CIVIL 2ª FASE – XIX EXAME OAB: A peça do produto!

Galera,

Vamos direto ao ponto! A OAB publicou o gabarito definitivo da 2ª Fase de Civil do jeito que temíamos, como eu disse no artigo anterior, no qual procurei explicitar porque a régua de correção preliminarmente apresentada é bastante problemática:

http://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/2a-fase-de-civil-do-xix-exame-da-oab-comentarios-a-prova/

Como muitos alunos me mandaram mensagens pedindo ajuda, um help ou mesmo uma mãozinha, resolvi escrever mais alguns comentários sobre a prova. Inacreditavelmente, foi mantido o gabarito com a duplicidade de efeitos em relação ao evento tratado pela peça…

Foram muitos os pedidos de Recurso que recebi, que, confesso, creio serem cabíveis. Como os prazos recursais da OAB são bastante curtos, achei por bem ajudar a todos os que pretendem recorrer autonomamente, ou que procuram subsídios para suas alegações.

Claudia Lima Marques (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6ª ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1204 e ss.) trata da responsabilidade civil decorrente de vícios (lato sensu) do produto a partir da lição de Antônio Herman Benjamin. Vou adotar a obra dela por três razões:

  1. pessoalmente gosto da obra dela, muito bem escrita e embasada em literatura jurídica refinada e de qualidade;
  2. tecnicamente ela tem uma qualidade ímpar, sendo grande conhecedora do regime consumerista nacional e internacional;
  3. ela é, ao lado de outros grandes consumeristas, uma das fundadoras do Direito do Consumidor brasileiro, nos moldes que temos hoje, e alinhada a Antônio Herman Benjamin (com o habeas corpus prévio a ambos, se ele é o “pai” do CDC, ela é a “mãe”).

Segundo ela, “a esclarecedora apresentação da teoria da qualidade por seu iniciador no Brasil, Antônio Herman Benjamin, e a sua perfeita adaptação às normas introduzidas pelos CDC no ordenamento jurídico brasileiro, tornam desnecessária qualquer discussão sobre a utilidade desta teoria na interpretação e no entendimento do nove regime de responsabilidade”. Em outras palavras, meu argumento vai na esteira do raciocínio do autor que apresentou a teoria sobre a qualidade dos produtos de consumo no Brasil.

Ela afirma que a “teoria da qualidade se bifurcaria, no CDC, na exigência de qualidade-adequação e qualidade-segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e dos serviços. Nesse sentido, haveria vícios de qualidade por inadequação (arts. 18 ss) e vícios de qualidade por insegurança (arts. 12 a 17)”. Assim, a responsabilidade do fornecedor está “concentrada na existência de um defeito (falha na segurança) ou na existência de um vício (falha na adequação, na prestabilidade)” (p. 1207).

Reconhecido o vício, o CDC “imputa ao fabricante, independentemente de sua culpa, a responsabilidade pelo fato do produto defeituoso, e não necessariamente ao fornecedor direto. Na lista do art. 12, o grande ausente é o comerciante, agente ordinariamente responsável pela reparação dos danos, tendo em vista, principalmente, a sua ligação contratual com o consumidor-comprador e a ideia de uma garantia implícita de qualidade-segurança, extensível a terceiros-vítimas” (p. 1269).

Mas por que o comerciante é excluído? “O mestre italiano Alpa observa que a maioria dos defeitos tem sua origem na fabricação, na construção ou no projeto do bem, e não em sua comercialização. Parece ter sido este o motivo da decisão do legislador do CDC de imputar a responsabilidade, em princípio, àqueles que poderiam ter evitado o defeito” (p. 1270).

Essa compreensão, como eu disse no artigo anterior, ficou bem sedimentada no STJ, numa decisão da Ministra Nancy Andrighi num julgado em 2009 (REsp 967623/RJ, terceira turma, DJe 29/06/2009):

“No sistema do CDC, a responsabilidade pela qualidade biparte-se na exigência de adequação e segurança, segundo o que razoavelmente se pode esperar dos produtos e serviços. Nesse contexto, fixa, de um lado, a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, que compreende os defeitos de segurança; e de outro, a responsabilidade por vício do produto ou do serviço, que abrange os vícios por inadequação.

