Parte I
Prof. Dr. Sidney Ferreira Leite
Professor de Politica Internacional/Estratégia
Cuba entrou na ordem do dia. Gritando “liberdade” e pedindo a renúncia do presidente Miguel Díaz-Canel, milhares de cubanos se uniram a protestos de rua de Havana a Santiago no domingo, as maiores manifestações antigoverno na ilha comunista em décadas. Os protestos aconteceram em meio à pior crise econômica de Cuba desde o fim da União Soviética, sua antiga aliada, e a uma disparada recorde de infecções de coronavírus. Parte da sociedade expressou revolta com a escassez de produtos básicos, as limitações às liberdades civis e à maneira como as autoridades lidam com a pandemia.
Há dificuldade especial dos estudiosos brasileiros no tratamento dos fatos que ocorrem em Cuba. As nossas relações históricas com a ilha do Caribe são intensas e envolvidas em contextos dramáticos para ambos os países. Lembremos, por exemplo, que foram os dois últimos Estados a abolir, nas Américas, a escravidão. A liberdade tardia dos cativos trouxe sequelas sociais que ainda se fazem presente no cotidiano das duas sociedades. Em período mais recente Brasil e Cuba compartilharam as vicissitudes da Guerra Fria. Tema a ser abordado na parte II. No presente artigo o foco é a Revolução Cubana de 1959. Assim, será possível responder à pergunta colocada no título.
De fato, como abordado acima, a Revolução Cubana é um dos temas que mais desperta paixões no campo ideológico e, ocupa posição relevante na política internacional. As interpretações são, de um modo geral, polarizadas. Há autores que sacralizam a Revolução somente colocando o olhar sobre os aspectos positivos e, há outros que demonizam o fato. As concepções extremadas não são ilusórias e nos colocam distantes da realidade.
Há dois momentos iniciais da Revolução que demarcam com nitidez a sua primeira etapa, cujo objetivo foi o de derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista e, simultaneamente obter poder decisório em relação aos temas nacionais. A ruptura do sistema colonial em Cuba foi tardia e sob a tutela dos Estados Unidos que, especialmente por conta da Emenda PLATT, exercia uma sujeição de natureza imperialista.
O duplo objetivo transforma os acontecimentos de 1959, como uma espécie de continuidade do processo de independência de fins do século XIX e inicio do Século XX. Fato que explica, por exemplo, o porquê do resgate que os revolucionários fizeram da memória de José Martí, o principal líder dos embates contra a Espanha e, ao mesmo tempo, o intelectual que denunciou o perigo representado pelo grande vizinho do Norte, isto é, os Estado Unidos.
Entrar em Havana, em 1 de janeiro de 1959, e derrubar o regime de Batista, concluiu a primeira etapa estava alcançada, o grande desafio, no entanto, havia apenas começado: conquistar a independência de fato. É importante destacar que foi somente em 1961 que a revolução se assumiu socialista. Não havia um programa de ação claro durante os embates da guerrilha revolucionária contra o exercito de Fulgêncio Batista. O partido comunista que até então existia na Ilha foi de inicio contra a ação dos guerrilheiros
Ações do Governo Revolucionário Cubano
Todavia, as conquistas sociais acabaram por sacrificar as liberdades individuais. A busca de autonomia em relação aos Estados Unidos aconteceu em um momento de agravamento das tensões entre esse país e a União Soviética. Qualquer gesto que demonstrasse o mínimo confronto com os interesses norte-americanos eram interpretados como uma perigosa agressão.
Os episódios como o de Playa Girón, em 1961, quando exilados cubanos tentaram invadir e tomar o poder em Cuba, com o apoio do governo dos Estados Unidos, a Crise dos Mísseis, em 1962, e, o embarco comercial tiveram como consequência a aproximação entre Cuba e a URSS. Aliança econômica que teve como desdobramento conduzir a Revolução para o socialismo real e tudo o que isso implicava, como por exemplo, a eliminação do pluralismo político e ideológico.
Atualmente o governo cubano coloca em prática, com muita cautela, um programa de reformas econômicas que implica uma aproximação com a lógica competitiva do mercado internacional. A abertura é entendida como o caminho para diversificar a economia e promover a industrialização. Mas, até que ponto essas reformas podem comprometer as vitórias da Revolução, por exemplo, nos campos da igualdade social, saúde e educação? Além desse fato, quando a Ilha passará pela salutar experiência de conciliar igualdade social com liberdade de expressão? Perguntas que estão abertas à reflexão e ao debate e que ganham novos matizes com os protestos recentes. Mas, esse é o tema do próximo artigo que será postado na próxima semana.
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