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Aspectos penais da Lei n. 14.344/2022, a Lei Henry Borel

A Lei n. 14.344 foi publicada em 24 de maio de 2022, buscando reforçar o sistema de proteção de crianças e adolescentes contra a violência, especialmente a doméstica e familiar. Além de criar mecanismos para prevenção e enfrentamento dessa espécie de violência, inclusive com a criação do sistema de garantia de direitos da criança ou adolescente que for vítima ou testemunha de violência, a nova lei altera o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei dos Crimes Hediondos e a Lei de Execução Penal.

A sua denominação se deve ao menino Henry Borel Medeiros, de apenas 4 anos de idade, que foi assassinado no dia 8 de março de 2021, na Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro. Foi encontrado morto no apartamento onde morava a mãe e o padrasto, médico e vereador na cidade do Rio de Janeiro/RJ. A grande repercussão do caso levou à aprovação dessa lei, que trouxe, em seu artigo 2º, a definição de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente como qualquer ação ou omissão que lhe causa morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico ou dano patrimonial, nos seguintes casos:

I – no âmbito do domicílio ou da residência da criança e do adolescente, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que compõem a família natural, ampliada ou substituta, por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação doméstica e familiar na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima, independentemente de coabitação.

A definição de violência será a da Lei n. 13.431, de 4 de abril de 2017, que em seu artigo 4º menciona como suas formas: a física, a psicológica, a sexual, a institucional e, após a alteração da Lei n. 14.344/2022, também a patrimonial, nos seguintes termos:

I – violência física, entendida como a ação infligida à criança ou ao adolescente que ofenda sua integridade ou saúde corporal ou que lhe cause sofrimento físico;

II – violência psicológica:

a) qualquer conduta de discriminação, depreciação ou desrespeito em relação à criança ou ao adolescente mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal e xingamento, ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática ( bullying ) que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou emocional;

b) o ato de alienação parental, assim entendido como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este;

c) qualquer conduta que exponha a criança ou o adolescente, direta ou indiretamente, a crime violento contra membro de sua família ou de sua rede de apoio, independentemente do ambiente em que cometido, particularmente quando isto a torna testemunha;

III – violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não, que compreenda:

a) abuso sexual, entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiro;

b) exploração sexual comercial, entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico;

c) tráfico de pessoas, entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na legislação;

IV – violência institucional, entendida como a praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização.

V – violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluídos os destinados a satisfazer suas necessidades, desde que a medida não se enquadre como educacional.

Cumpre, nesse espaço, fazer breves comentários sobre os aspectos penais da Lei n. 14.344/2022, como forma de atualização jurídica na área penal. A análise é inicial, logo após o início de vigência da lei, o que requer maiores reflexões e não isenta esse breve artigo de críticas, que serão bem-vindas:

Vacatio legis

Sobre o início de vigência da Lei n. 14.344/2022, cumpre consignar que o seu artigo 34 previu um período de vacatio legis de 45 dias. Sua publicação ocorreu em 24 de maio de 2022, razão pela qual entrou em vigor no dia 8 de julho de 2022. Vale lembrar que, nos termos da Lei Complementar n. 95/1998, a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral. Iniciando o cálculo no dia 24, o quadragésimo quinto dia recairá no dia 7 de julho, entrando em vigor a nova lei no dia 8 de julho de 2022. Assim, somente os homicídios praticados no dia 8 de julho de 2022 em diante, contra menores de 14 anos, serão qualificados em razão da idade da vítima, por se tratar de alteração mais gravosa.

Prescrição da pretensão punitiva propriamente dita ou em abstrato

O artigo 111 do Código Penal é o que prevê o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita. Seu inciso V sofreu alteração com o início de vigência da Lei n. 14.344/2022, passando a ter a seguinte redação:

Art. 111 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:

I – do dia em que o crime se consumou;

II – no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa;

III – nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência;

IV – nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.

V – nos crimes contra a dignidade sexual ou que envolvam violência contra a criança e o adolescente, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.

A regra é que a prescrição tenha seu prazo iniciado com a consumação do crime, o que varia se o delito for material, já que a consumação ocorre com a produção do resultado, ou se for delito formal ou de mera conduta, em que a conduta típica será suficiente para a consumação e, assim, o início do decurso do prazo. Se tentado o delito, é o fim da atividade criminosa que marca o início do prazo prescricional, como o último disparo antes da chegada de policiais. Nos delitos permanentes, é a cessação que faz iniciar o decurso do prazo, já que a consumação se protrai no tempo. Por isso, no sequestro, até a vítima ser libertada não corre o prazo de prescrição.