Observada a classificação utilizada pelo CDC, um produto ou serviço apresentará vício de adequação sempre que não corresponder à legítima expectativa do consumidor quanto à sua utilização ou fruição, ou seja, quando a desconformidade do produto ou do serviço comprometer a sua prestabilidade. Outrossim, um produto ou serviço apresentará defeito de segurança quando, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos à sua incolumidade ou de terceiros.”

Ou seja, em resumo, um evento danoso pode ser causado por vício do produto (vício de qualidade por inadequação que causa um defeito no próprio bem) OU por fato do produto (vício de qualidade por insegurança que causa um defeito que extrapola o próprio bem), ou, como diz o STJ, “, além de não corresponder à expectativa do consumidor, sua utilização ou fruição for capaz de adicionar riscos à sua incolumidade ou de terceiros”). Veja-se que se fala em risco potencial, não efetivo, o se excluiria, numa perspectiva mais rasteira, o próprio dano moral.

Assim, a meu ver, com base naquilo que considero a melhor doutrina do Direito do Consumidor no Brasil, atualmente, e com base no entendimento consolidado no STJ, não consigo concordar com a régua da OAB que visualiza, num mesmo evento danoso, tanto vício quanto defeito do produto. Até porque, numa perspectiva “física”, o fato do produto será efeito, cuja causa é um vício; dessa forma, o fato do produto absorverá o vício do produto, “fisicamente” falando.

A partir disso, você pode estabelecer os argumentos que embasarão seu recurso, já que a consequência da impossibilidade de visualização de ambas as situações num mesmo evento é a inaplicabilidade dos dois regimes, concomitantemente. Consequência prática é que a régua de correção deve ser profundamente modificada (solidariedade do comerciante e pedidos correlatos).

Desejo aos recorrentes sorte no recurso e espero ter ajudado, um pouco mais, a diminuir a angústia de quem ainda estava meio desnorteado pelo gabarito. Não desistam, especialmente porque eu acredito que vocês estejam certos!

Para os que conseguirem obter êxito, espero-os em nossos próximos Cursos aqui no Estratégia: https://www.estrategiaconcursos.com.br/cursosPorProfessor/paulo-h-m-sousa-3384/

Para os que não, fica a dica para os preparatórios de 1ª (já disponíveis) e 2ª Fase (em breve!):

https://www.estrategiaconcursos.com.br/pesquisa/?q=oab

Inclusive, o Curso gratuito de simulados para a OAB está bombando já, com a participação de todo o time de feras do Estratégia da OAB:

https://www.estrategiaconcursos.com.br/curso/curso-gratuito-de-simulados-exame-de-ordem-oab/

Grande abraço,

Prof. Paulo H M Sousa

prof.paulosousa@yahoo.com.br

Paulo H M Sousa

Ver comentários

  • Professor, foi exatamente o raciocínio que tive na hora da prova. Dessa forma, não inclui o comerciante no polo passivo, ou seja, impugnei a sentença apenas em parte, no que tange a responsabilidade pelo fato. Assim, simplesmente não mencionei o comerciante na minha peça. O Sr. acha que o meu recurso prosperará? Obrigada

    • Amanda,
      É meio um exercício de "futurologia", mas creio que temos boas chances sim! Já que esse entendimento da banca vai contra o entendimento majoritário...

  • Professor, gostaria que expressasse nossas chances reais em ter o recurso provido. Minha peça seguiu extamente esse raciócio explanado acima, mas acredito que a banca da fgv já tenha tido o conhecimento dessa indignação desde o gabarito preliminar, entretanto, manteve o seu entendimento. Segundo o seu conhecimento sobre a banca, acredita que temos chances?

    • Leyliana,
      Se acho que temos chances? Acho. Se são altas? Não. No entanto, como creio que teremos uma chuva de recursos, isso acenderá uma luz amarela na FGV...

