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Informativo STJ 802 Comentado

Continuamos em nossa caminhada… Informativos nº 802 do STJ COMENTADO entra na parada. Simbora!

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DIREITO ADMINISTRATIVO

1.     Continuidade típico-normativa da LIA

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

Não obstante a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios administrativos no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, a nova previsão específica em seus incisos, de violação aos princípios da moralidade e da impessoalidade, evidencia verdadeira continuidade típico-normativa da conduta.

AgInt no AREsp 1.206.630-SP, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 27/2/2024, DJe 1º/3/2024. (Info STJ 802)

1.1.  Situação FÁTICA.

O MP ajuizou ação civil pública em face de Tadeu, em razão da realização de propagandas em obras, comemorações e fotos para promoção pessoal, enquanto prefeito do Município de Inocêncio.

Em sua defesa, o ex-prefeito sustenta a impossibilidade de responsabilização por violação genérica aos princípios administrativos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa.

1.2.  Análise ESTRATÉGICA.

1.2.1.    Questão JURÍDICA.

LIA:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:

XII – praticar, no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos.

1.2.2.    Possível a condenação?

R: Yeap!!!!

Haverá abolição da figura típica da Lei de Improbidade Administrativa quando a conduta anteriormente tipificada sob a antiga redação do art. 11 da LIA se tornar irrelevante para os fins da referida Lei e não quando tenha sido disciplinada por dispositivo legal diverso, ou seja, os novéis incisos do art. 11 da Lei n. 8.429/1992.

No caso, a instância originária reconheceu que o réu, “de maneira dissimulada, tentava eternizar seu mandato fazendo promoção pessoal para o presente e futuro, na medida em que remete a população local à realização de obras, campanhas de órgãos públicos etc, pela pessoa física do Prefeito e não pela Prefeitura Municipal, numa verdadeira confusão intencional”.

Tal conduta está agora explicitamente prevista como ímproba no inciso XII do art. 11 da LIA, segundo o qual haverá improbidade administrativa quando houver a prática “no âmbito da administração pública e com recursos do erário, ato de publicidade que contrarie o disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, de forma a promover inequívoco enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos“.

Além disso, não é demais relembrar os termos do § 1º do art. 37 da Constituição Federal: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.”

Dessa forma, não obstante a abolição da genérica hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios administrativos anteriormente prevista no caput do art. 11 da Lei n. 8.249/1992, a novel previsão, entre os seus incisos, da conduta considerada no acórdão como violadora dos princípios da moralidade e da impessoalidade evidencia verdadeira continuidade típico-normativa.

1.2.3.    Resultado final.

Não obstante a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios administrativos no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, a nova previsão específica em seus incisos, de violação aos princípios da moralidade e da impessoalidade, evidencia verdadeira continuidade típico-normativa da conduta.

2.     Responsabilidade de pagamento do laudêmio no caso de arrematação em hasta pública

EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL

Nos casos de arrematação de imóvel em hasta pública a obrigação pelo recolhimento do laudêmio é de responsabilidade do arrematante, quando previsto no Edital do leilão e na Carta de Arrematação. Nessa hipótese, o arrematante possui, também, legitimidade ativa para pleitear a sua repetição do indébito.

EDcl no REsp 1.781.946-SE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 27/2/2024. (Info STJ 802)

2.1.  Situação FÁTICA.

Creiton ajuizou de Ação de Repetição de Indébito contra a União, pretendendo declarar indevido o pagamento a maior realizado a título de laudêmio (5% sobre o valor do domínio pleno do imóvel). Sustenta que a base de cálculo deveria ser o valor pelo qual o imóvel foi arrematado.

O imóvel foi arrematado em hasta pública na qual o edital previa expressamente a responsabilidade do arrematante pelo pagamento do laudêmio. O pagamento da dívida foi efetivado em nome do Hotel Parque dos Coqueiros, antigo possuidor do domínio útil do imóvel e sujeito passivo da execução fiscal, razão pela qual a União alega a ilegitimidade de Creiton para pleitear a repetição do indébito.

2.2.  Análise ESTRATÉGICA.

2.2.1.    Questão JURÍDICA.

Decreto n. 95.760/1998:

Art. 2° O alienante, foreiro ou ocupante, regularmente inscrito efetuará a transferência, sem a prévia autorização do Serviço do Patrimônio da União – SPU, desde que cumpridas as seguintes formalidades:

 I – recolhimento do laudêmio ao Tesouro Nacional, por meio da rede bancária, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF);

II – apresentação, ao Cartório de Notas, dos seguintes documentos, em nome do alienante:

a) comprovante do pagamento do laudêmio; e

b) no caso de aforamento, o respectivo contrato, com as eventuais averbações ou termo de transferência, se houver; ou, no caso de ocupação, a certidão de inscrição.