Há exceções em razão de peculiaridades de alguns crimes. No caso de bigamia e de falsificação ou alteração do registro civil, dada a clandestinidade inerente a essas condutas e devido à maior dificuldade de descoberta, o legislador previu que o conhecimento do fato é o que faz com o que o prazo comece a fluir.

Por fim, a Lei n. 12.650/2012 havia acrescido o inciso V ao artigo 111, para trazer uma disciplina específica de prescrição dos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. A Lei n. 14.344/2022, conhecida como Lei Henry Borel, alterou a redação para incluir também os casos de violência contra criança ou adolescente. Em todos esses delitos, devido à vulnerabilidade da vítima e da grande possibilidade de esses delitos não serem noticiados, especialmente quando praticados por seus genitores ou responsáveis, a prescrição não corre até que a vítima complete 18 anos de idade. A prescrição se inicia antes, entretanto, se já foi proposta a ação penal, pois o fundamento para o seu prazo não fluir desaparece: a ausência de comunicação às autoridades sobre a infração penal e da consequente persecução penal dos envolvidos.

A pena de limitação de fim de semana  

A limitação de fim de semana é a pena restritiva de direitos consistente na obrigação de o executado permanecer por cinco horas diárias, aos sábados e domingos, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, ocasiões nas quais poderão ser ministrados cursos e palestras ou realizadas atividades educativas. É o que determina o artigo 48 do CP:

Art. 48 – A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado.

Parágrafo único – Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.

A Lei de Execução Penal trata dessa pena em seu artigo 152, cujo parágrafo único foi inserido pela Lei n. 11.340/2006, a Lei Maria da Penha, para incluir o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação em caso de violência doméstica contra a mulher. Esse dispositivo foi alterado pela Lei n. 14.344/2022, conhecida como Lei Henry Borel, para inserir a previsão desse comparecimento obrigatório, durante o cumprimento da limitação de fim de semana, também aos casos de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente

Art. 152. Poderão ser ministrados ao condenado, durante o tempo de permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas.

Parágrafo único. Nos casos de violência doméstica e familiar contra a criança, o adolescente e a mulher e de tratamento cruel ou degradante, ou de uso de formas violentas de educação, correção ou disciplina contra a criança e o adolescente, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.

A substituição da pena privativa de liberdade e a violência doméstica e familiar contra crianças e adolescentes

A Lei n. 14.344/2022, conhecida como Lei Henry Borel, passou a vedar, nos crimes de violência doméstica e familiar contra a criança e adolescente, a substituição da pena privativa de liberdade por prestação pecuniária ou que implique pagamento isolado de pena de multa. Também se menciona a “pena de cesta básica”, categoria jurídica inexistente e que se refere à própria pena de prestação pecuniária, a qual pode ser convertida em prestação de outra natureza que não o dinheiro, em razão do previsto no art. 45, § 2º, do CP.

Essas vedações quanto à substituição a pena foram incluídas no Estatuto da Criança e do Adolescente, com a inserção do parágrafo segundo no artigo 226. O parágrafo primeiro, também incluído pela Lei Henry Borel, afasta a aplicação da Lei n. 9099/95 a esses casos, o que leva à vedação de composição civil dos danos, transação penal e de suspensão condicional do processo quando o delito envolver violência doméstica e familiar contra criança e adolescente. Assim como ocorreu na interpretação da Lei 11.340/2006, no caso de crimes praticados com violência contra crianças e adolescentes, a vedação deve se estender aos delitos do Código Penal, não se limitando aos da legislação especial, o ECA.

As alterações quanto ao homicídio qualificado  

A qualificadora é a forma do tipo penal em que se comina uma diferente pena em abstrato, com novos limites mínimo e máximo. O homicídio qualificado está previsto no § 2º do artigo 121, que teve o inciso IX inserido pela Lei n. 14.344/2022:

Homicídio qualificado

§ 2º Se o homicídio é cometido:

I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II – por motivo fútil;

III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

Feminicídio

VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:

VIII – com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido

Homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos

Homicídio qualificado

§ 2º Se o homicídio é cometido:

I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II – por motivo fútil;

III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

Feminicídio

VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:

VIII – com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido

Homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos

IX – contra menor de 14 (quatorze) anos:

Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

As qualificadoras são causas especiais que determinam uma pena maior, mais gravosa, abstratamente cominada, com diferentes limites mínimos e máximos. Referem-se aos motivos determinantes do crime e aos meios e modos de sua execução. A qualificadora implica um novo limite mínimo e um novo teto para a pena abstratamente prevista, sendo que no caso a pena será de reclusão de doze a trinta anos.

