se pacificado no âmbito do STJ, o Supremo Tribunal Federal possui julgados isolados em sentido contrário. Veja-se:
A causa de aumento do repouso noturno se coaduna com o furto qualificado quando compatível com a situação fática. STF. 1ª Turma. HC 180966 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 04/05/2020.
No mesmo sentido, segue posicionamento da 2 turma:
Não convence a tese de que a majorante do repouso noturno seria incompatível com a forma qualificada do furto, a considerar, para tanto, que sua inserção pelo legislador antes das qualificadoras (critério topográfico) teria sido feita com intenção de não submetê-la às modalidades qualificadas do tipo penal incriminador. Se assim fosse, também estaria obstado, pela concepção topográfica do Código Penal, o reconhecimento do instituto do privilégio (CP, art. 155, § 2º) no furto qualificado (CP, art. 155, § 4º) -, como se sabe, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a compatibilidade desses dois institutos. Inexistindo vedação legal e contradição lógica, nada obsta a convivência harmônica entre a causa de aumento de pena do repouso noturno (CP, art. 155, § 1º) e as qualificadoras do furto (CP, art. 155, § 4º) quando perfeitamente compatíveis com a situação fática. STF. 2ª Turma. HC 130952, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/12/2016.
Chegamos ao fim do nosso resumo sobre os entendimentos jurisprudenciais mais relevantes do delito de furto
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