§ 1° Da escritura pública, deverá constar referência aos documentos apresentados, especificando-se, quanto ao DARF, o valor pago, a data do recolhimento, o banco e a agência arrecadadora.

§ 2º No caso de transferência de aforamento, o interessado deverá apresentar ao Registro de Imóveis, junto com o traslado da escritura, cópia autenticada, pelo Cartório de Notas, dos documentos mencionados no item II deste artigo, bem assim dos comprovantes de pagamento dos foros referentes aos três últimos anos.

2.2.2.    Parte legítima?

R: Com certeza!!!!

O sujeito passivo da obrigação de pagar o laudêmio, como regra, é do alienante, nos termos do art. 2º, do Decreto n. 95.760/1998, que regulamenta o art. 3º, do Decreto-lei n. 2.398/1987.

Sobre a matéria, o STJ possui entendimento de que a existência de acordo firmado entre as partes, atribuindo responsabilidade ao adquirente pelo pagamento do laudêmio, não tem o condão de conferir legitimidade ativa a ele (adquirente) para discutir em juízo o valor do crédito cobrado pela União em nome do alienante do domínio útil do imóvel, quando a própria lei lhe atribui a responsabilidade pelo seu pagamento. Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 1.835.434/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 18/2/2022.

O caso em espécie, contudo, possui uma peculiaridade: cuida-se de arrematação de imóvel em hasta pública. Assim, embora a aquisição do imóvel seja onerosa, trata de aquisição de propriedade de forma originária, de modo que não há a possibilidade de existir acordo entre as partes. No caso em questão, a obrigação de pagar o laudêmio do imóvel arrematado em hasta pública foi do arrematante, uma vez que prevista em Edital e na Carta de Arrematação, conforme consta no acórdão de origem.

Dessa forma, nos casos de arrematação de imóvel em hasta pública a obrigação pelo recolhimento do laudêmio é de responsabilidade do arrematante, quando previsto no Edital do leilão e na Carta de Arrematação. Nessa hipótese, o arrematante possui, também, legitimidade ativa para pleitear a sua repetição do indébito.

2.2.3.    Resultado final.

Nos casos de arrematação de imóvel em hasta pública a obrigação pelo recolhimento do laudêmio é de responsabilidade do arrematante, quando previsto no Edital do leilão e na Carta de Arrematação. Nessa hipótese, o arrematante possui, também, legitimidade ativa para pleitear a sua repetição do indébito.

DIREITO CIVIL

3.     (I)Legitimidade do cedente para executar diferenças decorrentes da mora quando da cessão do crédito

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL

A cessão de crédito, desde logo noticiada em transação firmada entre credor e devedor, afasta a legitimidade do cedente para executar diferenças decorrentes da mora no cumprimento do pacto celebrado.

AgInt no REsp 1.267.649-RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 27/2/2024. (Info STJ 802)

3.1.  Situação FÁTICA.

Creosvaldo cedeu um crédito para Crementino. Ocorre que o valor não foi pago conforme o combinado — Tadeu, o devedor insistia em não pagar. Creosvaldo quis executar as diferenças da mora do cumprimento do pacto. Por sua vez, Tadeu sustenta a ilegitimidade do cedente para tanto. Na sua alegação, uma vez que o crédito é cedido, apenas o cessionário (Crementino) pode exigir valores relativos à mora.

3.2.  Análise ESTRATÉGICA.

3.2.1.    Cedente tem legitimidade?

R: Nooopsss!!!!

A controvérsia cinge-se sobre a existência de legitimidade ou não do cedente para propor, em nome próprio, o cumprimento de sentença relativo a diferenças decorrentes da mora no cumprimento do crédito cedido.

O Tribunal de origem, compreendeu que, apesar de a cessão vir registrada no acordo promovido com o devedor, homologado em juízo, a legitimidade das partes não se alteraria pela alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, e que o art. 42 do CPC/1973 permitiria que a autora cedente, na condição de substituta processual, perseguisse o crédito gerado pelo atraso no adimplemento da obrigação.

O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, ao apreciar o REsp 1.091.443/SP, julgado na forma do art. 543-C do CPC/73 (Recurso Especial Repetitivo), esclareceu que “Em havendo regra específica aplicável ao processo de execução (art. 567, II, do CPC), que prevê expressamente a possibilidade de prosseguimento da execução pelo cessionário, não há falar em incidência, na execução, de regra que se aplica somente ao processo de conhecimento no sentido da necessidade de anuência do adversário para o ingresso do cessionário no processo (arts. 41 e 42 do CPC)” (relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, julgado em 2/5/2012, DJe de 29/5/2012), não havendo, portanto, como reconhecer a legitimidade do cedente originário para propor a execução do título judicial formado em âmbito de transação judicialmente homologada.