O homicídio qualificado é crime hediondo, tanto em sua forma tentada quanto na consumada, conforme determina o artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.072/1990. Vale mencionar que a Lei n. 13.964/2019 modificou o teor de referido dispositivo para incluir expressamente o inciso VIII (homicídio qualificado funcional), enquanto a Lei n. 14.344/2022 alterou o dispositivo para mencionar o inciso IX (menor de 14 anos):

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX);

Feminicídio  

A Lei n. 14.344 alterou as majorantes do crime de feminicídio, espécie de homicídio qualificado, que é praticado em virtude da condição do sexo (leia-se gênero) feminino, o que inclui a violência doméstica e familiar e o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Essas majorantes, previstas no artigo 121, § 7º,  são específicas para o feminicídio, ou seja, modalidades de feminicídio majorado:

§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II – contra pessoa menor de 14 anos; maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;

III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;

IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

As alterações realizadas pela Lei n. 13.771, de 19 de dezembro de 2018, foram destacadas no texto, em negrito, além de ter sido riscada a supressão do menor de 14 anos, feita pela Lei n. 14.344, de 24 de maio de 2022. Há, portanto, as seguintes majorantes, que determinam a incidência da fração de aumento de um terço até a metade nos seguintes casos:

•     Feminicídio praticado durante a gestação ou nos 3 meses posteriores ao parto: há maior vulnerabilidade da mulher em razão de sua condição de grávida ou de recuperação pós-parto, tornando maior o desvalor da conduta. O agente deve conhecer essa condição.

       No caso, não há jurisprudência consolidada ou uma posição firmada na doutrina de forma sólida sobre a questão da gestação. Pode haver só a majorante, se o aborto não acontece e não há desígnio autônomo. Se o feto ou embrião morre, deve haver concurso formal entre aborto sem consentimento da gestante e o feminicídio majorado. Se o feto/embrião morre e o agente também queria a interrupção da gravidez, o concurso formal é impróprio[1]. Não ocorre bis in idem, pois aqui se protege a vulnerabilidade maior da mulher na tutela da sua vida extrauterina (vulnerabilidade que acontece tanto na gestação quanto nos meses iniciais após o parto, incluído o chamado “período de resguardo”), enquanto no aborto se protege a vida intrauterina. Quanto mais vulnerável a mulher, maior deve ser a fração de aumento selecionado pelo juiz para incidência na terceira fase da dosimetria da pena;

•     Vítima maior de 60 anos, com deficiência ou que seja portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental: são exemplos de sujeito passivo com maior dificuldade de resistência, o que, tal como no caso de vítima gestante, torna pior o desvalor da conduta típica. É o caso da vítima maior de 60 anos, por ser considerada pessoa idosa, com menor força física do que a média dos adultos. Em se tratando de vítima portadora de doenças degenerativas, o plural parece indicar que o sujeito passivo deve ter mais de uma enfermidade, o que não deve prevalecer. A interpretação deve ser de que incide a majorante se a vítima possui uma doença degenerativa ou mais de uma, desde que apresente a limitação ou a vulnerabilidade em decorrência do seu estado de saúde[2]. Para Bitencourt, o termo deficiência desvela uma norma penal em branco, cujo complemento está no Decreto n. 3.298/1999, que regulamentou a Lei n. 7.853/1989 e definiu quem é considerada pessoa portadora de deficiência[3]. O critério de seleção da fração de aumento de pena, como no item anterior, deve ser a maior ou menor vulnerabilidade da vítima;

       Desde a redação anterior, já se consignava que essa norma era mais específica, por se referir apenas ao feminicídio, do que a majorante por idade da vítima que se aplica ao homicídio doloso em geral (art. 121, § 4º, do CP).  A Lei n. 14.344/2022 deu nova redação ao dispositivo, excluindo a expressão “vítima menor de 14 anos”, em razão da inserção do inciso IX ao § 2º, que passou a prever uma qualificadora quando a vítima tiver exatamente essa idade. Entretanto, caso o juiz opte pela qualificadora do feminicídio na dosimetria da pena, deixa de existir essa majorante específica, sem prejuízo de incidência da majorante genérica do parágrafo quarto, que prevê, entretanto, a fração taxativa de um terço, enquanto o dispositivo em estudo, antes da alteração legislativa, possibilitava ao julgador a aplicação de um terço a metade de aumento de pena. Neste ponto, a alteração legislativa, a meu ver, se tornou mais benéfica e, por isso, deve retroagir. Isso porque, se adotada a qualificadora do feminicídio e a vítima for menor de 14 anos de idade, anteriormente haveria a majorante de um terço até a metade e, com a alteração legislativa, há apenas a causa de aumento do parágrafo quarto do artigo 121, de um terço da pena.