  • Por outro lado, eu, apesar de ler claramente na narrativa dos fatos que se tratava de fato do produto, optei por seguir a apelação como vício do produto.
    Essa escolha se deu pois era conseguiria rebater todos os capítulos da sentença proferida pelo juiz, o que eu imaginava que a FGV esperava. Assim, pude afastar a decadência e incluir a loja no polo passivo, no entanto, não pude elaborar argumentação em relação ao vício do produto.
    Enfim.. achei uma prova confusa e de profunda atecnia. A falta de tecnica foi vista, inclusive, na parte processual, quando o enunciado não forneceu todos os elementos necessários para que o aluno decidisse entre reforma da sentença, ou anulação da mesma visto que não houve julgamento dos pedidos iniciais do autor - muito menos forneceu as informaçãoes para a teoria da causa madura, foi omisso.
    Agora fazer o que, vamos esperar! :)

  • Prof. Paulo, muito bom o texto. Acrescento mais uma para o recurso que acaba amanha. RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. AQUISIÇÃO DE MÁQUINA LAVADORA DE ROUPAS. ARREMESSO DE PEÇAS DO PRODUTO QUANDO DE SUA UTILIZAÇÃO. PLEITO DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS E DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. FATO DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE A SER APLICADA COM BASE NO ART. 12 DO CDC. COMERCIANTE QUE SOMENTE PODE SER RESPONSABILIZADO EM UMA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 13 DO CDC, QUE NÃO SE APLICAM AO CASO EM APREÇO. FABRICANTE IDENTIFICADO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO COMERCIANTE PARA RESPONDER POR DEFEITO DECORRENTE DE FATO DO PRODUTO. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, EM RELAÇÃO APENAS AO COMERCIANTE. RECURSO PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71005069414, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Silvia Muradas Fiori, Julgado em 09/10/2014).
    (TJ-RS - Recurso Cível: 71005069414 RS, Relator: Silvia Muradas Fiori, Data de Julgamento: 09/10/2014, Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 10/10/2014)

  • Também fiz como vcs. Nao pedi solidadriedade e jamais pediria num caso
    Assim. Pois, certamente o tribunal nao daria provimento ao meu recurso. Visto que, o próprio tribunal entende como parte ilegítima p comerciante quando se está diante o fato do produto, conforme inúmeras jurisprudências disponibilizadas. Por questão de ética e aplicação do direito, deveria ser anulado o quesito da solidadriedade, pois somente seria o caso, se houvesse as hipóteses do art. 13 cdc, ja que está claro se trate de fato do produto.

  • Caso nao seja dado provimentos aos recursos, vamos entrar com recurso na ouvidoria do conselho federal. Pois nao é correto tal entendimento. Difere da doutrina e jurisprudência majoritária.

  • Professor, o senhor acredita na possibilidade de a banca examinadora abrir ou gabarito ou reconsiderar quem entendeu ser fato e não defendeu a solidariedade? Nas demais provas quando há erros vemos muitas coisas na internet, mas nao vejo a mesma em Civil neste exame. O que o senhor espera no dia 05? Obrigada

  • Boa Tarde Prof. Paulo

    Entrei em contato com a OAB do Estado do Parana e indicaram abrir um requerimento no link abaixo, antes da divulgação dos recursos.

    "Solicitamos a gentileza de formalizar o seu pleito por meio do Fale Conosco, sistema da ouvidoria do CFOAB desenvolvido para tratar desses casos. Segue o link de acesso direto ao Fale Conosco, que está disponível na página do Conselho Federal da OAB " http://www.oab.org.br/ouvidoria/faleconosco.

    Quem puder solicite que a prova seja corrigida nos RECURSOS, como fato OU vicio
    bem como foram pontuadas no espelho, 3 perguntas que NAO foram perguntadas na prova que sao:

    Questão 1 A "pelo fato de que a houve a possibilidade de conhecimento da
    proposta e resposta imediata (0,45)"
    Questão 3 A “Ademais, não poderá alegar força maior porque o ato de
    subcontratar fora voluntário, ao passo que o acidente apenas deu causa à
    incapacidade temporária para a prestação de serviços contratada (0,30)
    Questão 3 B “em razão do reconhecimento dos fatos pela prestadora de
    serviço (0,20) ”

    Peçam que seja levado em conta nos recursos.

    Abracos e obrigado!
    Sergio

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