Dessa forma, existindo regra específica que traz a possibilidade de prosseguimento da execução pelo cessionário, cabe a ele a legitimidade para pleitear valores supervenientes, decorrentes do inadimplemento do devedor em relação ao objeto da transação homologada judicialmente, para pôr fim à ação ordinária, devendo, assim, ser afastada a aplicação do art. 42 do CPC/73.

3.2.2.    Resultado final.

A cessão de crédito, desde logo noticiada em transação firmada entre credor e devedor, afasta a legitimidade do cedente para executar diferenças decorrentes da mora no cumprimento do pacto celebrado.

4.     (Im)Possibilidade de afastamento da prisão civil quando o recebimento dos alimentos não for urgente.

PROCESSO EM SEGREDO DE JUSTIÇA

A prisão civil do devedor de alimentos pode ser afastada quando particularidades do caso concreto permitem aferir a ausência de urgência no recebimento dos alimentos executados.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024, DJe 23/2/2024. (Info STJ 802)

4.1.  Situação FÁTICA.

Patrícia, advogada de 26 anos, é filha de pais separados. Sempre recebeu um valor razoável de pensão alimentícia de seu pai, embora não dependesse desse valor em razão de sua atividade laboral e do segundo casamento de sua mãe com um abonado empresário.

Ainda assim, após alguns meses sem receber o valor dos alimentos, ajuizou ação na qual requereu a prisão civil do devedor. Ao julgar o caso, o tribunal local entendeu que a prisão poderia ser afastada em razão da ausência de urgência no recebimento dos alimentos executados.

Processo sob segredo de justiça. Caso imaginado.

4.2.  Análise ESTRATÉGICA.

4.2.1.    Questão JURÍDICA.

Súmula n. 358 do STJ: O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.

4.2.2.    Possível o afastamento da prisão civil?

R: Presentes particularidades no caso, SIM!!!!

Na linha da jurisprudência do STJ, em regra, a maioridade civil e a capacidade de promoção ao próprio sustento, por si só, não são capazes de desconstituir a obrigação alimentar, devendo haver prova pré-constituída da ausência de necessidade dos alimentos. A teor da Súmula n. 358 do STJ (O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos).

Contudo, o caso possui particularidades que permitem aferir a ausência de urgência no recebimento dos alimentos executados pelo rito da prisão civil: (i) a credora é maior de idade (26 anos), com formação superior (Direito) e pós-graduanda em Direito em Processo do Trabalho, inscrita no respectivo conselho de classe e é associada a um escritório de advocacia e atua em diversas causas; (ii) o risco alimentar e a própria sobrevivência da credora, não se mostram iminentes e insuperáveis, podendo ela, por si só, como vem fazendo, afastar a hipótese pelo próprio esforço.

A medida coativa extrema se revela desnecessária e ineficaz. Diferentemente do que ocorre com os menores de idade e incapazes, na qual há presunção absoluta de que não podem se autossustentar, a credora, se não tiver nenhum problema que a incapacite, tem plenas e totais condições de se manter pelo próprio esforço, de modo que não parece razoável manter a prisão do paciente se não há risco alimentar.

O executado, que não cumpriu com a sua obrigação legal e moral (devedor confesso) para com a filha durante anos, ao que tudo indica, vai sofrer os efeitos da execução pela via da expropriação.

A Terceira Turma do STJ já decidiu, em caso semelhante, que “o fato de a credora ter atingido a maioridade e exercer atividade profissional, bem como fato de o devedor ser idoso e possuir problemas de saúde incompatíveis com o recolhimento em estabelecimento carcerário, recomenda que o restante da dívida seja executada sem a possibilidade de uso da prisão civil como técnica coercitiva, em virtude da indispensável ponderação entre a efetividade da tutela e a menor onerosidade da execução, somada à dignidade da pessoa humana sob a ótica da credora e também do devedor” (RHC n. 91.642-MG, DJe de 9/3/2018).

4.2.3.    Resultado final.

A prisão civil do devedor de alimentos pode ser afastada quando particularidades do caso concreto permitem aferir a ausência de urgência no recebimento dos alimentos executados.

5.     Obrigatoriedade da cobertura de equoterapia e musicoterapia para segurados com transtorno autista.

PROCESSO EM SEGREDO DE JUSTIÇA

A equoterapia e a musicoterapia são de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde para os beneficiários com transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles o transtorno do espectro autista.