•     Na presença física ou virtual de descendente ou ascendente da vítima: matar a vítima na presença de seus pais, filhos ou outros ascendentes ou descendentes torna o desvalor da conduta muito maior. A norma teve sua redação alterada para incluir expressamente a incidência da majorante no caso de “presença virtual”. A partir do início de vigência da norma, se os filhos da vítima presenciarem o crime por meio de uma chamada de vídeo (por exemplo, por Skype ou FaceTime), incidirá a majorante. O juiz deve selecionar a maior ou menor fração de aumento conforme o impacto psicológico, o número de pessoas e a proximidade afetiva de quem assiste à terrível e traumatizante cena de uma mulher de seu círculo social íntimo;

•     em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006: as medidas protetivas previstas na chamada Lei Maria da Penha e mencionadas no artigo são:

“I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; (…)”


Homicídio Qualificado: vítima menor de 14 anos de idade

A Lei n. 14.344, de 24 de maio de 2022, também passou a prever uma nova qualificadora ao delito de homicídio, ao inserir o inciso IX ao parágrafo segundo do artigo 121. Após um caso de grande comoção social, em que o menino Henry foi assassinado no apartamento em que morava com a mãe e o padrasto, na Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro/RJ. Devido à comoção, foi inserida nova qualificada ao homicídio, abrangendo vítimas crianças, pelo critério do ECA, que são os menores de 12 anos de idade, e também adolescentes menores de 14 anos de idade.

Além disso, a Lei Henry Borel também incluiu majorantes específicas para a qualificadora de vítima menor de 14 anos de idade, à semelhança do feminicídio. Ao inserir o § 2º-B ao artigo 121, foram inseridas duas hipóteses de aumento de pena, na terceira fase da dosimetria da pena, se o homicídio é qualificado em razão de o sujeito passivo ser menor de 14 anos de idade, nos seguintes termos:

§ 2º-B. A pena do homicídio contra menor de 14 (quatorze) anos é aumentada de:

I – 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é pessoa com deficiência ou com doença que implique o aumento de sua vulnerabilidade;

II – 2/3 (dois terços) se o autor é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela.

A primeira majorante, prevista no inciso I do § 2º-B, traz o intervalo de aumento de um terço até a metade, incidindo se a vítima for pessoa com deficiência ou com doença que implica o aumento de sua vulnerabilidade. Assim, se a criança ou adolescente menor de 14 anos de idade for, por exemplo, pessoa com deficiência, incidirá a majorante. O juiz deve estipular a fração, que deverá levar em conta a maior ou menor vulnerabilidade. Pode-se super uma criança com deficiência auditiva parcial, que não foi determinante para a violência e a vulnerabilidade no caso, que decorreu mais da idade; o juiz pode aplicar uma fração menor de aumento, como a de um terço.

Por outro lado, se a vulnerabilidade for maior, a fração de aumento deve se aproximar do máximo. Pode-se imaginar um adolescente de 13 anos de idade que, por ser pessoa com deficiência, é cadeirante, o que o tornou ainda mais vulnerável à ação homicida. Por ter sido determinante para o delito, aumentando sobremaneira a sua vulnerabilidade, o juiz deve aproximar a fração do máximo, fixado peplo legislador em metade. A vulnerabilidade maior também pode decorrer de doença, como no caso de a criança ser portadora de epilepsia e ter sido vítima desse grave delito no momento em que acometida de uma crise decorrente de sua condição de saúde.

A majorante do inciso II, por sua vez, se relaciona à maior proximidade entre sujeito ativo e sujeito passivo, o que é um fundamento mais objetivo e, por isso, o legislador trouxe, com acerto, uma fração fixa de aumento de pena, fixada em 2/3. Ela incide se o agente for ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela. Possui autoridade sobre a vítima o líder religioso, o responsável por instituição de ensino, especialmente na modalidade de internato, aquele que possui a guarda de fato, dentre outros. Nesse caso, o desvalor maior reside na relação de confiança entre a vítima e o agente, que inclusive tem projeção social, tornando a sociedade menos vigilante dessa relação, confiante do bom trato do menor de idade por esse indivíduo.