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024. (Info STJ 802)

5.1.  Situação FÁTICA.

Creide teve seu filho diagnosticado com transtorno de espectro autista. O médico responsável indicou os tratamentos de equoterapia e a musicoterapia que, embora não irão curar a criança, ajudariam na interação e desenvolvimento do menor.

Porém, o plano de saúde de Creide negou a cobertura e sustenta que tais tratamentos não seriam de cobertura obrigatória.

5.2.  Análise ESTRATÉGICA.

5.2.1.    O plano de saúde que lute?

R: É por aí…

Cinge-se a controvérsia em verificar o dever de cobertura, pela operadora do plano de saúde, de sessões de psicopedagogia, equoterapia e musicoterapia prescritos pelo médico assistente para o tratamento de menor com transtorno do espectro autista, além da configuração do dano moral.

Embora fixando a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde – ANS, a Segunda Seção do STJ negou provimento a recurso de operadora do plano de saúde, para manter acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de sessões de terapias especializadas prescritas para o Tratamento de Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Especificamente quanto à psicopedagogia, a despeito da ausência de regulamentação legal, a atuação do psicopedagogo é reconhecida como ocupação pelo Ministério do Trabalho, sob o código n. 2394-25 da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO (família dos programadores, avaliadores e orientadores de ensino) e é também considerada especialidade da psicologia (Resolução n. 14/2000 do Conselho Federal de Psicologia).

A psicopedagogia há de ser considerada como contemplada nas sessões de psicologia, as quais, de acordo com a ANS, são de cobertura obrigatória e ilimitada pelas operadoras de planos de saúde, especialmente no tratamento multidisciplinar do beneficiário com transtorno do espectro autista, obrigação essa, todavia, que, salvo previsão contratual expressa, não se estende ao acompanhamento em ambiente escolar e/ou domiciliar ou realizado por profissional do ensino.

A Terceira Turma consolidou o entendimento de que, sendo a equoterapia e a musicoterapia métodos eficientes de reabilitação da pessoa com deficiência, hão de ser tidas como de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde para os beneficiários com transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles o transtorno do espectro autista.

5.2.2.    Resultado final.

A equoterapia e a musicoterapia são de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde para os beneficiários com transtornos globais do desenvolvimento, dentre eles o transtorno do espectro autista.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

6.     Competência para julgamento do cumprimento de sentença promovido pelo INSS relativo ao ressarcimento de honorários periciais antecipados no bojo de ação acidentária

CONFLITO DE COMPETÊNCIA.

Compete ao Juízo Estadual o processamento e julgamento do cumprimento de sentença promovido pelo INSS relativo ao ressarcimento de honorários periciais antecipados no bojo de ação acidentária.

CC 191.185-MS, Rel. Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 28/2/2024, DJe 4/3/2024. (Info STJ 802)

6.1.  Situação FÁTICA.

Crementina ajuizou ação acidentária na justiça estadual. Foi determinada a realização de perícia, cujos valores foram antecipados pelo INSS. A perícia teve conclusão desfavorável à Crementina. O INSS então requereu o ressarcimento dos valores adiantados a título de honorários.

Quando do cumprimento de sentença, o juízo Estadual declinou da competência, por entender que o credor INSS seria uma autarquia federal, o que atrairia a competência da justiça federal. Por sua vez, o juízo federal suscitou conflito de competência por entender que nas demandas em que o INSS é parte, o julgamento não se esgota na fase cognitiva do processo, devendo estender-se, também, para a fase de cumprimento de sentença.

6.2.  Análise ESTRATÉGICA.

6.2.1.    Questão JURÍDICA.

Código de Processo Civil:

Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.

Art. 516. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante:

I – os tribunais, nas causas de sua competência originária;

II – o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição;

III – o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o exequente poderá optar pelo juízo do atual domicílio do executado, pelo juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou pelo juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem.

6.2.2.    A quem compete?

R: Justiça ESTADUAL!!!!

Inicialmente, cumpre trazer à baila o disposto no Código de Processo Civil acerca da competência para o processamento do cumprimento de sentença, o qual dispõe, em seu art. 516 e incisos, que: “O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: I – os tribunais, nas causas de sua competência originária; II – o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição; III – o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo”.

Referida norma consagra a regra geral de competência para os títulos judiciais e decorre do sincretismo processual, a partir do qual o reconhecimento do direito e a sua efetivação ocorrem no mesmo processo, diferindo-se apenas por fases.

A norma ainda traduz princípio consagrado na parte geral do Código, segundo o qual a competência é determinada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta (art. 43 do CPC).

Assim, em regra, o juízo que formou o título executivo é o competente para executá-lo, estando as exceções previstas no próprio artigo de lei, de modo que somente não serão executados perante o juízo que processou a ação os títulos formados a partir de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo ou, ainda, nos casos em que os bens sujeitos à constrição judicial se encontrarem em foro diverso ou se diverso for o foro atual do domicílio do executado.

E, no caso em discussão, observa-se que não se enquadra em nenhuma das situações que excepcionam a regra contida no art. 516, II, do CPC, porquanto a exequente pretende efetivar o direito à percepção dos honorários periciais antecipados na lide, em razão de o vencido ser beneficiário da justiça gratuita.

Nesse mesmo sentido, o STJ vem reconhecendo a competência do Juízo Estadual para o processamento e julgamento do Cumprimento de Sentença promovido pelo INSS, relativo ao ressarcimento de honorários periciais antecipados no bojo de ação acidentária, nos seguintes julgados: CC n. 186.830/MS, relator Ministro Herman Benjamin, DJe de 12/4/2022; CC n. 186.831/MS, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), DJe de 31/3/2022; CC n. 186.837/MS, relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 28/3/2022; CC n. 186.666/MS, relator Ministro Francisco Falcão, DJe de 18/3/2022, entre outros.

Dessa forma, deve ser declarado competente para o processamento e julgamento do feito, no caso, o Juízo Estadual, ora suscitado.

6.2.3.    Resultado final.

Compete ao Juízo Estadual o processamento e julgamento do cumprimento de sentença promovido pelo INSS relativo ao ressarcimento de honorários periciais antecipados no bojo de ação acidentária.

7.     Critério para rateio de honorários sucumbenciais quando houver mais de um escritório representando pluralidade de vencedores.

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL

Quando houver pluralidade de vencedores representados por escritórios de advocacia distintos, os honorários de sucumbência deverão ser partilhados entre eles, na proporção das respectivas pretensões.

AgInt no REsp 1.842.035-MT, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024. (Info STJ 802)

7.1.  Situação FÁTICA.

Em um determinado julgamento, foram fixados os honorários advocatícios sucumbenciais em 10% do valor da causa. Ocorre que o valor da causa era de cento e cinquenta milhões de reais e havia vencedores representados por escritórios distintos.

Apavorada, a parte sucumbente requereu a redução do percentual para 1% do valor da causa, enquanto os advogados das partes vencedoras iniciaram debate sobre a divisão dos valores. Uns defendiam a divisão em partes iguais, outros, o rateio conforme as respectivas pretensões.

7.2.  Análise ESTRATÉGICA.

7.2.1.    Reduz e partilha conforme proporção dos interesses?

R: Exatamente!!!!

Cinge-se a controvérsia em definir como deve ocorrer a fixação dos honorários advocatícios quando houver pluralidade de vencedores representados por escritórios de advocacia distintos, sob a ótica do CPC/1973.

No caso, entendeu-se que a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais em 10% sobre o elevado valor da causa de R$150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais) não foi razoável e proporcional. Daí o provimento recursal para reduzir os honorários advocatícios de 10% (dez por cento) para 1% (um por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC/1973, consoante a jurisprudência do STJ firmada sob a égide do CPC de 1973, que considerava irrisória a verba honorária quando fixada em montante inferior a 1% (um por cento) sobre o valor da causa

Assim, mesmo considerando serem os litisconsortes vencedores representados por escritórios de advocacia distintos, não se deve determinar o pagamento de 1% sobre o valor da causa em favor de cada um dos litisconsortes e de seus nobres patronos. O montante de 1% sobre o valor da causa corresponderá a, pelo menos, R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), quantia expressiva e suficiente, mesmo após ser repartida proporcionalmente entre os litisconsortes.

Cumpre registrar o entendimento do STJ de que, havendo pluralidade de vencedores, os honorários de sucumbência deverão ser partilhados entre eles, na proporção das respectivas pretensões, sob pena de se onerar demasiadamente a parte sucumbente.

7.2.2.    Resultado final.

Quando houver pluralidade de vencedores representados por escritórios de advocacia distintos, os honorários de sucumbência deverão ser partilhados entre eles, na proporção das respectivas pretensões.

8.     (Im)Possibilidade da aplicação do limite de crédito de 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos à hipótese de concurso singular de credores contra devedor solvente.

RECURSO ESPECIAL

Não é possível a aplicação do limite de crédito de 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos, previsto no art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005, à hipótese de concurso singular de credores contra devedor solvente.

REsp 1.839.608-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/2/2024, DJe 27/2/2024. (Info STJ 802)

8.1.  Situação FÁTICA.

Dr. Creisson, advogado, ajuizou ação de execução em face de Kuati Ltda por meio da qual cobra valores decorrente de honorários advocatícios. O Juízo, em razão da existência de concurso de credores, limitou o crédito exequendo em 150 salários-mínimos por entender que embora o concurso não tenha sido formado em processo de execução universal, haveria de se considerar que a devedora fechou suas portas com dívidas na praça.