Somente os homicídios praticados no dia 8 de julho de 2022 em diante, contra menores de 14 anos, serão qualificados em razão da idade da vítima, por se tratar de alteração mais gravosa. Dado o princípio da irretroatividade da lei penal mais grave, a partir da entrada em vigor que incide a qualificadora.

Disposições gerais sobre os crimes contra a honra: majorantes  

A Lei n. 14.344/2022 alterou, quanto aos crimes contra a honra, as suas formas majoradas. Foi dada maior abrangência à majorante, ao se incluir também o caso de vítima ser criança ou adolescente, de modo que o artigo 141, que prevê as majorantes, passou a ter a seguinte redação:

Art. 141 – As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:

I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;

II – contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal;

III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.

IV – contra criança, adolescente, pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou pessoa com deficiência, exceto na hipótese prevista no § 3º do art. 140 deste Código.

Parágrafo único – Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro.

§ 2º Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena.

Os crimes de calúnia, injúria e difamação terão a causa de aumento de pena de um terço se forem praticados contra o Presidente da República, contra chefe de governo estrangeiro. Também incide a majorante no caso de o delito ser praticado contra funcionário público, desde que em razão de suas funções.

A Lei n. 14.197, de 1º de setembro de 2021, alterou a redação do inciso II do artigo 141, incluindo também os crimes praticados contra os Presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal. São os Chefes dos Poderes da União que não estavam incluídos no inciso I. Nesse caso, não se exige o nexo funcional, ou seja, o delito praticado não precisa ter relação com as funções exercidas pela vítima para incidência da majorante. Houve previsão de vacatio legis de 90 dias, a partir do qual referida lei entrou em vigor.

 Há também a forma majorada no caso de o delito ser praticado na presença de várias pessoas ou por meio de facilite a sua divulgação, como é o caso de uma publicação jornalística ou em um programa televisivo. Para a maioria da doutrina, a configuração da presença de várias pessoas exige que sejam pelo menos três. Anteriormente, enquadrava-se nessa majorante também a ofensa por meio de redes sociais, mas, com o início de vigência do Pacote Anticrime, em 23 de janeiro de 2020, passou a incidir majorante específica, do triplo da pena.

O delito de calúnia e o de difamação possuem também a forma majorada se a vítima for maior de sessenta anos ou pessoa com deficiência. Essa majorante ficará afastada caso incida a qualificadora de injúria por preconceito, ou seja, quando a injúria consiste na utilização de elementos referentes à condição de pessoa idosa ou com deficiência. Se a vítima for idosa ou pessoa com deficiência e essa condição não for utilizada como meio de se violar sua honra subjetiva, nem outro elemento mencionado no artigo 140, § 3º, do CP, não incidirá a qualificadora respectiva, razão pela qual será possível aplicar a majorante.

Além disso, a Lei n. 14.344/2022, conhecida como Lei Henry Borel, foram incluídos nessa majorante a vítima criança ou adolescente. Com o início de sua vigência, em 8 de julho de 2022, passa a incidir a majorante nos crimes praticados contra crianças e adolescentes, por ser alteração mais gravosa. Incidindo a majorante, fica afastada a agravante genérica do artigo 61, II, alínea h, que abrange os delitos que possuem uma criança como sujeito passivo. Por fim, essa lei também fez uma adequação de nomenclatura, deixando de se referir a pessoa “portadora de deficiência” para mencionar pessoa com deficiência.

No caso de crime mercenário, ou seja, praticado mediante paga ou promessa de recompensa, o crime contra a honra será majorado, sendo que neste caso o aumento de pena implicará que ela seja dobrada.

Por fim, com a derrubada do veto do Pacote Anticrime, foi inserido o parágrafo segundo ao artigo 141. Se o crime for cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena. Chama a atenção o quantum de pena que, apesar de se justificar na ampla e rápida difusão desses delitos quando praticados em redes sociais, como Twitter, Facebook e Instagram, leva a uma punição maior do que o crime de lesão corporal. Por isso, questiona-se a sua proporcionalidade.

Esses foram os breves comentários sobre os aspectos penais da Lei n. 14.344/2022, espero que sejam úteis e tenham sido didáticos. Toda crítica, reforço, é bem-vinda e auxilia a compreensão e interpretação dessa nova lei.

Bons estudos,

Michael Procopio


[1].      Também menciona concurso formal, sem definição ex ante se haverá concurso formal próprio ou impróprio: CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal, 2020, p. 76.

[2].      No mesmo sentido: CUNHA, Rogério Sanches. Ob. Cit., 2020, p. 76.

[3].      BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2020, p. 108.

Michael Procopio Avelar

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