Inconformado, Dr. Creisson interpôs recurso no qual sustenta a impossibilidade da aplicação de tal limite quando em concurso singular de credores contra devedor solvente.

8.2.  Análise ESTRATÉGICA.

8.2.1.    Questão JURÍDICA.

Lei n. 11.101/2005:

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação trabalhista, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho; 

CPC/2015:

Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.

Parágrafo único. Recaindo mais de uma penhora sobre o mesmo bem, cada exequente conservará o seu título de preferência.

 Art. 905. O juiz autorizará que o exequente levante, até a satisfação integral de seu crédito, o dinheiro depositado para segurar o juízo ou o produto dos bens alienados, bem como do faturamento de empresa ou de outros frutos e rendimentos de coisas ou empresas penhoradas, quando:

I – a execução for movida só a benefício do exequente singular, a quem, por força da penhora, cabe o direito de preferência sobre os bens penhorados e alienados;

II – não houver sobre os bens alienados outros privilégios ou preferências instituídos anteriormente à penhora.

Parágrafo único. Durante o plantão judiciário, veda-se a concessão de pedidos de levantamento de importância em dinheiro ou valores ou de liberação de bens apreendidos.

Art. 908. Havendo pluralidade de credores ou exequentes, o dinheiro lhes será distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas preferências.

§ 1º No caso de adjudicação ou alienação, os créditos que recaem sobre o bem, inclusive os de natureza propter rem , sub-rogam-se sobre o respectivo preço, observada a ordem de preferência.

§ 2º Não havendo título legal à preferência, o dinheiro será distribuído entre os concorrentes, observando-se a anterioridade de cada penhora.

 Art. 909. Os exequentes formularão as suas pretensões, que versarão unicamente sobre o direito de preferência e a anterioridade da penhora, e, apresentadas as razões, o juiz decidirá.

Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB:

Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

LINDB:

Art. 4o  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

8.2.2.    Possível a limitação (falência implícita)?

R: Obviamente que NÃO!!!!

A controvérsia cinge-se à aplicação do limite de crédito de 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos, previsto no art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005, à hipótese de concurso singular de credores contra devedor solvente.

No caso, o Tribunal de origem, ao conferir a preferência legal ao crédito decorrente de honorários advocatícios no concurso singular de credores, aplicou por analogia o disposto na Lei de Recuperação de Empresas e Falência, que restringe o pagamento preferencial do crédito em 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos.

Porém, a aplicação da norma restritiva estabelecida na Lei de Recuperação de Empresas e Falências à situação do concurso singular de credores é descabida. Isso se deve à DIVERSIDADE dos propósitos de cada um dos procedimentos e de suas particularidades.

O concurso singular ocorre no contexto da execução por quantia certa, de forma individualizada, contra devedor solvente, cujo procedimento está descrito nos arts. 905 908 e 909 do CPC/2015. Dessa maneira, o Código de Processo Civil permite mais de uma penhora sobre o mesmo bem, decorrentes de execuções distintas, cabendo ao juiz a tarefa de iniciar o incidente concursal para determinar quais dos credores serão satisfeitos (art. 797, parágrafo único, do CPC/2015).

Assim, no caso do concurso singular, o legislador não se preocupou em atender à pretensão de todos os credores, somente participando da disputa pelo bem apreendido e pelo respectivo produto da alienação aqueles que ajuizaram a execução.

Por outro lado, a falência e a recuperação judicial fazem parte do chamado concurso universal ou coletivo, em que, após declaração judicial de insolvência, é realizado o levantamento e a arrecadação dos bens, com a convocação de todos os credores para participarem do processo. Por conseguinte, no concurso coletivo, o legislador concedeu um tratamento global ao falido ou insolvente, com a liquidação de todo o seu patrimônio e a formação da massa ativa e passiva.

Em tais circunstâncias, havendo mais diferenças do que semelhanças entre os procedimentos, não é possível, por analogia, utilizar previsão normativa específica do concurso universal, a fim de restringir direito preferencial do credor singular no recebimento integral de seu crédito de natureza alimentar.

Consigne-se, ademais que o art. 24 do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – EAOAB disciplina o caráter privilegiado dos honorários advocatícios sem qualquer limite de valor, de sorte que descabida a aplicação da analogia à espécie, à míngua de omissão legislativa exigida pelo art. 4º da LINDB.

Dessa forma, as instâncias de origem, ao restringirem o pagamento do crédito de natureza alimentar em 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos, violaram o disposto no art. 908 do CPC/2015.

8.2.3.    Resultado final.

Não é possível a aplicação do limite de crédito de 150 (cento e cinquenta) salários-mínimos, previsto no art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005, à hipótese de concurso singular de credores contra devedor solvente.

DIREITO PENAL

9.     Reiteração de descaminho e princípio da insignificância

RECURSO ESPECIAL

A reiteração da conduta delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho – independentemente do valor do tributo não recolhido -, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, se concluir que a medida é socialmente recomendável. A contumácia pode ser aferida a partir de procedimentos penais e fiscais pendentes de definitividade, sendo inaplicável o prazo previsto no art. 64, I, do CP, incumbindo ao julgador avaliar o lapso temporal transcorrido desde o último evento delituoso à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

REsp 2.083.701-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, por maioria, julgado em 28/2/2024 (Tema 1218). (Info STJ 802)

9.1.  Situação FÁTICA.

Creitinho, morador de cidade perto da fronteira com o Paraguai, frequentemente para lá viaja e traz consigo aparelhos MP3, Ipods, celulares startacs e outros. Já foi autuado e teve suas compras apreendidas mais de uma vez e em razão disso responde pelo crime de descaminho.

Após a condenação, sua defesa recorre ao princípio da insignificância, uma vez que o valor total dos aparelhos seria bem inferior a R$ 10 mil contos.

9.2.  Análise ESTRATÉGICA.

9.2.1.    Questão JURÍDICA.

Lei n. 10.522/2002:

Art. 20.  Serão arquivados, sem baixa na distribuição, por meio de requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos em dívida ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior àquele estabelecido em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional.

CP:

Art. 64 – Para efeito de reincidência: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação

9.2.2.    Reiteração obsta a aplicação do princípio da insignificância?

R: No descaminho, SIM!!!!

No julgamento do REsp 1.709.029/MG, a Terceira Seção do STJ, revendo a tese fixada no julgamento do REsp 1.112.748/TO (Tema 157) , firmou o entendimento de que incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.

Com efeito, a controvérsia oposta traduz um desdobramento direto daquele julgamento, na medida em que busca elucidar se o princípio da insignificância incide nos casos em que verificada a reiteração do crime de descaminho.

Sobre o tema, a Terceira Seção do STJ, firmou o entendimento no sentido de que “A reiteração da conduta delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, as instâncias ordinárias verificarem que a medida é socialmente recomendável (EREsp 1.217.514/RS, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, DJe 16/12/2015).

Ora, a reiteração da conduta é uma circunstância apta a indicar uma conduta mais reprovável e de periculosidade social relevante, inclusive porque transmite a ideia de impunidade, reduzindo o caráter de prevenção geral da norma penal, de modo que, caso verificada, tem-se por afastado, ao menos, dois dos pressupostos para reconhecimento da atipicidade material da conduta nos moldes estabelecidos pela jurisprudência, a saber: ausência de periculosidade social da ação e reduzido grau de reprovabilidade do comportamento. Ressalte-se, no entanto, que é recomendável a manutenção da ressalva proposta pelo Ministro Reynaldo Soares da Fonseca quando do julgamento do EREsp 1.217.514/RS.

Isso porque, é impossível contemplar a multiplicidade de situações fáticas que podem acarretar na prática de crime descaminho, sendo certo que, a depender das circunstâncias que tangenciem a reiteração da conduta, o julgador pode compreender que o reconhecimento da atipicidade material é a medida socialmente recomendávelMutatis mutandis, essa é a mesma compreensão que tem orientado esta Corte na análise do princípio da insignificância nos crimes de furto em que verificada a contumácia do agente.

Ademais, frise-se, procedimentos pendentes de definitividade, inclusive processos administrativos fiscais, podem ser sopesados para formar a convicção no sentido da contumácia da conduta delitiva.

Também, registre-se, não há base legal para aplicação do prazo preconizado no art. 64, I, do CP, ou mesmo outro marco objetivo para fins de análise da contumácia delitiva, sendo aplicáveis os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, de modo que o juízo ordinário deve avaliar se a conduta anterior é suficiente para denotar que o agente ativo é contumaz na prática delitiva.

Por fim, em se tratando de agente contumaz na prática delitiva, é desinfluente perquirir o valor do tributo não recolhido para fins de aplicação do princípio insignificância, pois a contumácia indica ser uma conduta mais gravosa e de periculosidade social relevante, de modo que a reiteração, em regra, acaba por afastar os requisitos necessários para o reconhecimento da atipicidade material da conduta. Admitir a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, no caso de reiteração da conduta, com base no montante do tributo não recolhido (inferior a vinte mil reais), teria o efeito deletério de estimular uma “economia do crime”, na medida em que acabaria por criar uma “cota” de imunidade penal para a prática de sucessivas condutas delituosas.

Desse modo, é de se concluir que a reiteração da conduta delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho – independentemente do valor do tributo não recolhido -, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, se concluir que a medida é socialmente recomendável. A contumácia pode ser aferida a partir de procedimentos penais e fiscais pendentes de definitividade, sendo inaplicável o prazo previsto no art. 64, I, do CP, incumbindo ao julgador avaliar o lapso temporal transcorrido desde o último evento delituoso à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

9.2.3.    Resultado final.

A reiteração da conduta delitiva obsta a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho – independentemente do valor do tributo não recolhido -, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, se concluir que a medida é socialmente recomendável. A contumácia pode ser aferida a partir de procedimentos penais e fiscais pendentes de definitividade, sendo inaplicável o prazo previsto no art. 64, I, do CP, incumbindo ao julgador avaliar o lapso temporal transcorrido desde o último evento delituoso à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

10.  Remição de pena e necessidade de credenciamento da instituição de ensino junto ao Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (SISTEC) do Ministério da Educação

RECURSO ESPECIAL

Para fins de remição de pena, a instituição de ensino que ministra o curso à distância deve estar credenciada junto ao Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (SISTEC) do Ministério da Educação.

REsp 2.105.666-MG, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 27/2/2024, DJe 1º/3/2024. (Info STJ 802)

10.1.               Situação FÁTICA.

Craudio, apenado, requereu remição de pena em razão da realização de curso a distância oferecido pela Tabajara Corporations. O juiz da execução indeferiu a remição em razão de que a renomada instituição de ensino não estaria credenciada junto ao Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (SISTEC) do Ministério da Educação.

10.2.               Análise ESTRATÉGICA.

10.2.1. Questão JURÍDICA.

Lei de Execução Penal:

Art. 126.  O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.                  

§ 2o  As atividades de estudo a que se refere o § 1o deste artigo poderão ser desenvolvidas de forma presencial ou por metodologia de ensino a distância e deverão ser certificadas pelas autoridades educacionais competentes dos cursos frequentados.  

Art. 129.  A autoridade administrativa encaminhará mensalmente ao juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, com informação dos dias de trabalho ou das horas de frequência escolar ou de atividades de ensino de cada um deles.

10.2.2. Necessário o credenciamento da instituição de ensino?

R: Yeap!!!!

Nos termos do art. 126, § 2º, da Lei de Execução Penal e da Resolução n. 391 do Conselho Nacional de Justiça (publicada no DJe/CNJ n. 120/2021, de 11/5/2021), a remição de pena em virtude de estudo realizado pelo apenado na modalidade capacitação profissional à distância deve atender os requisitos previstos nos arts. 2º e 4º da mencionada resolução, dentre os quais (1) demonstração de que a instituição de ensino que ministra o curso à distância é autorizada ou conveniada com o poder público para esse fim; (2) demonstração da integração do curso à distância realizado ao projeto político-pedagógico (PPP) da unidade ou do sistema prisional; (3) indicação da carga horária a ser ministrada e do conteúdo programático; (4) registro de participação da pessoa privada de liberdade nas atividades realizadas.

No caso, a entidade educacional não está cadastrada junto à unidade prisional, tampouco está devidamente autorizada ou conveniada com o Poder Público para tal fim. Não há, outrossim, evidência de que a entidade, emissora do certificado do curso, seja credenciada junto ao Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (SISTEC) do Ministério da Educação para ofertar os cursos realizados pelo apenado, não sendo possível aferir se a certificação possui respaldo das autoridades educacionais competentes, na forma do art. 129 da LEP. Ademais, frise-se, a afirmação genérica de que a entidade de ensino está cadastrada junto ao Ministério da Educação não supre a referida exigência.

Vale lembrar que, ainda que concluídos os cursos na modalidade a distância, a remição em decorrência do estudo exige, para cada dia de pena remido, a comprovação de horas de estudo, que, dada a sistemática da lei de execução penal, encontrando-se o apenado sob a custódia do Estado, deve preceder de fiscalização e autenticidade do cumprimento dos requisitos legais.

Contudo, embora a orientação jurisprudencial disponha que o apenado não pode ser prejudicado pela inércia do Estado na fiscalização, no caso, não se cuida de falha na fiscalização. Na verdade, o que se verifica é a efetiva ausência de prévio cadastramento da entidade de ensino com a unidade prisional e o poder público para a finalidade pretendida, conforme expressamente consignado pelo Juízo das Execuções Penais.

10.2.3. Resultado final.

Para fins de remição de pena, a instituição de ensino que ministra o curso à distância deve estar credenciada junto ao Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (SISTEC) do Ministério da Educação.

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